Foram 19 dias de uma agonia que parecia não ter fim. Quando José Ricardo da Silva, de 14 anos, começou a apresentar febre e dores no abdômen na manhã do dia 4 de junho, a dona de casa Débora Priscila da Silva, 37, não pensou que o filho pudesse estar com o novo coronavírus (covid-19). O diagnóstico viria dias depois, junto com a notícia de que o menino era a segunda criança a desenvolver a Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), uma síndrome rara associada à presença do vírus.
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A família, que vive em Jardim Jordão, Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana, buscou o primeiro atendimento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Lagoa Encantada, no Ibura, Zona Sul do Recife. Lá, a suspeita era de que se tratava de um quadro de apendicite. "Ele fez exames e chegou a tomar morfina para a dor, mas não melhorou", conta a mãe. O garoto foi, então, transferido para o Hospital da Restauração (HR), na área Central da capital. "Foi quando tudo deu início. Suspeitaram que poderia ser covid e fizeram o teste", lembra Débora. Segundo ela, o teste não teria apontado a doença em um primeiro momento.
Com a piora dos sintomas, como olhos avermelhados e manchas no corpo, Ricardo acabou sendo transferido, já utilizando balão para respirar, para o Hospital Correia Picanço, na Tamarineira, Zona Norte da capital, onde o quadro do novo coronavírus foi confirmado. Lá, mãe e filho viveram os momentos mais dramáticos. "Ele precisou ser intubado. Teve derrame nos olhos e a covid afetou os rins e o coração. Meu filho teve duas paradas cardíacas. As médicas explicaram que era uma nova covid que estava aparecendo, mais rara. Ricardo era a segunda criança no Estado a ter esse quadro", relata.
O medo do desconhecido aumentava apreensão da família. "Eu só pensava o pior. Não saía do lado dele para nada. Meu filho era uma criança saudável e de repente eu vi ele nessa situação. Só pedia a Deus que trouxesse meu filho de volta", conta.
Ricardo completou 14 anos no dia 15 de junho, um dia após deixar a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Os profissionais fizeram uma comemoração, com direito a bolo para celebrar a data. Dois meses depois, o menino segue sendo acompanhado por médicos de diferentes especialidades. Débora não sabe ao certo como Ricardo contraiu a doença. Além dos dois, a filha mais velha, de 18 anos, e a mãe da dona de casa, de 65, estavam na residência e ninguém apresentou sintomas.
Sobre a retomada das aulas, Débora está decidida. "Mesmo que ele tenha 14 anos, não tem como garantir a higiene das escolas. Este ano, não mando meu filho para a escola, mesmo que as aulas retornem. O que ele teve foi muito grave."
Na terça-feira (25), o Governo de Pernambuco confirmou a primeira morte de criança com quadro de SIM-P. A vítima tinha apenas 11 anos e morava no Recife. Segundo a SES, há pelo menos nove casos no estado, incluindo o óbito. Existem relatos de pacientes internados com a SIM-P em outras unidades de saúde, como o Hospital Barão de Lucena (HBL), que é referência no atendimento materno-infantil no Estado.