Atualizada às 11h30 do dia 10 de julho
A covid-19 mudou a vida de Claudio José Char, de 54 anos, não apenas durante os quase três meses que passou internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e na enfermaria de hospitais do Recife. Sem nenhuma comorbidade antes da doença, agora ele enfrenta uma rotina de remédios e consultas médicas, além de ter perdido cerca de 20 kg, a capacidade de andar, sentar e até de dormir sem uso de remédios. Impossibilitado de conversar com a reportagem do JC por causa de danos na sua voz, a esposa Fabiana Floriano Char, de 49 anos, afirma que o marido ainda desenvolveu uma úlcera no olho direito enquanto estava em tratamento no Hospital Otávio de Freitas, e perdeu a visão nele. Agora, frequenta o Altino Ventura a cada 15 dias para tratar o problema, que provavelmente irá requerer um transplante de córnea. "Ele está sem andar, agora que a gente contratou o fisioterapeuta e ele está conseguindo ficar de pé, antes ele não andava nem sentava. Ele perdeu muita massa muscular, entre 15 e 20kg. Terça começou a dar os primeiros passinhos. É como se estivesse aprendendo a andar", contou a técnica em enfermagem e esposa. Além dos danos físicos, as dezenas de dias solitários na UTI renderam a ele problemas psicológicos. "Essa doença é devastadora, ela acaba com o paciente e com a família. Ele tem medo de ficar só durante a noite, está tomando medicação para dormir porque fica pensando no que aconteceu".
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Claudio é mais um dos milhares de brasileiros que precisam de cuidados mesmo após terem vencido a doença causada pelo novo coronavírus. Assim como ele, para uma parcela dos 1.1 milhão de recuperados no País até esta sexta-feira (10), a alta do hospital significou apenas a continuidade da luta, sendo necessário, ainda, acompanhamento profissional, principalmente nos casos mais graves que necessitaram de entubação ou respiração mecânica. Segundo especialistas, os cuidados médicos englobam diferentes profissionais de saúde e são necessários para que sequelas, principalmente na respiração, não sejam desenvolvidas. "Pacientes que tiveram poucos sintomas, com um quadro parecido com um resfriado ou uma gripe, se recuperam bem e não costumam ter nenhum problema depois desses 14 dias (tempo de incubação do vírus)", explica a pneumologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Patrícia Canto. "Os pacientes com quadro mais moderado não saem dos 14 dias e voltam ao normal. Eles têm recebido alta e procurado os serviços de saúde novamente, ainda em recuperação, muitos com uma sensação de cansaço, ainda sem conseguir voltar às suas atividades normais. Muitos ainda apresentam falta de ar.”
Pela doença ter sido registrada pela primeira vez em dezembro de 2019, os estudos ainda são preliminares e a comunidade científica ainda busca respostas sobre a duração dessas limitações pós-internação. "Relatos da China indicam que pessoas saíram de alta com algum grau de fibrose pulmonar, com cicatrizes. A gente não sabe se isso é definitivo e em que grau isso vai comprometer a capacidade respiratória das pessoas."
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Para pacientes que passaram por entubação ou respiração mecânica, o alerta é iminente. Na maioria dos casos, é necessário um acompanhamento posterior que demanda uma conjunção de profissionais de saúde, entre médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais. Juntos, eles têm a missão de devolver ao paciente as capacidades motora e de fala, e o retorno à ingestão de alimentos por via oral, atividades antes impedidas pelos equipamentos. Caso a avaliação e trabalho não sejam feitos, há chances de que o paciente possa desenvolver sequelas como displasia de moderada a severa — impedimento da mastigação plena —, perda de peso, fratura generalizada na parte física e fragilização do pulmão, o que prejudica a respiração.
A fisioterapeuta Eliziana Natassia faz parte da equipe do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Boa Viagem, Zona Sul do Recife, e do Hospital de Campanha da Rua da Aurora, no Centro da cidade, ambos direcionados para tratamento do novo coronavírus. Ela explica que seu trabalho é voltado para a recuperação motora e de respiração. “A gente trabalha em conjunto, tanto a parte motora, quanto a respiratória. Fazemos exercícios ativos, principalmente no paciente que sai da ventilação e volta a respirar sozinho, porque ele perde bastante força muscular. Além disso, fazemos a reabilitação cardiopulmonar contínua”. A especialista conta, ainda, que “todo mundo precisa [do tratamento], independente se for novo ou mais idoso”. “O que varia são as cargas de acordo com a idade e a funcionalidade que ele está apresentando, para isso tem toda uma avaliação”.
O problema é que, nem sempre, há uma rede de apoio médica pública para acompanhar estes pacientes. A fisioterapia de Claudio, realizada duas vezes por semana, é paga pela família, que ainda espera consultas com fonoaudiólogos e nefrologistas. "Tudo tem que ser pago e a gente não tem dinheiro para tantas coisas. À reportagem, o Governo do Estado afirmou que casos de baixa complexidade são de responsabilidade do município. A prefeitura do Recife, então, respondeu que não há serviços específicos para pacientes que tiveram alta da covid-19, apenas os serviços da rede, que seguem funcionando normalmente.
