Gustavo Henrique de Brito Alves Freire: A revolução da IA e a atividade jurídica
Em uma sociedade em que a informação circula instantaneamente para todos, chega a ser risível tratar com reserva a IA ou lhe dirigir olhar atravessado

Não se põe de pé hoje qualquer argumento defensável para a suspeita ou o estranhamento ou o medo, nem para brechas especulativas que suportem campanhas de desinformação, diante da premissa de que a tecnologia é algo positivo para a atividade jurídica, do que serve de maior exemplo a necessidade de eliminação da rotina das tarefas repetitivas no Judiciário. Shakespeare com razão já dizia: “As oportunidades nunca são perdidas. Alguém as aproveitará”.
Por isso afirma Eduardo Koetz (Migalhas, 10/3/2025), a quem subscrevo, que a “inovação só faz sentido quando vem acompanhada de responsabilidade”. E continua, na perspectiva das carreiras jurídicas, em especial a advocacia: “Escritórios e profissionais que souberem integrar a tecnologia sem abrir mão da honestidade e da segurança não estarão apenas se modernizando, mas também construindo um Direito mais acessível, justo e funcional”.
Nesse panorama, diagnósticos sombrios, até mesmo alguns dos quais impregnados de agudo fetichismo contra a IA, a prenunciarem que ela um dia tomará o lugar do ser humano, representando um terrível risco à sobrevivência coletiva, não podem monopolizar a discussão. É preciso suplantá-los. Devolver lucidez à realidade.
Análises como a do historiador israelense Yuval Noah Harari (autor do livro “Sapiens”), em artigo para o jornal NYT intitulado “Será a IA o começo do nosso fim?” não devem frutificar. Exatamente porque carregam consigo percepções contraproducentes, delirantes, de um apocalipse que não corresponde à verdade.
Acredito, tomando, inclusive, como fontes as aulas do Defensor Público pernambucano João Duque sobre a ferramenta ChatGPT, que este tipo de recurso generativo pode, sim, não estar sempre certo nas respostas, mas que o robô não opera ansioso por dominar o homem, mas para o auxiliar, o que implica que julgamentos não sejam impenetráveis ao tirocínio crítico dos profissionais que para tanto se qualificaram em nível multidisciplinar, o que não é da gênese dos algoritmos.
IA
Como qualquer solução do tipo, a inteligência artificial tende a ser a expressão do uso que se dá a ela. Em uma sociedade em que a informação circula instantaneamente para todos, chega a ser risível tratar com reservas a IA ou lhe dirigir olhares atravessados, recusando-se a aprofundar o debate que, por meio dela, enquanto criação, se está a propor. É chegada a hora de exorcizar estereótipos e lendas urbanas.
Nossos Tribunais vêm investindo fortemente em ferramentas tecnológicas para otimização das suas atividades. O STJ, por exemplo, tem o Projeto Logos. São ações que abraçam um futuro que já chegou. O que não significa entregar as chaves dos processos judiciais aos robôs.
Tenhamos em mira que o Direito não é uma ciência exata, assim como que a automação não é alucinação; não dá para sobrevalorizar as respostas da máquina.
Da medicina à agricultura à indústria automobilística, a IA já saiu da prancheta do projetista faz tempo. Traduz-se em uma estrada pronta de mão única. Não adianta reagir como se se estivesse diante de doença contagiosa ou de um adversário invencível. Colocou bem Sundar Picha: “A IA é uma ferramenta, não um destino”.
Portanto, a sentença elaborada por IA jamais terá a capacidade de refletir o raciocínio humano, pois ao robô não guarnecem a empatia e a sensibilidade. Lado outro, é igualmente imperioso perseguir o equilíbrio entre inovação e preservação de princípios fundamentais, cautela e auditabilidade.
O CNJ vai nessa linha, como indica a sua Resolução 332/2020, em vias de ser revisada. A comunidade jurídica precisa vacinar-se contra as jurisprudências e doutrinas inventadas, o que a IA vem trazendo não raro, mas também precisa refutar os discursos e narrativas de vilanização dessa tecnologia, ainda que vestindo luvas de pelica, na lógica de que melhor prevenir do que remediar.
O “trote” radiofônico noticiado por Orson Welles, a alardear a suposta invasão alienígena da Terra, remonta a 1938. Estamos em 2025, ora! Não há desculpa para se cair em fake news. Sigamos avante com espírito de descoberta ou estagnemos no tempo, consumidos pela teimosia, seguida do remorso. Escolho a primeira porta. E você?