ATO

Entregadores de aplicativos protestam no Recife contra precarização do serviço

Classe relata rotina exaustiva e perigosa e pede que usuários dos aplicativos não façam pedidos nesta quarta, como forma de apoiar o movimento
Agência Brasil
Publicado em 01/07/2020 às 11:48
Protesto teve concentração no Classic Hall, em Olinda Foto: WELLINGTON LIMA/JC IMAGEM


Ato convocado pela Associação de Motofretistas de Pernambuco (AMAPPE) acontece nesta quarta-feira (1º), desde às 8h, com concentração no Centro de Convenções de Pernambuco, em Salgadinho, Olinda, com o intuito de cobrar melhores condições de trabalho para os entregadores de aplicativos. A ideia do movimento, que conta com cerca de 200 motoboys, é seguir até o Palácio do Campo das Princesas, sede administrativa do poder executivo do Estado, situada no bairro de Santo Antônio, Centro do Recife. A paralisação acontece em todo o País. 

No começo da tarde desta quarta, centenas de entregadores promoveram um buzinaço na Avenida Conselheiro Aguiar, em Boa Viagem, na Zona Sul do Recife. Na paralisação, há entregadores que trabalham para aplicativos como Rappi, iFoode Uber Eats.

Em frente à sede do governo estadual, os grupos se encontraram. Coube ao secretário da Casa Civil, José Neto, conversar com os manifestantes. Ele se comprometeu em intermediar uma reunião com os representantes das empresas de delivery, após a formalização dos pedidos dos motofretistas. Só assim, o movimento foi dispersado. De acordo com a CTTU, passava das 17h quando os profissionais encerraram a manifestação.

 

 

LAURINDO FERREIRA/JC - Entregadores do Grande Recife se unem à mobilização que acontece em outros Estados do Brasil

A classe reivindica aumento do valor das corridas e pacotes; aumento do valor mínimo por entrega; fim dos bloqueios e desligamentos indevidos; seguro de roubo, acidente e vida; fim do sistema de pontuação; sala de apoio (sede) do iFood no Recife; suporte fora das corridas (telefone e e-mail para contato direto com o app) e reunião com os órgãos públicos (prefeitura e Governo Estadual) e com representantes dos aplicativos.

Por meio de carta, a AMAPPE relata uma rotina exaustiva e perigosa, com 12 horas de trabalho diário e expedientes que adentram a madrugada, e pede que os usuários do serviço não façam pedidos nesta quarta, como forma de apoiar o movimento.

Também é criticada a relação trabalhista vigente, onde os entregadores são considerados colaboradores e não empregados. "Os aplicativos de entrega não se entendem como empregadores, ainda que hoje, juntos, empreguem mais mão de obra do que outros setores do país e sejam considerados como ramo de atividade essencial em meio ao isolamento social no enfrentamento à pandemia do coronavírus".

» Ifood diz que operações continuam normais, apesar de greve de entregadores de aplicativo

A classe expõe, ainda, não ter autonomia para trabalhar quando deseja. "Apesar de sermos considerados autônomos, essa autonomia está sendo retirada de nós pelos próprios aplicativos [...] o sistema de pontuação é cruel e pune os entregadores que não trabalham nos finais de semana, [porque] quando não acumulados os pontos no final de semana somos impossibilitados de trabalhar e realizar entregas durante a semana", relata o documento.

Estudo

Um estudo de sete pesquisadores, publicada na revista Trabalho e Desenvolvimento Humano e realizada neste ano, entrevistou entregadores de apps em 29 cidades do Brasil durante a pandemia. O trabalho mostrou que mais da metade (54%) trabalham entre nove e 14 horas por dia, índice que aumentou para 56,7% durante a pandemia. Entre os ouvidos, 51,9% relataram trabalhar todos os dias da semana.

Cerca de metade dos entrevistados (47,4%) recebia até R$ 2.080 por mês e 17,8% disseram ter rendimento de até R$ 1.040 por mês. A maioria dos participantes do levantamento (58,9%) afirmou ter tido queda da remuneração durante a pandemia.

Segundo os autores, houve um aumento do número de entregadores como alternativa de pessoas que perderam renda durante a pandemia, mas apesar do aumento de entregas, os valores de hora/trabalho ou bonificação caíram.

Do total, 57,7% declararam não ter recebido nenhum apoio das empresas durante a pandemia para mitigar riscos e 42,3% disseram ter tido algum tipo de auxílio, como equipamentos de proteção e orientações. Independentemente do apoio, 96% comentaram ter adotado algum tipo de medida de proteção, como uso de álcool em gel e máscaras.

O professor de comunicação social da UNiversidade do Vale dos Sinos (Unisinos) e coordenador do projeto Fairwork no Brasil, da Universidade de Oxford, Rafael Grohmann, diz que a análise dessas plataformas em outros países revelou que elas não cumprem requisitos básicos da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para o trabalho decente: remuneração, condições de trabalho (inclusive saúde), contratos que reflitam a atividade, gestão dialogada e transparente e representação e liberdade de associação.

