Até que o cotidiano se pareça com que era antes do temporal e das cheias, o povo do Rio Grande do Sul ainda precisa se acostumar com os rastros de destruição, sofrimento e lixo de uma tragédia ambiental e urbana que completou apenas um mês. As águas baixaram e os estragos estão mais à mostra, com as pessoas retornando, ou tentando retornar a suas casas e às vias públicas que haviam se transformado em braços de rio. Em lugar da água barrenta, a lama, os resíduos por toda parte e a ameaça de doenças estampam os olhares dos moradores, ou de quem trabalha, profissional ou voluntariamente, para recuperar a ordem perdida. Mas assim como na pandemia de Covid, quatro anos atrás, a realidade brutalmente alterada cobra de quem se encontra nela uma alta capacidade de processamento dos fatos e das emoções, exigindo a adaptabilidade que se chama de resiliência.
O estado de calamidade pública foi decretado pela Prefeitura de Porto Alegre no dia 2 de maio, após chuvas intensas e a constatação de deslizamentos e alagamentos na capital, depois de temporais também no interior do estado. As críticas aos gestores públicos, nesses casos, costumam se relacionar à demora para a identificação dos problemas, bem como para a resposta urgente requerida pelas comunidades atingidas. No Rio Grande do Sul, a dimensão do desastre – ambiental e urbano, já que a cidade não se mostrou preparada para a elevação das águas – faz com que a responsabilidade dos gestores seja amenizada, como se pouco pudesse ter sido feito para impedir o que aconteceu. No entanto, como na maioria das cidades brasileiras, a prevenção às mudanças climáticas, sobretudo aos temporais, é muito baixa diante do risco enfrentado pelas populações. E nesse ponto, a responsabilidade pública aumenta, das prefeituras ao governo federal, passando pelos estaduais.
No horizonte de incertezas que se descortina, o Rio Grande do Sul e o restante do país devem prestar atenção em duas questões paralelas. A prevenção começa pelo fortalecimento das equipes da Defesa Civil – com a necessidade de mais recursos, capacitação, tecnologia e comunicação. Isso vale para o Brasil inteiro, especialmente em locais de risco alto, como já sabidos em Pernambuco, por exemplo. Na outra ponta, a reconstrução do que se perdeu pede a reformulação da disposição de ocupação nas cidades cortadas por cursos d’água. Transferir apoio financeiro aos cidadãos atingidos é o mínimo que os governos podem fazer, mas é importante cobrar o máximo que os gestores devem à coletividade, a partir das responsabilidades que lhes cabem.
Quando quase 500 municípios e mais de 2 milhões de habitantes de um único estado são afetados por um evento climático como o que ocorreu no Rio Grande do Sul, é hora de perceber que a emergência ambiental chegou para ficar. Para que a resiliência das pessoas não seja testada a cada ano, ou a cada chuvarada, as providências do poder público hão de ser céleres, objetivas e sensatas, sem dar continuidade ao mais do mesmo que nada resolve, e só adensa a nuvem da incerteza.