Observar um casal que atravessou várias décadas em matrimônio tende a despertar, no observador, dois sentimentos: o primeiro deles é a admiração, aplicada aos casos em que o par em questão ainda expressa os signos de amor, amparo e devoção. O caminhar de mãos dadas, a necessidade da presença do outro, o olhar de admiração. Sabemos, todos, como é árdua a jornada dos que se propõem a caminhar juntos ao longo da quase a totalidade de suas vidas. A percepção secundária, dirigida àqueles que mal parecem se suportar, é a do conformismo: se não se separaram até agora, não o farão mais. Uma previsão que começa a ruir com o aumento dos “divórcios grisalhos”. A designação “entre aspas” é voltada à população 50+ que, ao fim de três ou mais décadas de união, havendo chegado a um ponto sem retorno, decidiu dar entrada nos papéis para encerrar legalmente o casamento.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 30% dos divórcios, atualmente, acontecem a partir dessa faixa etária. Para fins de comparação, em 2010 o índice era de menos de 10%. O ponto crucial que permeia a matéria parece estar menos relacionado às causas que levam ao divórcio tardio e mais sobre o porquê de, só mais recentemente, esse contingente ter escolhido o caminho do término em vez da acomodação. Na lida diária de um escritório de advocacia, profissionais do Direito de Família estão habituados ao rol de queixas apresentadas, tanto por homens quanto por mulheres, como justificativa para se dispor a atravessar os meandros que envolvem o divórcio. Infidelidade, abusos em suas mais variadas formas, incompatibilidades de planos futuros ou, entre personalidades, abandono afetivo, desinteresse sexual e falta de comunicação são tópicos comuns aos casais que não veem mais propósito em continuar unidos. O que parece ter alterado o cenário, culminando no fenômeno que foi nomeado levando-se em consideração a maturidade dos cabelos embranquecidos, pode ser resumido numa expressão: “fé no futuro”.
As mudanças ensejadas pelo estado civil “divorciada” ou “divorciado”, quando colocadas na balança, costumavam pender mais para o lado negativo, ignorando-se que o patrimônio mais valioso que alguém pode acumular ao longo da vida não é mensurado em moeda corrente ou em aparências. O bem-estar, o bem-viver, é o verdadeiro propulsor de conforto material e imaterial. Evitar o divórcio por medo de enfrentar suas consequências legais e sociais, no que diz respeito à partilha de bens ou à pensão alimentícia, para citar apenas dois aspectos, não deveria ser motivo para se renunciar a esse tesouro maior.
Aparentemente, homens e mulheres que ultrapassaram os desafios conjugais dos primeiros anos – com os filhos e netos já independentes e o patrimônio consolidado – despertaram para uma verdade que sempre existiu, mas permanecia oculta nas dobras das convenções sociais: a felicidade é um objetivo em si, que não perde sua relevância na contabilização dos anos que nos restam. A longevidade, conquistada com o avanço das ciências, nunca nos pareceu tão possível, alterando a percepção infundada de que, ao cruzar a fronteira dos 50, 60, 70 ou 80 anos, já teríamos desperdiçado, irremediavelmente, o direito à plenitude. Arrastar uma convivência inviável é garantia de desgostos, não apenas para nós mesmos, mas para quem nos cerca.
Seria inconsequente afirmar que uma separação, depois de tanto tempo de convivência e com os costumes já enraizados, possa chegar com facilidade ou sem dor ao seu término. Ao contrário, a decisão pelo divórcio, quando tomada no outono da existência, vem acompanhada pela insegurança e, geralmente, é recebida com assombro, ou susto, pela parte que não teve a coragem de dar o passo definitivo. Também não cabe aqui a ingenuidade de acreditar que os papéis, numa sociedade hierarquizada por gênero, classe e raça, sejam equânimes. Embora o empoderamento e independência financeira das mulheres sejam um percurso sem volta, aquelas que permaneceram fora do mercado profissional para se dedicar à família não terão chances reais de recolocação com salário compatível ao estilo de vida até então usufruído.
Certamente que não. Uma pensão alimentícia, cujo valor arbitrado não vai além dos 30% da renda comprovada do marido, suprirá essas necessidades? Novamente, a resposta é negativa. Entretanto, a despeito das atribulações que possam advir da decisão, mulheres e homens de cabelos grisalhos estão batendo à porta de seus representantes legais, determinados a conciliar o ímpeto por uma vida mais prazerosa a uma justiça pecuniária. Afinal, seria ingrato ignorar os bons frutos gerados com aqueles com quem percorremos a estrada, ainda, que em determinado momento e até a certo ponto. Ou, como diz a letra da canção dos Titãs (Enquanto Houver Sol):
Quando não houver saída
Quando não houver mais solução
Ainda há de haver saída
Nenhuma ideia vale uma vida
Com a mediação de um bom advogado familiarista, acordos podem ser desenhados, lacunas podem ser sanadas, e a fugidia felicidade pode estar esperando logo ali na esquina. Sempre há tempo.
Quando não houver caminho
Mesmo sem amor, sem direção
A sós ninguém está sozinho
É caminhando que se faz o caminho
Gisele Martorelli, advogada