“As plataformas digitais de trabalho têm mecanismos de vigilância intensa e uma extração de dados dos trabalhadores com uma gestão algorítmica desse trabalho. Acaba virando uma caixa-preta, e o indivíduo acaba ganhando cada vez menos. Os entregadores estão desesperados, ou é isso ou não é nada”, comenta o pesquisador.

MPT

O Ministério Público do Trabalho vem investigando os aplicativos há alguns anos. Foram ajuizadas ações civis públicas para reconhecimento do vínculo de emprego nas companhias Loggi e Ifood, e outras estão em fase de apuração. Até o momento, essas ações não foram julgadas.

“O perfil dos motoristas é de jovens, a grande maioria negra. E não há esse empreendedorismo que se propala. Eles têm total dependência econômica, há relação de dependência e subordinação. Trabalham muitas horas por dia, esforço físico grande. É no mínimo 60 quilômetros por dia. Além disso, ficam totalmente sem direitos porque nem a empresa nem o restaurante e nem o cliente se responsabilizam”, ressalta Christiane Nogueira, da Procuradoria Regional do Trabalho de São Paulo.

Em março, o Ministério Público do Trabalho (MPT) apresentou recomendações a empresas de aplicativos com diretrizes e ações a serem ofertadas aos trabalhadores, com vistas a garantir condições adequadas e evitar infecção pelo novo coronavírus. As companhias devem garantir assistência financeira para subsistência, “a fim de que possam se manter em distanciamento social, enquanto necessário, sem que sejam desprovidos de recursos mínimos para sua sobrevivência, garantindo-se a mesma assistência financeira para as trabalhadoras e trabalhadores das referidas categorias que possuam encargos familiares, que também demandem necessariamente o distanciamento social em razão da pandemia do novo coronavírus”.

Também estão entre as recomendações: 1) a oferta de informações claras sobre as regras trabalhistas e medidas de proteção diante da pandemia; 2) respeito às medidas sanitárias das autoridades de saúde internacionais, nacionais e locais; 3) distribuição de equipamentos necessários à proteção e desinfecção, com fornecimento de insumos em pontos designados e amplamente divulgados; 4) garantia de espaço de higienização dos veículos; 5) estimular ações de proteção como evitar contato físico, higienizar as mercadorias entregues e assegurar lugares seguros na retirada dos pacotes.

Empresas

A Agência Brasil entrou em contato com as empresas Ifood Uber Eats e Rappi, mas não recebeu retorno. A agência ainda busca contato com a firma Loggi. Em sua conta no Instagram, o Ifood publicou que “está ao lado dos entregadores”, que investiu R$ 25 milhões em proteção e segurança. De acordo com a companhia, foram distribuídos 4.500 litros de álcool em gel por dia e 800 mil máscaras reutilizáveis. O post argumentou ainda que em maio cada trabalhador recebeu R$ 21,80 por hora.

Leia na íntegra o comunicado à imprensa do iFood 

O iFood está acompanhando a paralisação dos entregadores desde suas primeiras movimentações nesta manhã. Respeitamos o direito dos manifestantes em protestar, mas nosso compromisso com todos os nossos parceiros nos levou a acionar um plano para manter as operações em funcionamento.

Sabemos que, entre a grande maioria dos entregadores, prevalece a percepção de uma parceria justa, conforme pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva em abril. Por ora, nossas operações continuam normais. Estamos confiantes que as operações ao longo do dia estarão mantidas.

Já atendemos quase todas as reivindicações do movimento: taxa mínima de entrega: hoje toda a rota do iFood tem um valor mínimo de R$ 5, mas a média é muito superior, ficando entre R$ 8 e R$ 9; distribuição de EPIs: o iFood tem feito desde o início de abril a distribuição gratuita maciça e recorrente de EPIs para os entregadores em todo o país. Até agora, mais de 800 mil itens foram distribuídos (álcool gel e máscaras reutilizáveis). Reconhecemos que podemos melhorar a distribuição – e já estamos fazendo isso –, mas ressaltamos que ela já vem sendo feita. A partir de hoje, os entregadores que ainda não retiraram o kit receberão R$ 30 mensais para a aquisição de álcool gel e máscaras; seguro de roubo, acidentes e vida: já oferecemos seguro de acidentes e de vida gratuitamente para os nossos parceiros e temos uma parceria para oferecer seguro de moto com desconto; transparência em desativações: o iFood tem regras desativação de cadastro claras e um processo de análise de revisões cuja palavra final é dada por pessoas, e não por robôs; não há sistema de pontuação: o iFood não tem nenhum sistema de pontuação dos entregadores, nem usa estratégias de gamificação.

Reconhecemos que podemos melhorar nossa relação com os entregadores. Para que todos possam conhecer as iniciativas voltadas para esses parceiros, todas as informações estão disponíveis no site Abrindo a Cozinha.

Também estamos ampliando a escuta de suas demandas, mas desde sempre nos empenhamos em fazer o melhor. Junto com eles, passamos por um processo de aprendizado e seguimos evoluindo no modelo de parceria dentro de uma nova economia.

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