A mesma dificuldade é enfrentada pelo atendente comercial Luiz Henrique Rodrigues da Silva, de 48 anos, que passou cerca de 27 dias entubado nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) dos Torrões e no Hospital de Campanha de Boa Viagem, em períodos diferentes. Quase todos os dias úteis da semana ele recebe um fisioterapeuta particular em sua casa. “Estou conseguindo andar e fazer minhas atividade normais, mas na hora de dormir às vezes sinto uma dormência na perna que eu não sentia antes da covid, porque eu tomava muito remédio para dormir e passei muito tempo parado. Também sempre que preciso fazer um esforço a mais, minha pressão aumenta.” Toda quinta-feira Luiz recebe uma equipe multidisciplinar do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP) em sua casa. “As enfermeiras vêm aqui fazer curativos e o acompanhamento. Toda vez elas aferem a pressão, veem se estou com febre, fazem perguntas e escutam o coração. Também fiz uma bateria de exame. É como um internamento domiciliar”.
Além do problema motor e de pressão, Luiz explica que também percebeu mudança em sua voz após a internação. O protocolo médico afirma que uma avaliação fonoaudiológica é necessária após toda entubação. Após a extubação, a laringe, onde ficam as cordas vocais,é avaliada entre 24hs e 48hs, e, se necessário, é feita uma reabilitação. A fonoaudióloga Robélia Cristinny Gomes, hoje alocada Hospital Otávio de Freitas, referência para o tratamento de doenças respiratórias em Pernambuco, explica que após a extubação é requerido o tratamento para melhorar a deglutição e a estrutura da laringe. “Dependendo do tempo que ficaram entubados, os pacientes precisam de reabilitação para desenvolver melhor a deglutição e a estrutura da laringe, que ficou desamparada. É necessário fazer a reabilitação para o retorno da alimentação para via oral”, disse.
A fonoaudióloga Robélia relata que, por sua experiência com a pandemia, a recuperação completa é mais difícil em idosos, “por causa de uma falta de colaboração com os exercícios e nível de consciência, já que alguns não voltam com a de antes, o que prejudica [o tratamento], também. Já os mais jovens têm prognóstico bem rápido”. De forma geral, Robélia considera que os prognósticos têm sido bons, e que grande parte dos pacientes que venceram o novo coronavírus têm conseguido voltar a se alimentar sem uso de sonda. “A gente conseguiu fazer os exercícios e com dois dias [os pacientes] conseguiram fazer uma deglutição plena para conseguir a retirada do traqueóstomo e da sonda, voltando a se alimentar por via oral”.
Retorno deve ser cuidadoso
A pneumologista Patrícia Canto aconselha que os pacientes recuperados que continuem apresentando sintomas como cansaço busquem o serviço de saúde para acompanhamento médico. O retorno às atividades deve ser cuidadoso, e a prática de exercícios físicos, por exemplo, deve ser retomada de forma gradual, caso não haja mais sintomas respiratórios. A especialista pede que o distanciamento social e os cuidados de higiene continuem, porque não há garantias de que pacientes já infectados possam ser considerados imunes à doença. "Permaneça na sua casa", aconselha.
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O que é coronavírus?
Coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus foi descoberto em 31/12/19 após casos registrados na China.Os primeiros coronavírus humanos foram isolados pela primeira vez em 1937. No entanto, foi em 1965 que o vírus foi descrito como coronavírus, em decorrência do perfil na microscopia, parecendo uma coroa.
A maioria das pessoas se infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida, sendo as crianças pequenas mais propensas a se infectarem com o tipo mais comum do vírus. Os coronavírus mais comuns que infectam humanos são o alpha coronavírus 229E e NL63 e beta coronavírus OC43, HKU1.
Como prevenir o coronavírus?
O Ministério da Saúde orienta cuidados básicos para reduzir o risco geral de contrair ou transmitir infecções respiratórias agudas, incluindo o coronavírus. Entre as medidas estão:
- Lavar as mãos frequentemente com água e sabonete por pelo menos 20 segundos, respeitando os 5 momentos de higienização. Se não houver água e sabonete, usar um desinfetante para as mãos à base de álcool.
- Evitar tocar nos olhos, nariz e boca com as mãos não lavadas.
- Evitar contato próximo com pessoas doentes.
- Ficar em casa quando estiver doente.
- Cobrir boca e nariz ao tossir ou espirrar com um lenço de papel e jogar no lixo.
- Limpar e desinfetar objetos e superfícies tocados com freqüência.
- Profissionais de saúde devem utilizar medidas de precaução padrão, de contato e de gotículas (mascára cirúrgica, luvas, avental não estéril e óculos de proteção).
Para a realização de procedimentos que gerem aerossolização de secreções respiratórias como intubação, aspiração de vias aéreas ou indução de escarro, deverá ser utilizado precaução por aerossóis, com uso de máscara N95.
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