Uma das perguntas é: as instituições democráticas estão funcionando ou não? Outra é: faltou o apoio dos militares de raiz?
Trago uma terceira. Qual o tipo de liderança que Bolsonaro exerce? Não se trata da liderança político-ideológica indireta sobre eleitores, aliados, organizações e partidos. Mas a liderança direta que exerce sobre seus ministros, militares e assessores. O comando sobre quem o cerca. No dia a dia. Cara a cara.
Para responder, analisar o liberado vídeo da reunião de 5 de julho de 2022 é indispensável.
Não apenas transcrever ler ou ouvir. Mas assistir e ver, também. Tudo junto e misturado.
Imagens falam.
Aquela foi reunião triste.
Exceção do ex-presidente, a imensa maioria dos mais de trinta ministros, membros das forças armadas e auxiliares presentes aparentavam tristeza. Quase de cabeça baixa. Olhavam para dentro de si mesmos. Para um infinito que desconheciam.
A não ser esporadicamente, poucos se conversavam. Menos ainda trocavam ideias. Não se sorriam. Não se confraternizavam. Dificilmente eram equipe. Apenas estavam colocados juntos.
Lembrou-me o exército com centenas de soldados de terracota do Museu de Xian na China. Prontos, armados, enfileirados, mas imóveis.
Reunião de constrangidos. "É obrigação o cara [o ministro] falar se [ele o ex-presidente] tá errado". Silêncio permanente. Ninguém falou. Aliás, o General Heleno tentou. Foi calado ao vivo.
A reunião foi monocrática. Tal qual liminar de ministro do Supremo. Longa. Durou 1h33min. A fala inicial do ex-presidente demorou 1h03min. Exerceu o monopólio da pauta. Passou vídeos. No total os participantes devem ter falado cerca de 20 minutos. Um pouco mais.
O Ministro Wagner Rosário tentou trazer para conhecimento comum relatório do TCU sobre urnas. Tema da pauta. Mas irritou. Foi cortado também.
Assistiu-se a um stand-up presidencial. Feito de dúvidas, insinuações, angústias, pedidos de ajuda, rumos antagônicos, ameaças, e sobretudo medo.
O que fazer nas eleições de 2022? Como fazer? Quem fazer? Chegou a hora? Insistia.
Quem sabe faz a hora ou espera acontecer?
O ex-presidente parecia Macbeth. Debatia-se consigo mesmo. Sem psicanalista. O líder-paciente, angustiado, reclamava de seu próprio poder. Vivenciava a desalegria da liderança.
Lembrou-me a angústia do ex-presidente Figueiredo. No final de seu mandato. Queria logo terminar tudo e ir para casa. Não suportou entregar a faixa ao sucessor. O mesmo sintoma de Bolsonaro.
A reunião além de ser monocrática, instrumento de coerção pelo constrangimento, evidência de ambição angustiada, revelou mais.
Todas mídias — tradicional ou social, jornais, televisão — foram criticadas como oposição. Críticas e mentirosas, veiculadoras de fake News. Paradoxalmente, foram, ao mesmo tempo, valorizadas como fonte de notícias e fatos.
Barbara Tuchman, a maior das historiadoras, ao explicar por que lideranças poderosas tomam decisões insensatas, e perdem o poder, aponta um fator decisivo.
Cercam-se de assessores que bloqueiam informações desagradáveis ou mesmo perigosas. Para evitar as consequências individuais por serem portadores da má notícia, blindam, ocultam e selecionam fatos. Colocam o poderoso na opaca jaula do desconhecimento. O resultado é obvio.
O líder passa a viver em mundo ideal. Difícil escolher bem. Combater bem a oposição. Acertar o que fazer. Não controla mais a realidade.
Consenso absoluto produz erro absoluto.
Naquela reunião, não houve dissenso. Diálogo. Ouviu-se e viu-se apenas o ex-presidente se debater. Como quem não quer, querendo, o golpe.
"Daqui para frente quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui". Mais do mesmo.
Qual o tipo de liderança que a reunião da solidão comum revela? A liderança pela egolatria.
Joaquim Falcão, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL) e da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).