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"Não vamos sucumbir ao medo", diz associação após mais uma mulher trans ser morta em Pernambuco

Só no Estado, três mulheres trans foram mortas em um mês; uma quarta foi queimada viva enquanto dormia no Centro do Recife

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Bruna Oliveira

Publicado em 07/07/2021 às 18:01 | Atualizado em 07/07/2021 às 19:23
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O assassinato da mulher trans Fabiana da Silva Lucas, na madrugada desta quarta-feira (7), em Santa Cruz do Capibaribe, no Agreste de Pernambuco, acende, mais uma vez, o debate sobre a violência sofrida por essa parcela da população. Só no Estado, outras duas mulheres trans foram mortas em um mês; uma terceira foi queimada viva e continua internada no Hospital da Restauração, no bairro do Derby, na área central do Recife, em estado grave.

Para Caia Coelho, membro da diretoria da Nova Associação de Travestis e Transexuais de Pernambuco (NATRAPE), os três assassinatos não podem ser encarados como situações isoladas, mas "como um possível genocídio". Segundo ela, os crimes escancaram uma violação aos direitos humanos e afetam diretamente a segurança pública.

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Ainda de acordo com ela, apesar do pavor e tristeza, o momento é de luta. "Esses casos servem para termos a certeza de que não vamos desistir da nossa vida tão fácil. Não vamos sucumbir ao medo e vamos utilizar a raiva de forma sábia", destacou Caia.

Pernambuco

Um dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2020 produzido pela Articulação Nacional de Travestis e Transexuais aponta que, no ano passado, Pernambuco, ao lado do Rio Grande do Norte, ocupou o 7º lugar do ranking dos estados que mais matam pessoas trans, com sete assassinatos.

O cenário, no entanto, pode ser muito pior, de acordo com a deputada estadual Robeyoncé Lima. "O assassinato de Fabiana é só mais um caso de violência contra mulher trans de tantos outros acontecimentos que nem sequer chegam ao conhecimento da mídia. Pernambuco está entre os estados que mais matam e vivemos diante de uma precariedade", disse a deputada.

Para ela, o que explica Pernambuco estar no topo da lista seria a falta de políticas públicas por parte do Governo de Pernambuco, já que, segundo ela, os movimentos da luta LGBTQIA+ tentam, durante anos, dialogar com o órgão em busca de soluções que possam melhorar a segurança e qualidade de vida do grupo.

"Há vários anos os movimentos pedem uma casa abrigo, que serviria para acolher pessoas LGBTQIA+, pessoas que são expulsas de casa ou em situação de rua. No caso de Roberta, por exemplo, ela estava no seu local de dormir quando foi vítima da violência", explicou.

A mulher trans Roberta Nascimento Silva, de 33 anos, teve 40% do corpo queimado durante tentativa de homicídio no Cais de Santa Rita, no Centro do Recife, enquanto dormia no local. Ela teve seus dois braços amputados e se encontra internada em estado grave.

De acordo com Caia e a deputada Robeyoncé, uma frente composta pelos movimentos LGBT tem se reunido para elaborar demandas e cobrar do Governo do Estado políticas públicas que possam garantir a segurança da comunidade.

A articuladora política da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans-PE), Janaina Castro, acredita que a maior arma para driblar o preconceito ainda é a educação. 

"Educar as pessoas com informações sobre quem somos e o quanto somos todos iguais é o que mais falta no nosso País. É preciso que haja realmente leis mais severas que nos protejam e sejam cumpridas. O Estado em esfera nacional, estadual e municipal não está preocupado com nossas vidas", desabafou.

Para ela, o conservadorismo no poder só faz com que a violência cresça contra essa parcela da população. "A falta de pudor dos que pensam igual a quem está no poder dá coragem para que as pessoas possam realizar seus crimes, destilar ódio nas redes sociais e cometer atitudes discriminatórias, porque sabem que não serão punidos e ainda são acobertados por uma instância maior", concluiu.

Três mortes em um mês

A cabeleireira transexual Crismilly Pérola Bombom, de 37 anos, mais conhecida como 'Piu Piu' na região onde mora, foi encontrada morta por volta das 9h dessa segunda-feira (5) na altura da Rua das Orquídeas, no bairro da Várzea, Zona Oeste do Recife. O caso, enquadrado como homicídio, já está em investigação pela Polícia Civil de Pernambuco.

A família não sabe detalhes sobre o assassinato de Pérola, apenas que ela saiu para uma festa às 21h desse domingo (4) e não voltou mais para casa. "A gente acha que foi homofobia, porque Pérola era muito querida, mas tinham muitas pessoas que a criticavam", disse a prima da vítima, Izabelli Soares, também cabeleireira, de 30 anos.

Na manhã do dia 18 de junho, Kalyndra Selva Guedes Nogueira da Hora, de 26 anos, foi encontrada morta, dentro de casa, no Ipsep, na Zona Sul do Recife. De acordo com a Polícia Militar, o companheiro dela é o principal suspeito de cometer o crime.

Já na madrugada desta quarta, foi a vez de Fabiana da Silva Lucas, natural da Paraíba, ser assassinada a golpes de faca durante a madrugada. O crime aconteceu às margens da PE-160 e, até o momento, a motivação é desconhecida. O suspeito, um homem conhecido como "Gaúcho", foi espancado por moradores após o ocorrido e encaminhado para o Hospital da Restauração (HR), na área central do Recife, onde está internado em estado grave.

De acordo com informações preliminares da polícia, a vítima fazia programas na localidade onde o crime aconteceu. Nesta madrugada, Fabiana passava pelo local, quando teria sido surpreendida pelo suspeito, que deferiu diversos golpes de faca na vítima.

Como denunciar LGBTfobia

A sociedade em geral e a população LGBTI podem denunciar qualquer ato violador dos seus Direitos pelo CECH, através dos números (81) 3182-7665/ 3182-7607, do e-mail [email protected], ou presencialmente na sede do órgão localizado na Rua Santo Elias, 535, bairro do Espinheiro. O governo do estado garante sigilo das informações. Já a Prefeitura do Recife disponibiliza plataforma online de denúncias contra LGBTfobia através do link https://bit.ly/DenunciaLGBTRecife. Vítimas também podem procurar o Centro de Referência em Cidadania LGBT do Recife. O equipamento fica na Rua dos Médicis, nº 86, Boa Vista, e funciona de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h. 

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