Dia dos Pais: como a pandemia mudou os vínculos familiares

Data é celebrada neste domingo (9) com um sentimento diferente
Maria Lígia Barros
Publicado em 07/08/2020 às 10:06
Fernando Alvarenga, 35, e a filha Valentina, 4 Foto: CORTESIA


Neste domingo (9), os brasileiros comemoram o Dia dos Pais em meio à pandemia do novo coronavírus. Para muita gente, depois de meses de distanciamento social, a data é celebrada com um sentimento diferente. Afinal, o confinamento também teve seu impacto nas relações familiares.

Pais e filhos que passam a pandemia na mesma casa podem ter visto o laço se fortalecer neste período. Sem poder ter contato com o mundo “de fora”, as famílias foram 'forçadas' a passar mais tempo juntas. Quase 50% dos pais passaram a ter uma relação melhor com o filho, segundo pesquisa realizada pela Universidade do Sul da Califórnia (USC) com mil entrevistados nos Estados Unidos

O número corrobora o que o psicólogo Miguel Gomes tem escutado em consultório. “Na maioria das vezes, esses pais têm período de trabalho maior e, com a pandemia e o trabalho em casa, têm acompanhado mais a rotina dos filhos”, relatou. O fato tem levado a uma aproximação que o psicanalista define como positiva para as duas partes.

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“A gente percebe isso quando falam das aulas remotas, que os pais geralmente não acompanhavam tanto”, completou. É que, com as suspensão das aulas presenciais nas escolas, muitos se viram mais próximos dos estudos das crianças. Por isso, as famílias com filhos mais novos podem ter sentido a mudança de maneira ainda mais intensa.

Foi assim com o jornalista Fernando Alvarenga, de 35 anos, pai de Valentina, 4. De repente, ele e a esposa tiveram que assumir um papel de apoio pedagógico da escola para a filha, que continuou tendo aulas pela internet.

‘“Isso foi muito intenso, até entender a dinâmica de pegar uma tarefa, ver o que ela fez, pedir uma orientação ao professor. Foi tão confuso quanto para ela, que ficava me perguntando: pai, por que é ‘tarefa de classe’ se é feita em casa?”, disse Fernando, que também é blogueiro da página 'Pai de Verdade'.

Inicialmente, a adaptação à nova realidade foi tensa, mas, hoje, o jornalista avalia que deixou a família mais unida. “Foi bacana porque confesso que nos aproximou. A gente já era próximo, mas ficou mais ainda.”

Longe de casa

Já quem passou o confinamento fisicamente distante teve que encontrar outras formas de estar presente. O biólogo Pedro Cordeiro, 31, precisou ficar afastado por algumas semanas da filha Melina, 11, quando apresentou sintomas gripais. A menina passou o tempo com a avó, enquanto ele se recuperava na casa da companheira e da enteada.

"Fiquei em torno de 20 dias doente, então a gente passou quase um mês sem ver ela. Depois, voltei a vê-la e fiquei doente uma segunda vez, no comecinho de maio, período da quarentena mais rígida”, contou.

Nessas horas, Pedro recorreu à tecnologia para se manter próximo da filha. “O que a pandemia me trouxe foi essa questão de estar impedido de vê-la pessoalmente e fazer um acompanhamento digital”, explicou. “Melina não tem celular ainda, mas tem um computador, inclusive onde ela vê as aulas. O que eu fiz: criei uma conta de e-mail para ela, que eu tenho a senha, pelo qual ela acessa o Hangout (plataforma de comunicação da Google. Por lá, a gente fala por chat e por videoconferência.”

Agora que está recuperado, mesmo de volta à rotina, na qual divide-se entre as duas casas, o recurso continua sendo útil nos momentos em que estão distantes. “Por exemplo, já falei com ela hoje mais de uma vez pelo Hangout.”

Segundo o psicólogo Miguel, a solução foi comum. “Com a distância física, o contato passou a ser mais de forma online, seja por mensagem ou vídeo”, revelou. "Em alguns casos, como essa se tornou a única possibilidade, passaram a ser ver mais assim do que viam antes pessoalmente.”

CORTESIA - O biólogo Pedro Cordeiro, 31, e a filha Melina, 11

Contato fortalece

Remota ou pessoalmente, o fato é que o vínculo familiar saudável é benéfico, sobretudo em tempos de pandemia, que abalou o emocional de tanta gente.

“Para o filho, contato com pai fortalece vínculo, derruba idealizações, gera segurança. E, para o pai, desenvolve num sentimento de cuidado e afeto que normalmente é negado para os homens na nossa cultura”, pontua Miguel.

“Geralmente aos homens é exigido lugar de virilidade, de força, agressividade, de não chorar, não se envolver. Quando vive essa experiência de aproximação com um filho, essa vivência genuína, isso é bom”, conclui.

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Mantendo o vínculo

Passados os momentos mais duros da pandemia, o desafio agora é conservar os laços que foram construídos nos últimos meses. “É bom que isso continue, para que não voltemos a um período em que os pais simplesmente ajudem as mães no cuidado com os filhos, mas sejam corresponsáveis”, falou Miguel Gomes.

O caminho, na visão do psicanalista, é manter a nova perspectiva que o período foi capaz de trazer. “Como todo mundo precisou reorganizar seus horários, uma parte significativa começou a ter mais tempo livre, seja porque estava trabalhando menos, ou porque não esta pegando deslocamento de trânsito. Com isso, estão descobrindo que é possível trabalhar menos”, contextualizou.

“O que a gente precisa entender é o lugar que a quer ter na vida dos filhos. Os pais que têm a intenção de participar da vida do filho precisa, talvez, abrir mão de algumas coisas para ter isso." O psicólogo reforça que é preciso repensar essa parentalidade no sentido de que os filhos são prioridade e conclui: “A pandemia pode ter ajudado a perceber que abrir mão é menos sacrificante do que parecia.”

 

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