RESPOSTA

"Perdoar seria matar o Miguel novamente", diz Mirtes Renata em carta para Sarí Côrte Real

Empregada doméstica escreveu uma carta em resposta ao pedido de perdão feito pela primeira-dama de Tamandaré

Rute Arruda
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Rute Arruda
Publicado em 10/06/2020 às 14:47 | Atualizado em 10/06/2020 às 16:19
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TRAGÉDIA BRASILEIRA Mirtes trabalhava no apartamento de Sari Corte Real, de onde Miguel caiu, aos 5 anos - FOTO: REPRODUÇÃO/TWITTER
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Pouco mais de uma semana após perder o filho, Mirtes Renata Santana da Silva, mãe do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, que faleceu após cair de uma altura de aproximadamente 35 metros em um condomínio de luxo na área central do Recife, abriu o coração ao falar sobre uma carta escrita por Sarí Côrte Real com um pedido de perdão à ex-funcionária. Também por meio de carta, Mirtes afirmou que não será possível perdoar a ex-patroa antes da "aplicação de uma pena". Segundo ela, "antes disso, perdoar seria matar o Miguel novamente".

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Mirtes alegou que "após poucos dias é desumano cobrar perdão de uma mãe que perdeu o filho dessa forma tão desprezível". A carta escrita por Sarí foi divulgada no dia 5 de junho, três dias após Miguel falecer. "Sabemos que ela [Sarí] não trataria assim o filho de uma amiga. Ela agiu assim com o meu filho, como se ele tivesse menos valor, como se ele pudesse sofrer qualquer tipo de violência por ser 'filho da empregada'", continuou Mirtes.

A trabalhadora doméstica voltou a afirmar que tomou conhecimento da carta escrita por Sarí através da imprensa. "Eu não recebi qualquer pedido de desculpas. A carta de perdão foi dirigida à imprensa, o que me fez pensar que eu não era destinatária, mas sim a opinião pública com a qual ela se preocupa por mera vaidade e por ser um ano de eleição", disse.

Leia a íntegra da carta de Mirtes

"SOBRE O PERDÃO PEDIDO POR SARÍ

Eu não recebi qualquer pedido de desculpas. A carta de perdão foi dirigida à imprensa, o que me faz pensar que eu não era destinatária, mas sim a opinião pública com a qual ela se preocupa por mera vaidade e por ser esse um ano de eleição.

Eu não tenho rancor. Tenho saudade do meu filho. O sentido da vida de quem é mãe passa pelo cheiro do cabelo do filho ao acordar, pelo sorriso nas suas brincadeiras, pelo “mamãe” quando precisa do colo e do abrigo de quem o trouxe ao mundo. Uma mãe, sem seu filho, sofre uma crise, não apenas de identidade, como também de existência. Quem sou eu sem Miguel? Ela tirou de mim o meu neguinho, minha vida, por quem eu trabalhava e acordava todos os dias.

Quando eu grito que quero justiça, isso significa que eu preciso que alguém assuma a minha dor, lute minha luta, seja o destilado da cólera que eu não quero e nem posso ser. Eu não tenho forças neste momento, não tenho chão. Não tenho vida!

Após poucos dias é desumano cobrar perdão de uma mãe que perdeu o filho dessa forma tão desprezível. Afinal, sabemos que ela não trataria assim o filho de uma amiga. Ela agiu assim com o meu filho, como se ele tivesse menos valor, como se ele pudesse sofrer qualquer tipo de violência por ser “filho da empregada”.

Perdoar pressupõe punição; do contrário, não há perdão, senão condescendência. A aplicação de uma pena será libertadora, abrandará o meu sofrimento, permitirá o meu recomeço e abrirá espaço para o que foi pedido: perdão. Antes disso, perdoar seria matar o Miguel novamente". 

