Junte um olhar solidário, um grupo de amigos disposto a ajudar e internautas empáticos, e o resultado não pode ser ruim. O fotojornalista e produtor de conteúdo Miguel Solano, 34 anos, encontrou Antônio Cândido da Silva, 58, que sofre com vitiligo, doença que causa manchas brancas na pele, vendendo tortinhas no sol escaldante do Recife na última quinta-feira (17). Ele, então, sensibilizou conhecidos a garantirem para o ambulante quatro dias de sustento em dezembro, para que ele pudesse passar as vésperas e os feriados do Natal e do Ano Novo em casa. Com intenção de alcançar ainda mais doações, publicou a história nas redes sociais, que viralizou.
"Parei no semáforo e falei com ele: ‘por que você está aqui nesse sol, com essa pele?’ e ele respondeu que queria estar em casa, mas que a necessidade não deixava. Eu estava sem dinheiro em espécie e falei para ele que no outro dia voltaria e garantiria uma diária para ele ficar em casa. Então me veio a ideia de entrar em contato com alguns amigos e amigas que também são empreendedores e falei: ‘gente o que acham da gente garantir quatro dias dele em casa, sem onerar no salário?’".
Assim, juntos, sete amigos doaram R$ 800 para o vendedor, desde que ele prometesse que ficaria em casa no dia 24, 25 e 31 de dezembro e no dia 1º de janeiro. Miguel, então, perguntou se Antônio aceitaria ser fotografado, para que a história chegasse a mais pessoas, e ele aceitou. "Postei e foi exatamente isso o que aconteceu. Muita gente pediu a conta dele, o telefone. Algumas pessoas quiseram fazer parte desse grupo e nas próximas ideias que eu tiver elas vão querer colaborar financeiramente também", relatou.
Há quatro anos, Antônio percorre a pé a Ponte da Capunga, na Madalena, Zona Oeste do Recife, de segunda a sexta-feira, das 14h às 20h, vendendo tortinhas de leite condensado por R$ 2,50 feitas por uma parceira de trabalho, e afirma: "é um trabalho que muita gente não queria, mas eu gosto". Por causa da pele sensível, ele gasta, por semana, cerca de R$ 50 com protetor solar. "Todo dia eu uso, até dentro de casa. É um banho". Diariamente, ele leva 70 unidades da sobremesa para o sinal.
Ele contou, também, a versão dele da abordagem de Miguel. "Eu não conhecia Miguel, ele me chamou como um cliente normal e fui atendê-lo. Chegando lá, ele me ofereceu uma quantia referente às tortinhas, mas eu só recebia dinheiro em espécie porque as tortinhas, na verdade, são minhas e da minha colega que faz, aí tenho que levar para ela também. Ele me ligou perguntando se eu aceitava tirar umas fotos e eu disse que fazia desde que não atrapalhasse minhas vendas. Ele veio tirar fotos e está bombando", conta, rindo.
Durante a conversa com o JC, Miguel diz que sempre se sentiu na obrigação de ajudar o próximo. "Para mim, é obrigação de qualquer ser humano ajudar uma pessoa que está do lado, tendo religião ou não, fé ou não. Eu não tenho religião, mas minha fé é muito bem consolidada. [...] A gente recebe tanto, de tantas formas, eu já tive e tenho contato com situações tão deploráveis e as pessoas estão felizes. Quem sou eu para reclamar, dizer que a vida tá difícil, que 2020 foi ruim?", indaga.
O grupo, inicialmente formado por sete amigos, já tem 20 integrantes e pensa quais serão os próximos passos. "Quem sabe daqui a algum tempo esse grupo de doadores cresce, a gente vai para uma parada mais no Sertão? Mas a gente não pensa muito nisso, a gente vai seguindo o fluxo. O que me motiva é que eu acho que eu devo muito pelo muito que eu recebo", disse Miguel.
Cumprindo a promessa, Antônio ficará mesmo em casa. Esse já era seu plano, mas, agora, terá o faturamento do dia de trabalho garantido no descanso. E, sem dúvidas, um começo de ano cheio de esperança.