No primeiro dia de lockdown, periferias permanecem cheias e sem fiscalização

O primeiro dia do isolamento social mais rígido foi marcado por contrastes. Áreas periféricas da Região Metropolitana continuaram com muito movimento, enquanto que nos bairros de classe média e principais corredores viários do Recife o respeito foi maior
Roberta Soares
Roberta Soares
Publicado em 16/05/2020 às 11:19
Movimentação foi intensa no centro comercial de Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes, no primeiro dia de lockdown Foto: FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM


O primeiro dia do isolamento social mais rígido no Recife e em quatro cidades da Região Metropolitana para reduzir o contágio e as mortes por covid-19 foi de contrastes. Nos bairros de classe média e principais corredores viários da capital, maior presença do poder público e mais respeito da sociedade. Na periferia, o oposto. Muito comércio aberto e entreaberto, e ainda muita gente circulando. De uma forma geral, entretanto, a circulação de pessoas e veículos era visivelmente menor e a grande maioria da população estava utilizando máscaras. O primeiro dia de lockdown na RMR também contou com a ajuda da chuva que predominou durante quase todo o sábado.

A reportagem do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (SJCC) circulou pelas cinco cidades e identificou que muitas das medidas que o poder público tem anunciado em lives, publicidade e pela imprensa, não estão acontecendo na prática. Enquanto o Recife teve vários bloqueios para verificação do cumprimento do rodízio de veículos em diversas avenidas e corredores estruturadores da cidade - a promessa eram 16 pontos -, a quantidade de pontos era bem menor nas outras cidades. A equipe do JC não identificou bloqueios sequer nas principais vias de Olinda e Camaragibe, por exemplo. Nesta última cidade, nem mesmo a principal via do município - a Avenida Belmino Correia - teve blitzes. Em São Lourenço da Mata, o JC encontrou um bloqueio na PE-05, realizado pelo BPRv e a equipe de trânsito municipal. Enquanto isso, as áreas comerciais e centrais das duas cidades registravam um razoável movimento de pessoas.

KLÉBER MELO - ARTE JC

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Muitas lojas em Prazeres e Camaragibe, por exemplo, funcionaram no primeiro dia do lockdown

RECIFE SE DESTACOU
A capital pernambucana, por outro lado, mereceu destaque. A estratégia da Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) funcionou. Foi montada uma espécie de malha de bloqueios que se conectavam por áreas. Ou seja, quando um motorista que estava tentando circular indevidamente burlava o primeiro bloqueio e a primeira orientação para retornar para casa - seja porque a numeração da placa não era autorizada ou não tinha declaração de serviço essencial -, ele corria o risco de ser pego numa segunda blitz.

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM - Bloqueio na avenida Antônio de Goes, no Pina, Zona Sul do Recife. Recife se destacou na execução de bloqueios para fiscalizar o rodízio de veículos

“De fato, montamos essa estratégia para conscientizar os condutores de que, se a placa dele não está autorizada a circular naquele dia ou ele não faz parte dos grupos que podem estar na rua, deve ir para casa. Estamos abordando, principalmente, os veículos que têm a numeração de placa indevida à circulação daquele dia. Ou seja, neste sábado, dia par, priorizamos os veículos de placa ímpar. Mas paramos também os autorizados para checar se estão com a declaração de circulação”, explicou o gerente de Trânsito da CTTU, Fabiano Ferraz. O Recife chegou a ter vias com redução de tráfego de veículos de 72% - como foi o caso da Avenida Domingos Ferreira -, mas na última semana esse percentual caiu para 50%. “Queremos resgatar nesses 15 dias esse percentual de tráfego”, destacou.

 

Kleber Melo - Como será a fiscalização do uso das máscaras

MOVIMENTO NA PERIFERIA
O cenário de respeito mudou completamente quando a reportagem circulou pelos bairros mais afastados dos grandes corredores viários. Em Prazeres, principal polo comercial de Jaboatão dos Guararapes, o movimento lembrava, em muito, a circulação típica dos sábados de feira. Lojas entreabertas, comerciantes informais nas calçadas, muita gente e veículos circulando. Quem é acostumado com a área garantiu que era bem menor do que nos dias comuns, mas mesmo assim a circulação impressionava.