Entenda o caso

O menino Miguel era filho de Mirtes Renata Santana de Souza, empregada doméstica de um dos apartamentos do edifício localizado na área central do Recife. A patroa dela, Sarí Côrte Real, esposa do prefeito de Tamandaré, Sérgio Hacker (PSB), foi presa em flagrante, autuada por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) e liberada, após pagamento de fiança, por ter deixado Miguel sozinho dentro do elevador do prédio. Ao sair, a criança caiu de uma altura de 35 metros. O fato aconteceu na tarde do dia 2 de junho, quando Mirtes deixou o filho sob a responsabilidade da patroa e desceu para passear na rua com o cachorro da família. Ao voltar para o prédio, ela se deparou com o filho praticamente morto. Miguel ainda foi socorrido para o hospital, mas não resistiu aos ferimentos. Para a mãe de Miguel, faltou paciência da patroa com o filho. Confira a entrevista.

Após o ocorrido, o prefeito de Tamandaré foi o primeiro a se pronunciar. Na manhã da última sexta-feira (5), Sérgio Hacker disse que estava "profundamente abalado" pela morte do menino. Em nota, a Prefeitura de Tamandaré afirmou que o gestor irá prestar informações aos órgãos competentes "no momento próprio e de forma oficial". Mirtes Renata Santana da Silva consta como funcionária da Prefeitura Municipal de Tamandaré. A informação está registrada no cadastro da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), órgão ligado ao Ministério da Economia. Nos dados, aparece como data de admissão da funcionária o dia 01 de fevereiro de 2017. Não há registro de data de desligamento.

Sarí Côrte Real também se manifestou sobre o caso na sexta-feira (5). Na carta, a mulher afirmou que ao levar Miguel ao elevador nunca pôde imaginar que qualquer mal fosse acontecer à criança. Ela ainda criticou as redes sociais, local onde o caso teve repercussão nacional, alegando que tais plataformas potencializam o ódio das pessoas.

Leia a íntegra da carta escrita por Sarí

"Carta a Mirtes

Como mãe, sou absolutamente solidária ao seu sofrimento. Miguel é e sempre será um anjo na sua vida e na sua família.

Não há palavras para descrever o sofrimento dessa perda irreparável.

Nunca, mas nunca mesmo, pude imaginar que qualquer mal pudesse acontecer a Miguel, muito menos a tragédia que se sucedeu.

Te peço perdão. Não tenho o direito de falar em dor, mas esse pesar, ainda que de forma incomparável, me acompanhar também pelo resto da vida. Estou sendo condenada pela opinião pública como historicamente outros foram. As redes sociais potencializam o ódio das pessoas. Tenho certeza que a Justiça esclarecerá a verdade. Na nossa casa sempre sobrou carinho e amor por você, Miguel e Martinha. E assim permanecerá eternamente.

Rezo muito para que Deus possa amenizar o seu sofrimento e confortar seu coração

Sari Gaspar"

MPPE pode mudar tipificação de crime

A Polícia Civil deve encaminhar ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE), nos próximos dias, a conclusão do inquérito sobre a morte de Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos. O delegado Ramon Teixeira autuou em flagrante a patroa da mãe do garoto, Sarí Côrte Real, por homicídio culposo. Segundo ele, a suspeita foi negligente por deixar Miguel usar um elevador sozinho, mas não teve a intenção de matá-lo. A pena para esse crime é de até três anos de detenção. Na prática, a Justiça pode decidir que Sarí deve prestar serviços à comunidade, por exemplo. Mas, claro, essa pena dependerá da interpretação do juiz.

Mas o caso ainda pode ter uma reviravolta. Quando o inquérito chegar ao MPPE, o promotor de Justiça responsável irá analisar provas materiais e depoimentos. E decidirá se denuncia Sarí Côrte Real por homicídio culposo ou doloso (quando há intenção de matar). Advogados criminalistas, ouvidos em reserva pela coluna Ronda JC, afirmam que o promotor pode, sim, interpretar que a patroa da mãe de Miguel agiu com dolo eventual, pois uma criança daquela idade jamais poderia estar sozinha em um elevador. Na visão dos criminalistas, ela era responsável pelo menino naquele momento e deveria ter impedido a ação. Caso o promotor decida denunciar por homicídio doloso, Sarí Côrte Real poderá ser levada à júri popular. Neste caso, a pena pode chegar a 20 anos de prisão.

Confira nos vídeos abaixo a cobertura da TV Jornal sobre o Caso Miguel

O caso

Câmeras mostram menino no elevador

Dor na despedida

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