OPINIÃO

A economia do crime organizado

A escala alcançada pelo crime organizado na economia, nas instituições, na política e na irradiação na sociedade constitui uma grave ameaça à segurança do cidadão e à democracia e uma disputa direta de poder com o Estado democrático.

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SÉRGIO C. BUARQUE

Publicado em 17/01/2024 às 0:00 | Atualizado em 18/01/2024 às 11:48
Equador enfrenta 'conflito armado interno' por conta da atuação do narcotráfico - RODRIGO BUENDIA / AFP

O comércio mundial de drogas movimenta cerca de US$ 870 bilhões por ano (dados do UNODC para 2015), equivalente a 1,5% do PIB mundial e cerca de 68% de toda riqueza produzida no do Brasil. Com este percentual no PIB mundial de 2021, o narcotráfico movimentaria US$ 1,45 bilhões, dinâmico e lucrativo negócio global que, se fosse considerado um país, seria a 16ª do mundo, logo abaixo da Espanha. De acordo com a UNODC, o mercado das drogas atende a, aproximadamente, uma demanda de 296 milhões de pessoas, distribuídas em quase todos os países, cerca de 5,8% da população mundial de 15 a 64 anos. O peso e a importância deste negócio ilegal na economia mundial se expressam na extensa e ampla cadeia de valor que vai da produção até a ponta final do comércio varejista para atender a demanda do consumidor. A sua interação com outras atividades criminosas, principalmente as milícias e o comércio ilegal de armas de fogo que alimenta o poderoso exército do narcotráfico, multiplica o peso econômico do crime organizado. Ainda de acordo com a UNODC, o tráfico de drogas, de armas e de pessoas, combinados com a lavagem de dinheiro é um negócio equivalente a 3,6% do PIB mundial, quase a metade do negócio mundial do turismo, que movimentou 448 milhões de pessoas em 2021.
A economia das drogas é um negócio altamente globalizado, com especialização dos países nas diversas etapas do processo e com uma estrutura logística sofisticada e subterrânea que, em todo caso, se infiltra nas redes legais de transporte e distribuição. A crise do crime organizado no Equador reflete a redefinição de rotas e disputa pelo controle da logística, embora o país não seja um produtor relevante nem mesmo grande consumidor das drogas. O controle do porto de Guayaquil para o escoamento da produção de cocaína da Colômbia e do Peru estaria na origem da migração em massa de facções criminosas para o território equatoriano. A cadeia de valor das drogas gera um rico patrimônio para os chefes das facções e deixa no caminho bilhões de dólares nas várias etapas, incluindo suprimento de insumos e serviços para a produção e a logística, compreendendo armazenagem, carros, ônibus, caminhões, barcos e aviões para o transporte, o que requer também acesso a aeródromos e portos de escoamento. Neste caminho se acrescenta ainda os bilhões de dólares de suborno de policiais, políticos e juízes, e manutenção de uma rede de advogados.
Por outro lado, o negócio da droga ocupa milhões de pessoas nos países, com a distribuição de renda que se espraia nas comunidades e nas diversas etapas da cadeia produtiva, o que terminando estimulando a economia local. Especialmente no varejo, quando emprega milhões de pessoas que não encontram oportunidades de trabalho nas economias formais e legais e, portanto, aproveitam a irradiação da renda do negócio ilegal. Toda esta cadeia de valor e os dólares que se distribuem no caminho geram uma rede de fidelidade e simpatia em vários segmentos da sociedade e, mais ainda, nas comunidades de baixa renda que se beneficiam da movimentação dos recursos do tráfico. Por isso, é praticamente inviável e equivocado o combate ao crime organizado se não forem geradas outras oportunidades de emprego e renda nas comunidades, o que depende do crescimento da economia e, mais do que isso, da educação e qualificação profissional da população de média e baixa renda.
O narcotráfico, como os outros negócios criminosos, tem demonstrado uma grande capacidade de inovação, avançaram na digitalização dos processos e da distribuição, criando novas redes de comercialização, melhorando a velocidade e reduzindo custos do suprimento, além da inovação na produção de novas drogas e componentes. Tudo indica que as facções criminosas do narcotráfico são mais inovadoras que as empresas de vários setores da economia brasileira e, mais ainda, do Estado brasileiro. A disputa do Estado com o narcotráfico ganha, assim, conotações de uma guerra tecnológica, na qual, aparentemente, estamos perdendo.
A escala alcançada pelo crime organizado na economia, nas instituições, na política e na irradiação na sociedade constitui uma grave ameaça à segurança do cidadão e à democracia e uma disputa direta de poder com o Estado democrático. O que se torna mais evidente e dramático quando se manifesta no domínio de parcelas dos territórios nas cidades, com especial gravidade no Rio de Janeiro.

Sérgio C. Buarque, economista

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