MEIO AMBIENTE

Um mês após último ataque de tubarão, estudos contra incidentes não avançam em Pernambuco

Pesquisadores ouvidos pelo JC afirmaram que medidas de longo prazo para evitar que novos incidentes aconteçam ou entender melhor a dinâmica dos animais nas áreas de risco ainda não foram iniciadas

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Katarina Moraes

Publicado em 25/08/2021 às 14:34 | Atualizado em 01/08/2022 às 13:27
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Um hiato de 2 anos fez com que muitos achassem que a “era” dos ataques de tubarões no Grande Recife tivesse acabado. Até que, no dia 10 de julho, o auxiliar de serviços Marcelo Costa Santos, de 51 anos, entrou para a lista de vítimas fatais. O alerta religado não foi o suficiente para impedir que outro incidente fosse registrado: desta vez em 25 de julho, contra o despachante Heverton Guimarães Reis, 32 anos, que hoje se recupera da mordida do animal.

Com ambos os casos na altura da Igrejinha de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes, a gestão da cidade decidiu interditar uma área da praia, e, junto a órgãos estaduais e pesquisadores, procurar entender melhor a dinâmica desses incidentes: o que ainda não começou a ser feito.

Desde então, é realizada semanalmente uma reunião convocada pelo Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit), da Secretaria de Defesa Social (SDS-PE), para avaliar quais direcionamentos devem ser feitos às autoridades para evitar novos ataques.

Compõem a mesa a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes, especialistas da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), entre outros órgãos. Pesquisadores ouvidos pela reportagem do JC afirmaram não ter sido convocados, até agora, para dar início a projetos ou estudos que analisem mais profundamente a problemática no Estado, que já contabiliza 70 ataques desde 1992.

O coronel Valdy Oliveira, presidente do Cemit, elencou por meio de nota que o órgão tem feitos avanços na fiscalização, educação e pesquisa sobre tubarões no Estado. No primeiro ponto, com a prevenção de acidentes, e o treinamento - em breve - de guarda-vidas municipais para atuarem também nas prevenções nas praias de Jaboatão.

Em relação à educação, afirmou que o Cemit vem dando palestras nas escolas da cidade e orientações aos barraqueiros. "Estamos trabalhando ainda em conjunto com a prefeitura para buscar locais mais protegidos e com estrutura para que as pessoas utilizem sanitários e chuveiros na orla, evitando os banhos de mar."

Já acerca de pesquisas, o coronel afirmou que vem formando um corpo técnico para avaliar o que já foi feito e o que ainda precisa avançar.

"Vamos atrás de mais soluções mitigadoras e experiências que deram certo em outros locais, para acrescentar ao que já colocamos em prática em Pernambuco. Sempre há espaço para conhecer maior profundidade o comportamento e a dinâmica dos tubarões no nosso litoral, suas espécies, as questões geográficas e sazonais, mas nada disso tem efetividade sem ação principal de adesão da população às recomendações e sinalizações instaladas em toda a orla, especialmente nos trechos considerados mais críticos", disse.

Já a Prefeitura de Jaboatão, como medida emergencial, proibiu o banho de mar no dia 27 de agosto em um trecho de 2,2 km da praia de Piedade, entre a Igrejinha e o Barramares Hotel. Só no local, foram 14 incidentes, 21,88% dos que aconteceram na Região Metropolitana do Recife, sendo o local com mais registros.

Para garantir o cumprimento da determinação, ficam espalhados pela orla Corpo de Bombeiros, fiscais e a Polícia Militar. Quem não obedecê-los e insistir em tomar banho na área, é levado para a delegacia mais próxima por desacato contra funcionário público no exercício da função ou em razão dela - o que já aconteceu duas vezes.

O secretário-executivo de Turismo e Cultura da cidade, André Trajano, afirmou que a prefeitura trabalha na construção de ações “de médio a longo prazo, porque as de curto prazo já foram efetuadas” - referindo-se à interdição e às fiscalizações.

“Continuamos com monitoramento diário, e aos sábados, domingos e feriados intensificamos a equipe.Os estudos já estão sendo feitos, não pararam. Ontem tivemos reunião com o prefeito para montar uma fiscalização maior não só naquele trecho, com mais agentes públicos para orientação e ações socioeducativas. Também estamos marcando para os próximos dias uma capacitação e treinamento de primeiros socorros para comerciantes do trecho interditado”, afirmou.

No mais, o chefe da pasta afirma que o Cemit aguarda a chegada de setembro para estudar o local, por agosto ainda ser um mês de muitas chuvas e ventos fortes.

Projetos de turismo locais e a nova orla da Praia de Piedade também estão sob análise, agora levando em consideração a recorrência dos ataques de tubarão na área. Com isso, ainda não há novidades sobre políticas de mitigamento a possíveis danos causados pela interdição ao turismo de Jaboatão.

“Estávamos finalizando o projeto de desenho da nova campanha de turismo e o seguramos propositalmente. O Conselho Estadual de Turismo de Pernambuco (Comtur), que tem participação da sociedade civil e governamental, vai estar se reunindo com comerciantes da orla e com hotelaria para discutir ações do turismo do município”, relatou André.

O Cemit orientou à população que, "ao ser alertado por um guarda-vida, atenda. O mar é o habitat natural do tubarão, e somos nós, seres humanos, que estamos invadindo esse espaço. É preciso conviver com essa realidade e não se colocar em risco". Além disso, lembrou que a pesca de tubarões é proibida.

As vítimas

Por outro lado, na vida de Heverton Guimarães, tudo mudou. Se antes tinha como rotina trabalhar, praticar esportes e se divertir, agora resume o dia em  “ir da cama até a cadeira de balanço, e da cadeira de balanço até a cama”.

Apesar disso, a recuperação vai bem, segundo a própria vítima. “Fui avaliado no médico ontem, disseram que ocorre tudo bem na cicatrização. A recuperação está indo bem, muito rápida”, contou ele, que em breve começará fisioterapia para recuperar o movimento da perna. Por enquanto, precisa de ajuda de familiares para atividades básicas, e não consegue passar muito tempo em pé sem estar apoiado em algo.

Ele foi mordido por um tubarão na coxa esquerda às 12h20 de um domingo, e passou 11 dias internado no Hospital da Restauração (HR), no Centro do Recife, onde fez cirurgia. Só descobriu a repercussão do caso quando saiu da unidade, e diz que não ficou traumatizado com o ataque.

“Eu não sabia que estava repercutindo tanto quando sai. Achei bom porque agora ninguém mais pode tomar banho lá Os médicos disseram que não precisa de acompanhamento psicológico, porque não fiquei com trauma. Não tenho medo [de mar], mas agora só entraria em um lugar mais seguro”, revelou.

A vítima anterior não teve a sorte de poder contar a própria história. Marcelo Costa Santos, 51 anos, teve a mão direita amputada e a coxa direita ferida, e morreu horas depois do incidente por não resistir aos ferimentos. Ele estava jogando bola na areia da praia e havia entrado na água apenas para se lavar, ficando com água abaixo da cintura. O sepultamento do seu corpo aconteceu dois dias depois, em 12 de julho, no Cemitério da Várzea, no bairro de mesmo nome, na Zona Oeste da capital pernambucana.

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