Em Tamandaré, Litoral Sul de Pernambuco, a 104 quilômetros de distância do Recife, o clima é de revolta e denúncia. Isso porque o prefeito Sérgio Hacker (PSB), esposo de Sari Corte Real, que vai responder por homicídio culposo após o menino Miguel, de 5 anos, cair do 9º andar do prédio que ela reside, no Centro do Recife, na última terça-feira (2), está sendo acusado de irregularidades na gestão. O vice-prefeito de Tamandaré, Raimundo Nonato (PTB), informou nesta sexta-feira (5) que protocolou um pedido de investigação contra Sérgio Hacker ao Ministério Público de Pernambuco, entre outras entidades, pela existência de três funcionárias da família que constavam como servidoras públicas da Prefeitura de Tamandaré, entre elas, a mãe de Miguel, Mirtes Renata Santana de Souza, e avó de miguel, Marta Maria Santana Alves.
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Como mostrado pelo Jornal do Commercio, o cadastro da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) contém a lista de todos os servidores que têm direito a abono salarial e relaciona o nome do funcionário ao órgão empregador, com o CNPJ da pessoa jurídica. Pelas informações contidas no cadastro, a última atualização foi feita no dia 15 de abril deste ano. O nome da Prefeitura Municipal de Tamandaré consta na razão social como empregadora de Mirtes Renata. Mirtes também aparece no Portal da Transparência da Prefeitura de Tamandaré, ocupando o cargo de Gerente de Divisão CC-6, cargo comissionado, lotada no Departamento de Manutenção das Atividades de Administração.
O vice-prefeito afirma que já desconfiava da situação, por “ser uma prática antiga da família”, em entrevista concedida à TV Jornal. “Após o acontecimento na residência do prefeito de Tamandaré, nós comprovamos pelo nome da empregada doméstica do casal, juntamente pelo Portal da Transparência, que ela fazia parte do quadro da Prefeitura. E, para nossa surpresa, a mãe da funcionária, que também trabalhava para a família, também estava constando como funcionária, além de outra funcionária da casa de praia de Sérgio Hacker”, explicou o vice-prefeito. São três funcionárias que trabalham na casa do gestor e que estão lotadas na Prefeitura, além da mãe e avó de Miguel, está Luciene Raimundo Neves.
Raimundo explica que já protocolou a denúncia para o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), para o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) e para o Fórum local de mode que “tomem as devidas providências”. Ele afirma que tinha conhecimento, mas não tinha certeza até os nomes serem divulgados. Sobre ter tomado ações para impedir essa prática, o vice-prefeito afirma que rompeu há quase dois anos com a gestão. “Não tenho conhecimento de muita coisa, não me dão brecha. Cheguei a assumir o cargo da prefeitura por 15 dias e em um dia foi impedido”, afirmou.
Ele também alega que práticas ilegais já acontecem na Prefeitura e são alvo de investigação da Polícia Federal. “Foi constatada pela Polícia Federal a compra de remédios vencidos e casos de superfaturamento. Já protocolei denúncias após a apuração no MPPE e da Controladoria Geral da União (CGU) e até agora nada aconteceu”, diz. Ainda, Raimundo afirma que o presidente, que mora no edifício das Torres Gêmeas, no Recife, pouco aparece na cidade. “Aqui ele só tem uma casa de praia. É de praxe ele ficar sem aparecer e é difícil a população vê-lo”, afirma.
Em nota, o Tribunal de Contas do Estado informou que está apurando o caso de Mirtes Renata Santana de Souza junto à prefeitura de Tamandaré. “Após a fiscalização, constatada a veracidade dos fatos, o gestor poderá responder por crime de responsabilidade e infração político administrativa. Na existência de pagamentos por serviços não prestados, as pessoas envolvidas deverão ser chamadas a devolver a quantia recebida. Neste caso específico, o prefeito poderá responder solidariamente, ou seja, terá que também ressarcir os cofres públicos. O TCE está apurando a situação não só da Sra Mirtes Renata Santana de Souza, como de outros servidores, com o intuito de apurar a situação dos que poderiam estar na condição de fantasmas.”
O MPPE também instaurou, nesta sexta-feira (5), um inquérito civil com a finalidade de apurar possível prática de improbidade administrativa do prefeito Sérgio Hacker. Em nota, afirma: “O inquérito foi motivado pela divulgação, através da imprensa, de que Mirtes Renata Santana de Souza, mãe de Miguel Otávio Santana da Silva, figura como funcionária da Prefeitura de Tamandaré. O MPPE já constatou, através de busca no portal da transparência municipal, que a senhora Mirtes Renata figura na folha de pagamento do município desde fevereiro de 2017. A Promotoria de Justiça de Tamandaré expediu ofício requisitando à chefia de gabinete da Prefeitura que informe, no prazo de três dias úteis, dados funcionais sobre a servidora, como cargo, função, método de controle de ponto, local de lotação, dentre outros.”
Em nota emitida à imprensa, a Prefeitura de Tamandaré comunicou que o Prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker Corte Real “se encontra profundamente abalado pelo fato já noticiado pela imprensa (lamentável perda do pequeno Miguel), e que no momento próprio e de forma oficial, prestará as informações aos órgãos competentes.” A reportagem da TV Jornal foi até a Prefeitura de Tamandaré, mas estava de portões fechados, com comunicado informando que devido a pandemia do coronavírus, a sede administrativa está funcionando em regime interno.
População de Tamandaré em revolta
O clima de tensão também é para os moradores. Para a beneficiária e moradora da cidade, Nadja Cavalcanti, a irresponsabilidade que aconteceu gerou muita repercussão em Tamandaré. “Estamos todos muito abalados, vejo muita repercussão aqui e sinto muito pela grande perda dela. Também sou mãe, não deve ser fácil”. Ela também questiona: “Se fosse o contrário, Mirtes já não estaria presa? E quanto tempo ela ia pegar de cadeia? A gente tá muito triste com isso aqui em Tamandaré. É uma palavra forte, mas é revoltante”, opina. Também mãe, a dona de casa Maria Edileuza da Silva diz ser um absurdo o que aconteceu. “Eu jamais deixaria uma criança sozinha. Tenho 4 crianças e tem que ter atenção a todo instante. Isso me revolta. Ela [Sari Côrte Real] tem que pagar por isso", afirma. Outro morador, Layete Dantas, aposentado, lamenta. “Foi uma calamidade. Espero que Deus conforte o coração dessa mãe, não é fácil perder um filho”.
Caso Miguel
O garoto era filho de Mirtes Renata, empregada doméstica da família, e chorava com saudade da mãe, que estava trabalhando durante a pandemia do coronavírus. Nesse dia, foi com Mirtes para o trabalho. O fato aconteceu quando a mãe dele desceu para passear na rua com o cachorro da família e deixou o filho sob a responsabilidade da Sari, que estava fazendo a unha com uma manicure dentro de casa. Procurando pela mãe enquanto chorava, a criança tentou ir para o elevador do prédio.
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A empregadora deixou a criança entrar sozinha na segunda tentativa do pequeno e, ao sair, no 9º andar, seguiu pelo corredor e encontrou um hall onde ficam os condensadores de ar. Nesse local tinha uma janela, que ele conseguiu pular. A vítima pisou em uma das hastes do guarda-peito, que terminou por quebrar, levando-no a cair de uma altura de 35 metros. Ao voltar para o prédio, Mirtes Renata se deparou com o filho praticamente morto. Miguel ainda foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos provocados pela queda. A esposa de Sérgio Hacker foi presa em flagrante e liberada, após pagamento de fiança no valor de R$ 20.000.
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