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Boa parte do comércio <aspas>disfarçou<aspas> o funcionamento na periferia com lojas semi-abertas. População alegou que precisa ganhar algum dinheiro

“Tive que abrir a minha loja. Não tem jeito. Preciso ganhar algum dinheiro para conseguir pagar as contas e sustentar minha família. São mais de R$ 3 mil de aluguel em duas lojas de roupas. Concordo com a medida do governo, mas não tenho opção. Mas estou fazendo tudo com muito cuidado, controlando a entrada das pessoas, utilizando máscara e oferecendo gel para os clientes”, afirmou a comerciante Fátima Maria, proprietária de uma loja de roupas em Prazeres.

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Movimentação foi intensa no centro comercial de Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes, no primeiro dia de lockdown

APELO À POPULAÇÃO
Responsável pela coordenação da chamada Operação Quarentena, o secretário de Defesa Social de Pernambuco, Antônio de Pádua, apelou, mais uma vez, ao bom senso e à humanidade da população. Lembrou que, por maior que seja, a força policial nunca dará conta da fiscalização total das cidades. Só a conscientização da sociedade é capaz disso. “É uma operação muito complexa, que estamos planejando há mais de uma semana, e que tem inúmeros desafios. É uma operação de fiscalização, de sanitização e de conscientização. A fiscalização é um dos pilares da Operação Quarentena, mas ela representa apenas 10% da força empregada. O resto, 90%, é conscientização. Por isso, sem a ajuda da população não conseguiremos reduzir os contágios e as mortes pela covid-19”, apelou.

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM - Bloqueio na avenida Antônio de Goes, no Pina, Zona Sul do Recife

Pádua ainda se dirigiu diretamente às pessoas que estão insistindo em circular nas ruas, mesmo tendo necessidade de abrir comércios. “Lembrem-se que Pernambuco já tem 1.400 pessoas mortas pelo coronavírus e que somente em um dia (de sexta para sábado) tivemos 600 novos casos de contaminação. O momento é de renúncia e de fazermos um esforço coletivo por todos”, pediu.

"Trabalho todo dia nesse ponto, das 7h30 às 14h, e vivo disso aqui. Precisei sair de casa para ganhar algum dinheiro. Por isso resolvi arriscar para vender algum lanche”, " - afirmou o vendedor de lanches Joacy Trajano, em Jaboatão dos Guararapes

 

 

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Joacy Trajano - comerciante informal em Prazeres

MAIS REFORÇO E AVALIAÇÃO
De forma geral e apesar dos vácuos nos bairros mais afastados dos corredores viários principais, Pádua avaliou que o primeiro dia de lockdown foi de mais respeito do que de desrespeito por parte da população. E garantiu que a partir de segunda-feira (18/5) - primeiro dia útil após as regras mais rígidas do isolamento social - a operação será reforçada e ampliada. “Vamos estar com mais policiais e agentes públicos nas ruas. Um exemplo será a fiscalização sobre o transporte público. Estaremos com efetivo nos maiores terminais integrados de ônibus e metrô para controlar a circulação de passageiros e o uso de máscaras. Também estaremos reforçando os bloqueios limítrofes dos municípios para evitar que o morador de uma cidade vá circular na outra”, afirmou o secretário de Defesa Social.

"Está sendo muito difícil andar de transporte público. O intervalo entre os ônibus aumentou demais e, pelo menos até agora, ninguém me abordou para pedir nada. Infelizmente, quem paga por isso é a população”, " - disse a promotora de vendas Luciana Maria, no Terminal Integrado Tancredo Neves, na Imbiribeira

 

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Luciana Maria - passageira do Terminal Integrado Tancredo Neves

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Intervalos longos e pouca fiscalização marcaram a operação do transporte público no primeiro dia de regras mais rígidas
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