URBANISMO

Prédio moderno em meio à arquitetura colonial da Rua do Bom Jesus, no Recife, levanta críticas

Design moderno do prédio azul de três andares parece destoar dos sobrados com influência portuguesa que formam a identidade visual e dão charme à Rua do Bom Jesus, considerada uma das 20 mais bonitas do mundo

Katarina Moraes
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Katarina Moraes
Publicado em 01/06/2021 às 17:26
BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
MODERNOPrédio já tinha essa configuração arquitetônica há pelo menos uma década e só mudou de cor - FOTO: BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Nos últimos dias, uma discussão sobre parte do conjunto arquitetônico do Bairro do Recife - tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) - foi levantada nas redes sociais. O alvo foi o design moderno de um prédio azul de três andares, que destoa dos sobrados com influência portuguesa que formam a identidade visual e dão charme à Rua do Bom Jesus, considerada uma das 20 mais bonitas do mundo pela revista americana Architectural Digest no último ano.

No entanto, em pesquisas feitas pelo Google Street View, a reportagem do JC constatou que a fachada do imóvel já tinha a mesma configuração há pelo menos 10 anos. O que aconteceu recentemente foi uma reforma que mudou a cor do prédio - antes amarelo e com revestimento desgastado - para o azul e branco.

Por nota, o Iphan afirmou ter aprovado solicitação de “pequenas reformas neste imóvel, tais como alterações da cor e do revestimento”, mas deixou claro que a “aparência moderna que apresenta atualmente é anterior ao tombamento”. Segundo o órgão, a construção já estava descaracterizada desde 1950, portanto, anterior ao tombamento do bairro do Recife, em 1998. Só a partir desse processo, segundo a pasta, são feitas análises de “intervenções futuras no prédio”. “Como o direito não tem efeito retroativo, não há o que se fazer quanto a ações de descaracterização regressas”, explicou.

Arquiteta e coordenadora da Comissão de Patrimônio Cultural do Instituto de Arquitetos do Brasil em Pernambuco (IAB-PE), Natalia Vieira avalia que esta última mudança apenas “perpetua a estrutura que já existia”. No entanto, até o ano de 2011, aproximadamente, o edifício era “bem mais contextualizado com o entorno pelo tipo de revestimento e esquadria que possuía”, alteradas mesmo após o tombamento.

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Prédio de número 137 na Rua do Bom Jesus em 2011 - GOOGLE STREET VIEW/REPRODUÇÃO
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Prédio de número 137 na Rua do Bom Jesus em 2013 - GOOGLE STREET VIEW/REPRODUÇÃO
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Prédio de número 137 na Rua do Bom Jesus em 2020 - GOOGLE STREET VIEW/REPRODUÇÃO

A especialista acrescenta que, para ela, "não se trata de buscar reconstituir uma feição anterior ao tombamento, pois a cidade é feita de sobreposições de tempos e o reconhecimento foi feito a partir desta sobreposição'', e que “também não se trata de congelamento após o tombamento, porque a cidade é dinâmica e assim pretendemos que ela continue”. Trata-se, portanto, de fazer uma “reflexão projetual alinhada aos valores identificados na área”, e de mudar o pensamento para que se saiba que "nem tudo precisa estar tombado, ou não deveria precisar, para que a gente pare para refletir sobre qual é a mudança de fato desejável para uma área da cidade."

A proprietária do imóvel, Ivania Barros Melo, alegou que já comprou o edifício em 2003 com as características atuais, e que tem interesse em mudar a fachada dele, mas que não consegue autorização para isso. "A fachada sempre foi aquela. Eu queria fazer uma intervenção para que ela se adequasse mais à rua, mas jamais vou conseguir essa autorização. Já falamos com arquiteto para que dessem uma adequação, mas está tombado do jeito que está. A reforma agora que foi feita teve até mesmo a cor combinada com o Iphan, relatou.

Ivania é reitora da Faculdade Barros Melo Recife, e emprestou o prédio para a instituição. Em novembro de 2020, o Centro Universitário AESO-Barros Melo compartilhou no site oficial que o Ministério da Educação credenciou a faculdade no edifício da Rua do Bom Jesus. Ademais, noticiou que, em breve, o imóvel passará a ofertar “novos cursos numa área que hospeda um dos mais importantes pólos de inovação do país”.

BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
Prédio de número 137 na Rua do Bom Jesus em 1º de junho de 2021 - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

História da Rua do Bom Jesus

A Rua do Bom Jesus foi a mais importante do Bairro do Recife desde o período da ocupação holandesa, iniciada no século XVII, por conduzir viajantes procedentes de Olinda, segundo estudo da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Pela forte presença dos israelitas, já foi chamada de Rua dos Judeus.

Ainda de acordo com a instituição, era no término da rua que estava situada a Porta da Terra, que, em 1654, se transformou no Arco do Bom Jesus e foi demolida por "exigência do trânsito" em 1850. Até hoje, o Museu a Céu Aberto, localizado entre a Avenida Alfredo Lisboa e a Rua Barão Rodrigues Mendes, conta essa história, a partir da exposição das ruínas da muralha.

Na via também funcionaram a tradicional Botija Francesa, fundada em 1821, o Café Chileno, ponto de reunião de pessoas importantes, e o Hotel e Restaurante Europeu.

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