OPINIÃO

O veneno novamente

Atentam contra a democracia ao disseminar falsidades e permitir de forma científica a manipulação da consciência do voto. A sociedade adoece....

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SÉRGIO GONDIM

Publicado em 19/07/2024 às 0:00 | Atualizado em 19/07/2024 às 12:04
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Aconteceu com o cigarro no passado. Parecia chique fumar e mesmo quando foi comprovada sua relação com o câncer de pulmão, laringe, boca, esôfago, rim, bexiga, enfisema pulmonar, bronquite crônica, doença aterosclerótica, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral e tantas outras doenças, a propaganda continuou por anos, promovendo o consumo e causando mortes. Só depois de muito tempo, a sociedade organizada exigiu que a população fosse informada sobre os danos, proibiu a publicidade e determinou que fotos de pacientes em fase avançada das doenças fossem divulgadas nas carteiras de cigarros, para uma reflexão antes de tragar. Finalmente foram proibidos o consumo em locais públicos fechados e a divulgação de mentiras associando o hábito de fumar à liberdade, boa saúde e glamour.

A lição não foi aprendida. Estamos diante de outro indutor de doenças em larga escala, principalmente em crianças e adolescentes, através do consumo viciante das redes sociais. Todo mundo sabe, mas assim como ocorreu com o tabagismo, as providências sugeridas para minimizar o mal não recebem a atenção devida, nem há reação proporcional da sociedade e muito menos dos provedores das redes que, assim como os fabricantes de cigarros, faturam às custas de danos à saúde dos consumidores. Pregam a liberdade de escolhas, de opinião e de uso, como fizeram com o cigarro. Não assumem responsabilidade, não alertam, não se mobilizam em ações palpáveis para evitar os problemas. Apenas lucram.

Argumentam que é território livre, que são apenas os meios, que nada postam, sem se importar se são veículos de promoção de ódio, mentiras, preconceito ou terrorismo. Não importa se causam dependência ou distúrbios de comportamento, se usam técnicas para facilitar a adição, contanto que impulsionem os acessos e o faturamento. A sociedade assiste passivamente, como se fosse aceitável estar em um quarto fechado com fumantes, esperando que o vendedor de cigarros tomasse uma providência ou fazendo de conta que uma multa de mil vai incomodar quem fatura bilhões.

A lista de problemas relacionados ao uso viciante das redes sociais também é extensa. Sentimento de inadequação, queda da auto estima, ansiedade, sensação de isolamento, agressividade, esgotamento, obsessão pelo corpo, perda do auto controle, distúrbios de sono, queda de desempenho escolar e profissional, distorção da realidade, comprometimento do pensamento crítico, da comunicação, do aprendizado e da memória, banalização da mentira, nomofobia (ansiedade/medo de ficar sem o celular), sedentarismo, dificuldade de estabelecer relações sociais e familiares no mundo real, compulsão, depressão digital, síndrome do toque fantasma (alucinação táctil ou auditiva em que o cérebro percebe uma vibração ou toque que não existe), embotamento dos sentimentos, alienação, dependência, ideação e prática suicida, são alguns publicados. A doença acomete a família inteira na medida em que os pais, mesmo quando reclamam, permanecem conectados às redes sociais até durante as refeições.

Como se fosse pouco, em paralelo atentam contra a democracia ao disseminar falsidades e permitir de forma científica a manipulação da consciência do voto.

A sociedade adoece tragando o veneno das redes sociais.

Sérgio Gondim, médico

 

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