A ascensão da extrema direita em várias partes do mundo vem reacendendo alertas sobre a permanência e a qualidade do processo democrático, associado a um grau de normalidade política esperada para o respeito a direitos básicos – individuais e coletivos. Mas o alarme da preocupação com a democracia não vale apenas para Bolsonaro, Milei, Trump ou Le Pen. Deveria ser lembrado, com a mesma ênfase, nos casos em que ditadores cultuados ou vistos com excessiva tolerância pela esquerda não apenas chegam ao poder, como se assentam nos governos durante décadas, pela fraude e pela força, enquanto suas populações, reprimidas, ou enfrentam a miséria – como em Cuba e na Venezuela – ou não têm chance de usufruir plenamente da liberdade – como na China e na Rússia.
Cinco ex-presidentes da América Latina voltaram a bater nessa tecla de alarme seletivo, em encontro no Rio de Janeiro. Felipe Calderon, do México, Alberto Fernandez, da Argentina, Juan Manuel Santos, da Colômbia, Jorge Quiroga, da Bolívia, e Laura Chinchilla, a única mulher do grupo, da Costa Rica, fizeram o coro de uma reação prudente, necessária, aos extremos que se aproximam ou ocupam o poder. Faltaram apenas mencionar que os extremos residem nas duas pontas do tradicional espectro ideológico que se define por mais ou menos Estado na vida das pessoas, numa versão cada vez mais simplista da realidade, como o mercado global aponta, ou apontava, em tranquila aceitação da China e da Rússia, até a invasão da Ucrânia pelos russos, ou a invasão dos carros elétricos chineses em diversos países.
Em face da eleição de Javier Milei, por exemplo, Alberto Fernandez identifica uma crise democrática, gerada pelo desnível entre as demandas sociais e a capacidade política de atendê-las, induzindo a maioria dos eleitores a seguirem opções antidemocráticas. O diagnóstico é parcial, na medida em que não toca em pelo menos dois pontos. O primeiro é que a incapacidade política de dar conta dos anseios coletivos vem, dentre outras coisas, do descompromisso dos governos em cumprir com suas responsabilidades. Na Argentina, no Brasil ou na Europa, muitos políticos estão mais interessados na próxima eleição, do que no dia a dia dos problemas da população. Falta transparência e sobra desinteresse, abrindo espaço para o populismo que encanta as massas com fake news, discursos fáceis e soluções impossíveis, sempre adiadas.
O populismo que ameaça as democracias – ou as invade – mora nos dois extremos da ideologia que tem na presença do Estado um motivo salvacionista ou demonizado. É oportuno que ex-presidentes se mostrem atentos ao panorama político na América Latina. No entanto, a perspectiva deve ser aprofundada, e reconhecer em todo o espectro e, também, nos países dominados há muito tempo pelo mesmo partido ou líder carismático, os sintomas do totalitarismo que assusta, de fato, pela aderência firmada no discurso político que, relativizando a democracia, relativiza e ignora os excessos e a violência de qualquer autoritarismo.