Jorge Jatobá: inflação dos alimentos, causas e falácias

A inflação de 2024 (4,83%) rompeu o teto da meta. O Banco Central já se justificou, como é de praxe, ao Ministério da Fazenda das razões do ocorrido

Publicado em 28/01/2025 às 0:00 | Atualizado em 31/01/2025 às 8:12
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A elevada inflação tem múltiplas causas, mas um vilão foi logo identificado: a subida dos preços dos alimentos (7,69%) dentro de casa.

Em ano pré-eleitoral ocorrências deste tipo acirram os ânimos da oposição e leva o governo preventivamente, e às vezes de forma desastrosa, a tomar iniciativas ou a fazer declarações desprovidas de conteúdo econômico, mas eivadas de objetivos políticos.

Dado o passado brasileiro nessa matéria, a fala não pode ser de amadores. Conceitos enunciados de forma equivocada ou palavras contaminadas por traumas econômicos da nossa história têm que ser evitados.

Uma delas é a palavra intervenção que nos leva aos anos iniciais da Nova República quando preços foram desastradamente congelados e cada cidadão transformado em vigilante dos preços.

É necessário entender as causas da inflação dos alimentos para depois, se for o caso, pensar em medidas que possam conter sua elevação.

O papel da demanda no aumento dos preços

Uma das causas da inflação dos alimentos, pelo lado da demanda, é meritória. O mercado de trabalho está aquecido com uma declinante e baixa taxa de desemprego (6,1% em novembro de 2024), e com a massa salarial crescendo 7,8% acima da inflação.

Além da renda do trabalho, elevaram-se, em 2024, as transferências monetárias para pessoas e famílias (Previdência, Bolsa-Família, BPC).

Isso significa que o consumo das famílias está crescendo em termos reais (5,5% no 3º trimestre de 2024 ante o mesmo período em 2023).

As despesas com alimentos e bebidas são as que têm maior peso no orçamento doméstico (21,5%) e são muito sensíveis às variações de renda.

Isso significa que quando a renda das famílias cresce, a demanda por alimentos tende a se expandir substancialmente.

A solução para este aparente problema está no mercado: uma recessão que ao trazer desemprego e perda de renda reduz a demanda por bens e serviços, inclusive produtos alimentares, reduzindo seus preços.

Todavia governo nenhum vai induzir uma recessão. O mercado tem seus próprios mecanismos de ajuste. Observe que a economia brasileira já vem apresentando sinais de enfraquecimento no final de 2024 e início de 2025.

Pelo lado da oferta temos como importantes fatores:

  • Extremos climáticos;
  • Inundações;
  • Incêndios e secas.

Esses comprometeram a plantação e colheita de centenas de produtos agrícolas que fazem parte do cotidiano alimentar das famílias brasileiras, como a cenoura, por exemplo.

Isso se chama choque de oferta conduzindo à elevação dos preços, pela crescente escassez desses produtos.

Não há como controlar esses fenômenos da natureza, apenas mitigá-los por meio de medidas em escala nacional e global e de longo prazo.

Câmbio

Muitos dos produtos alimentares são commodities cotados em dólar e com preços em elevação pela crescente demanda internacional.

Comodities que o Brasil produz e exporta como:

  • Carnes bovinas, suínas e de frango;
  • Café,
  • Açúcar,
  • Soja;
  • Milho.

Entre outros, têm seus preços determinados pelo confronto entre oferta e demanda nos mercados mundiais.

Por outro lado, produtos básicos, como trigo, que nós importamos são cotados em dólar. Isso significa que variações nessa moeda têm impacto sobre os preços absolutos e relativos desses produtos alimentares em reais.

O real desvalorizou mais de 30% em 2024, tornando esses produtos mais caros nas mesas dos brasileiros.

A desvalorização do real tem causas endógenas vinculadas aos déficits fiscais sobre as quais o Governo Lula tem evidenciado dificuldades crescentes para estabilizar e causas exógenas sobre as quais não temos nenhum controle tais como os efeitos das medidas protecionistas anunciadas por Trump no contexto do comércio internacional.

O que pode ser feito para conter a inflação dos alimentos?

Criação de estoques reguladores ajudaria, mas são difíceis de implementar em países exportadores de comodities como o Brasil.

Reduzir tarifas de importação sobre alimentos pode fazer com que os preços de alguns produtos caiam, mas tem um custo fiscal em país ainda muito longe do equilibrar suas contas públicas.

Outras medidas tais como eliminar a intermediação dos vale-alimentação são pontuais e paliativas.

O que não se pode fazer é congelar preços, intervindo artificialmente no funcionamento do mercado que tem seus mecanismos de defesa para escapar de medidas dessa natureza.

Os resultados, a História nos ensina, são implacavelmente muito ruins.

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Qual é a solução então?

Alinhar a política monetária com a fiscal, diminuir os gastos, e controlar, quando possível, os determinantes domésticos que levam à desvalorização cambial, são medidas macroeconômicas que ajudariam a conter inflação, em geral, e a reduzir os desajustes entre a oferta e a demanda por produtos alimentares.

Jorge Jatobá, doutor em Economia, professor titular da UFPE, ex-secretário da Fazenda de Pernambuco, presidente do Conselho de Honra do LIDE-PE e sócio da CEPLAN-Consultoria Econômica e Planejamento.

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