Em 2009, o médico Olímpio Moraes foi excomungado pelo então arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso, por ter realizado o aborto de uma criança de 9 anos, estuprada pelo padrasto. Onze anos depois, ele se viu, de novo, alvo de protestos. A reação não o abala. "Não é com ódio que se resolve uma gravidez indesejada. A mulher é vítima. Ainda mais quando se trata de uma criança. Ela precisa ser protegida e não, criminalizada."
JORNAL DO COMMERCIO – Como o senhor enxergou a reação das pessoas contrárias ao aborto durante ao ato realizado na porta do Cisam no último domingo?
OLÍMPIO MORAES - Eu acho que a gente vive uma psicopatia social, marcada pela intolerância, por não aceitar as diferenças, os pensamentos divergentes. São atitudes que não respeitam a vida humana, a autonomia, a dignidade da mulher. É preciso deixar claro que eu não sou a favor do aborto, ninguém é. Mas o aborto é uma questão de saúde pública. E há casos em que a autorização é prevista em lei. Uma lei que tem 80 anos. O que nós, do Cisam, fazemos é cumprir a legislação.
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JC – Havia risco de morte para a criança?
OLÍMPIO - Claro. Nesse caso, é ainda mais grave. Porque nenhuma criança de dez anos tem o corpo preparado para suportar uma gravidez. E não falo só do risco físico. Mas emocional. Essa criança foi vítima de um crime bárbaro. De uma violência extrema. Uma tortura que já deixou marcas que ela vai carregar por toda vida. A sociedade não pode querer puni-la por algo sobre o qual ela não tem nenhuma responsabilidade. Qual o pai que ama sua filha iria permitir uma atrocidade dessas?
JC – O senhor vê riscos de retrocesso na legislação que prevê o aborto legal no Brasil?
OLÍMPIO - A lei é ameaçada frequentemente. Existem dezenas de projetos de lei no Congresso propondo retroceder no direito das mulheres. Há uma desinformação que alimenta esse ambiente de retrocesso. Mas as evidências mostram que a ilegalidade só aumenta o número de abortos. Está comprovado. Em todos os países em que o aborto foi legalizado, o número de casos diminuiu. A diferença é que ele passa a ser feito de forma segura, protegendo todas as mulheres. E não só as que podem pagar por uma clínica.
JC – Onze anos depois de ser excomungado, como o senhor se vê novamente no centro dos protestos?
OLÍMPIO – Há 11 anos o que eu fiz foi cumprir a legislação. Da mesma forma que agora. Não é com ódio que se resolve uma gravidez indesejada. A mulher é vítima. Ainda mais quando se trata de uma criança. Ela precisa ser protegida e não, criminalizada.