Numa simples tarde, desprevenidos, muitos cidadãos como eu devem ter ido ao cinema assistir ao filme Guerra Civil, já que está em primeiro lugar nas bilheterias dos cinemas brasileiros. Não é sempre que um ator brasileiro chega a protagonista em terras americanas e muitos de nós vamos ao cinema para prestigiar. Chegamos até a torcer porque sabemos como, no Brasil, é duro para aqueles que trilham o caminho da cultura. Mas, continuemos.
O filme começa e a expectativa é entender mais sobre guerras civis, é ver um Estados Unidos dividido pois, até então, pode até ser por ignorância ou leitura rápida, a única informação sobre o jornalismo que absorvi era que os personagens principais são jornalistas. Mas é muito mais que isso.
Guerra Civil mostra um jornalismo que se emociona, embrulha o estômago ao acompanhar algumas cenas, e emociona de novo ao ver o crescimento de profissionais iniciantes quando têm a sorte de acompanhar os veteranos de grandes redações. Palmas para a atuação brilhante da Kirsten Dunst, no papel de Lee. Talvez esse olhar seja peculiar de quem fez jornalismo e relembra as lições das antigas redações.
Deixando isso de lado e trazendo uma questão mais ampla e ligada à nossa democracia, Guerra Civil traz uma reflexão sobre a busca por informação. Em tempos de desinformação, você se emociona ao ver como os personagens ultrapassam limites de medo, de fome, de falta de condições para buscar a verdadeira notícia, a comprovação do fato, a foto que prova as palavras. A viagem de milhares de quilômetros, movida pela pura necessidade de questionar o poder, representado pelo presidente, ouvir o que ele tem a dizer. É usar a única arma possível: o questionamento, a crítica, a imortalidade das palavras de um presidente.
E assim segue o filme. Por essa entrevista, algumas vidas se foram. E será que vale a pena? Essa pergunta ficará na sua cabeça por algum tempo.
Saindo da ficção para a nossa realidade, já vivemos nossa “guerra civil de desinformação”, onde a falta da verdade pode afetar e destruir vidas, milhares de vidas todos os dias. Cada vez mais, as fotos que vemos são maquiadas e montadas numa realidade que pode trazer danos irreparáveis.
Se nessa atual guerra da “desinformação”, o jornalismo investigativo e responsável não for convocado para a linha de frente, principalmente, nas eleições municipais, teremos um risco elevado de um país devastado por escolhas apoiadas em informações manipuladas.
Nessa guerra, diferente da Guerra Civil onde o colete à prova de balas ajuda a proteger e o inimigo usa armas de fogo, as armas, de hoje, são dados, enviesados, palavras, contaminadas, frases construídas para criar bolhas e disseminar desinformação.
Numa guerra física, de certa forma, sabemos como e com quem lutar. Na nossa guerra virtual, da desinformação, estamos diante de algoritmos que poucos entendem, da aceleração exponencial da notícia falsa e, pior, com muitos agentes humanos que disseminam fake news sem nem saberem que estão fazendo parte das milícias de destruição da democracia.
A busca pela informação requer tempo, dedicação e determinação. Dá um trabalho danado. Escolher cada palavra que muita gente vai ler é de uma responsabilidade imensa, que foi banalizada, por desavisados ou inconsequentes, por tweets ou legendas de fotos em plataformas. Guerra Civil relembra que, até no limite da morte, é preciso ouvir o outro lado, mesmo que ele só tenha a dizer palavras inúteis. Regra básica do jornalismo.
Guerra Civil é também sobre isso. Verdade, informação, fotojornalismo, legendas… palavras. Afinal, são palavras que têm o poder de criar e derrubar pessoas e, consequentemente, democracias. Que, no mínimo, a gente reflita sobre isso.
Rosário Pompeia, sócia-fundadora da LeFil