Se o ataque dos terroristas a Israel pode ser visto, cada vez mais, com sua escancarada crueldade, em demonstrações inequívocas de barbarismo, o prolongamento do conflito na Faixa de Gaza restaura um dos paradoxos clássicos de qualquer guerra: a necessidade de momentos de salvaguarda para socorro às vítimas que se avolumam sobre escombros. A medida é paradoxal porque a destruição do outro faz parte da lógica belicista, tanto quanto do fanatismo dos radicais travestidos de exército da salvação. Mas vai se tornando mais e mais necessária, enquanto os dias avançam e a troca de mísseis e foguetes mortíferos não dá sinais de cessar.
O direito de defesa dos israelenses não está em questão, quando se cogita algum tipo de concessão para a proteção da população palestina – mesmo que o Hamas não tenha essa preocupação, como grupo baseado no terror, em controle de 2 milhões de habitantes em Gaza. O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, não é a favor dos terroristas, ao criticar o cerco ampliado de Gaza, na verdade, um cerco que já existia, pois nada entra nem sai do território palestino sem a permissão de Israel. Com os inomináveis e inéditos ataques desde sábado contra os israelenses, a resposta encontrada para sufocar o Hamas, num primeiro momento, é cortar o suprimento de energia, água e comida para 2 milhões de pessoas.
O líder da ONU expressa uma posição institucional em defesa da possibilidade da vida, e não, em favor de sua peremptória negação. Para Guterres – e para a avassaladora maioria do mundo – o Hamas realizou “ataques abomináveis” dignos de condenação. “Nada pode justificar esses atos de terror e a morte, mutilação e sequestro de civis”, afirmou. Dito isso, lembrou ao governo israelense que os ataques à Gaza continuam tendo que ser feitos em consonância com o direito humanitário internacional, para o qual equipamentos como escolas e hospitais devem ser preservados, e não, se tornar alvos. O mesmo alerta, contudo, vem sendo dado pela ONU desde o início do cerco à Faixa de Gaza, há mais de 15 anos.
O apelo de Antonio Guterres vale para todas as nações e povos, buscando retirar o peso do paradoxo e olhar para um tempo além da espessa fumaça da guerra: “Especialmente nos momentos mais difíceis, é vital olhar para o horizonte de longo prazo e evitar ações irreversíveis que encorajariam os extremistas e arruinariam qualquer perspectiva de paz”. O acesso para equipes de socorro médico, de comida e água aos palestinos pode ser um gesto importante dos israelenses na direção contrária à intenção dos terroristas, que é exatamente incendiar os olhares dos dois lados da fronteira. É possível viver em paradoxo, para não deixarmos a morte tomar conta da vida.