OPINIÃO

Desabafo sobre o Brasil que vejo

A realidade brasileira nos leva a repetição: de angústias, de preocupação, de... desabafos

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TARCISIO PATRICIO DE ARAUJO

Publicado em 12/03/2024 às 6:00 | Atualizado em 13/03/2024 às 10:22
O presidente do STF, Luiz Roberto Barroso, o Presidente Lula e o ministro Flávio Dino e o presidente da Câmara, Arthur Lira - VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL

O que segue poderia ser um desdobramento da última crônica, com um “2” aposto ao título anterior. Mas, adversa o autor, seria repetir um título por ele agora julgado desinteressante. E aí vem outra chamada; sim, um desabafo, sentimento que se capta nas ruas, com populares (reclamando de inflação, por exemplo, embora o indicador oficial de preços – IPCA – esteja relativamente bem comportado. Alguns preços da cesta básica falam alto). Deixe-se pra lá a chatice da economia, que vai mais ou menos bem, embora o crescimento do PIB de 2023 só é “pibão” no reinante palco de fantasias de redes sociais. E venha a conversa de hoje.

A realidade brasileira nos leva a repetição: de angústias, de preocupação, de... desabafos. Quando surgiram as investigações sobre o Mensalão e a Lava Jato, achei que o país caminhava para reformas que, finalmente, trariam justiça social. Sonhei com a possibilidade de se instituir a condenação em segunda instância, e com o fim do foro privilegiado de tudo que era agente público a ser investigado nos termos de uma democracia. Foi-se tudo.

O que restou foi uma barafunda de ‘narrativas’, em que a Lava Jato virou a criminosa e os acusados não foram inocentados, mas ficaram livres de vir a ser objeto de investigação. Provas concretas foram anuladas.

O não investigado envolvimento em malversação de recursos foi generosamente ‘democrático’ – tratava-se de gente de todo o espectro político – e salvaram-se todos. Elio Gaspari, em artigo de 10/03/2024 (O GLOBO), é preciso: quando Lula, no mandato 03, aponta defeitos da Lava-Jato e omite o que houve de virtuoso naquela operação, “prega para convertidos, sejam eles petistas ou empreiteiros, mas agride parte do eleitorado, que não aprova o que soa como uma indulgência com os corruptos”.

Acrescento: não respeita a significativa parcela do eleitorado que a ele confiou o voto, não só para liderar a “reconstrução nacional”. Esperava-se um governo amplo (esse foi o sentido das eleições), e não o ‘repeteco’ do presidente anterior: conversa só com os devotos, e pauta de reeleição desde o começo do mandato. E governança bem difícil, com evangélicos e Centrão dando cartas no Parlamento.

Em contexto peculiar, uma jornada de alto risco – abrindo janela para um governo de direita. E, se o americano Trump galgar mais um mandato, a extrema-direita brasileira ganhará ainda mais alento. Coisa que se espalha no mundo: veja-se o recente resultado das eleições em Portugal. Coisa que tem como forte raiz a extrema polarização que aqui também grassa – alimentada por cada um dos extremos.

Além disso, no nosso quintal a composição parlamentar depois das eleições de 2018 e 2022 e decorrentes arranjos políticos tornam ainda mais difícil se operar contra a impunidade de agentes públicos. Um exemplo é o do deputado Ricardo Salles, quando, como Ministro do Meio Ambiente (!) no governo passado, notabilizou-se em foto que serve de ornamento a uma grande pilha de madeira ilegal da Amazônia (!!), obstando investigação pela Polícia Federal. Pois é, e nada mais se viu sobre como anda a prestação de contas, à Justiça, do agora agente público com o escudo ‘foro privilegiado’.

Ocorre que o panorama político – que costuma ganhar traços policiais – parece sempre capaz de se tornar mais turvo. E isso se dá com um relato publicado na Revista PIAUÍ, Edição 210 (Março 2024). “Um poder político extraordinário”, assinada por Allan de Abreu, é uma estarrecedora história. É como se nada escapasse ao cupim da malversação de recursos. Matéria de 26 páginas (pdf), que vale ser lida por completo. Segue resumo com destaques da matéria. “Como a FGV enterrou investigações de corrupção de seus diretores – e os investigadores acabaram sendo investigados”. “...investigações do Ministério Público e da Polícia Federal que apontam graves indícios de malversação de recursos na casa dos milhões de reais, descontrole contábil, corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro”. Um traço burlesco é o apelido dado aos costumeiros seminários do IDP (instituto do qual é sócio o Ministro Gilmar Mendes), parceiro da FGV, em Lisboa, Portugal: ‘Gilmarpalooza’.

Como economista, pesquisador e usuário das fontes de dados e de bons textos da FGV, fiquei de queixo caído. Pois é, isso ainda é possível no Brasil. O antigo reaparece com manto do inédito. No caso, um tapa no rosto de todo usuário e apreciador dos serviços da FGV.

É arraigado o uso da coisa pública como "coisa nossa". Arranjos espúrios mantêm mazelas deste país. É só ver como se tratam os processos de licitação, trate-se de bilhões, ou de ninharia. A solução passa pelo mais difícil: reformas – do Estado, de instituições políticas, do aparato Judiciário. Quando? Pergunte-se aos astros.
E – depois da fogueira pulada nas eleições de 2022 – o momento atual é, sem dúvida, oportunidade de arranjo político amplo, para mudar o rumo. Para mim, a salvação da democracia – liderada por Lula (com preciosa ajuda de Simone Tebet e de nós todos que deram voto a Lula, inclusive os motivados pelo ‘contra-Bolsonaro’) e por Alexandre de Moraes – não justifica a "canonização" de um, nem do outro. Exercício crítico é algo obviamente necessário, inclusive no que respeita ao ‘xerife’ Moraes. E esbravejar, no palco errado, é traço persistente do Presidente Lula. E a direita, ganhando.

Se prudência e sagacidade prevalecessem, seria o caso de se iniciar a costura de quadros da centro-esquerda, do Centro Democrático, e da centro-direita, com bandeira política AMPLA, visando 2026. O PT precisa admitir que, sozinha, a esquerda não chega lá, e melhor seria se associar a esse amplo arco. Sem protagonismo petista. É exigir muito? Impossível? Sei lá. Um dos riscos que o Brasil corre é o de vir a ter um governo teocrático. Os sinais estão por aí.

Tarcisio Patricio, Doutor em Economia. Professor da UFPE, aposentado.

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