Gustavo Henrique de Brito Alves Freire: a OAB de Marcello Lavenère

Em tempos de negacionismo, inclusive, jurídico, as homenagens a uma figura da dimensão do Presidente Lavenère transpõem as efemérides

Publicado em 16/01/2025 às 0:00 | Atualizado em 16/01/2025 às 9:07
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O pensamento jurídico brasileiro perdeu, no último dia 12/1, um dos seus mais pujantes faróis, que se apagou apenas no plano físico, nunca no legado deixado: Marcello Lavenère, alagoano de Maceió, membro honorário vitalício da OAB Nacional e seu Presidente maior entre os anos de 1991 a 1993.

Um desses personagens consequenciais, superlativos, cuja biografia deveria ser de leitura obrigatória desde as escolas.

Em tempos de negacionismo, inclusive, jurídico, as homenagens a uma figura da dimensão do Presidente Lavenère transpõem as efemérides tradicionais e os decretos de luto oficial, merecendo projetarem-se para além dos temas jurídicos, adentrando a verdadeira definição de cidadania.

Democracia, cerne da cidadania, palavra na boca de alguns hipocritamente exortada, quando não louvada, foi, sem dúvidas, o nome-síntese do doutor Lavenère, sobretudo nas pautas de direitos humanos.

A defesa desse mínimo existencial, longe do qual nada brota que preste, teve nele uma de suas vozes mais audíveis. Democracia que não se limita ao processo eleitoral, chegando, inclusive, a ter data magna, o 25 de outubro.

O batonier Lavenère sabia que não se fala em democracia para, em maior análise, aniquilá-la, nem se lança mão da liberdade de expressão com o objetivo, ao final, de garroteá-la.

Como disse Lincoln, "a Constituição não é um pacto suicida". Sabia ainda mais que isso o doutor Lavenère: que Ética é coisa séria, permanente, quer na vida pública, seja na esfera pessoal das relações, e que não é dado a alguém fazer a outrem aquilo que não gostaria que fosse feito contra si.

Não sem explicação, vem sendo realimentada, sobretudo nos últimos anos, a ideia de "democracia militante", inescapável como bem a situou o professor Oscar Vilhena, em quadra de frequentes ameaças de erosão da civilidade, contra movimentos extremistas, com pesado componente emocional, assim como uma convocação à construção de instrumentos institucionais capazes de proteger a sociedade livre dos que abusam das franquias democráticas e dos direitos fundamentais com o ânimo de subjugar esse mínimo existencial.

A expressão "democracia militante", que Marcello Lavenère tão sublimemente personificou entre nós, nasceu das reflexões do jurista e cientista político alemão Karl Loewenstein, nos idos de 1935. Foi mais tarde aprofundada em textos publicados na "The American Political Science Review" no ano de 1937.

De origem judaica, Karl Loewenstein foi obrigado a abandonar sua terra natal após a ascensão de Hitler ao poder em 1933 e se refugiou nos EUA. Era especialmente crítico a Hans Kelsen, segundo quem a democracia deveria ser "neutra" relativamente aos resultados do processo democrático.

Assim como se opunha visceralmente aos denominados "liberais fundamentalistas", que acreditavam que restrições às liberdades democráticas, ainda que em nome da defesa da democracia, eram restrições inadmissíveis, mesmo quando aplicadas a quem lançasse mão de tais liberdades de forma abusiva.

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No já aludido escrito do professor Vilhena, é por ele igualmente referido o dado revelador de que até autores não liberais como Carl Schmitt, passaram em dado momento a propor que a Constituição de um País deve se defender dos seus inimigos, restringindo a possibilidade de emendas e banindo agremiações partidárias desleais à democracia parlamentar.

Assim, quando o chamado "diálogo racional" não mais se revele eficaz e as instituições ordinárias de defesa da democracia, como os tribunais e os parlamentos, estejam elas próprias ameaçadas, o emocionalismo antidemocrático jamais deveria ganhar terreno.

Para Kelsen, restaria a mera resignação. Nada se poderia fazer quando a maioria decidisse pelo fim do regime democrático. Para Lowenstein, quando a vida da democracia estiver correndo risco, esta deve se autodefender com todo vigor. Escolho o time Lowenstein.

E ao fazê-lo me permito, ao lembrar da trajetória luminosa do Presidente Marcello Lavenère, não apenas por haver ele liderado o movimento civil pelo impeachment de Collor, dedicar-lhe, in memoriam, a frase de Albert Schweitzer: "Dar o exemplo não é a melhor forma de influenciar os outros. É a única". Obrigado, Presidente.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

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