CIDADE

Rio Beberibe, que corta Recife e Olinda, agoniza há anos, enquanto moradores lutam por sobrevivência

Tomado por lixo e pelo descaso do poder público, quando o rio transborda deixa marcas nas casas das comunidades de seu entorno

Gabriela Andrade
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Gabriela Andrade
Publicado em 31/10/2021 às 8:00
BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
FALTA DE CONSCIÊNCIA Excesso de lixo acumulado, muitas vezes jogado por pessoas que vivem nas proximidades, contribui para os problemas enfrentados em dias de chuva - FOTO: BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Por Carina Barros, especial para o JC, e Gabriela de Andrade

Com uma etimologia incerta, estudiosos alegam que há três possibilidades de significado para o nome Beberibe (palavra herdada do tupi). Alguns dizem que significa ‘lugar onde cresce a cana’, outros afirmam que o nome vem do ‘tupi labebier-y’, que significa ‘rio das raias’, e outros ressaltam que o nome vem de ‘bebé e ribe’, que significa ‘voar em bando’; em referência aos pássaros que se reuniam nas margens do rio.

Independente de qual seja o significado correto do seu nome, o rio Beberibe atualmente é um dos cenários naturais mais deploráveis do estado de Pernambuco. Abandono, falta de consciência ambiental e constantes alagamentos refletem a situação das pessoas que moram em suas proximidades. População essa que se encontra nas comunidades do Recife: Vila da Paz de Cajueiro, Antigo Mercado de Campina do Barreto, Portelinha de Chão de Estrelas, Porto da Madeira, Beberibe, Cingapura da Linha do Tiro e Dois Unidos. Já na cidade de Olinda o rio passa pelas comunidades do Cabo Gato de Peixinhos, Vila Marajás, Caixa D’água e Marins do Caetés de Passarinho.

Com suas águas tomadas pela poluição e assoladas pelo descaso do poder público, obras de revitalização paradas, e a falta de limpeza nos trechos que apresentam assoreamentos. O rio com águas turvas, transborda, invade e deixa marcas d' água nas casas de quem vive próximo a ele. Diante de tanta degradação, o rio passou a ser visto como uma problemática social.

A geografia do Beberibe

O Beberibe é um dos tantos rios urbanos que compõem a hidrografia do estado de Pernambuco. Com nascente no município de Camaragibe (a partir da confluência dos rios Pacas e Araçá), possui 23,7 km de extensão, deságua no Oceano Atlântico e corta as cidades irmãs de Recife (ou ainda Veneza Brasileira) e Olinda.

A irmandade entre as cidades também é compartilhada no déficit de saneamento básico, assim como na ocupação urbana nas encostas das margens do Beberibe. O rio é considerado um dos mais poluídos do Estado, juntamente com o Capibaribe, com quem mistura suas águas na cidade do Recife. Esses dois grandes rios passam por baixo das pontes Buarque de Macedo e Sete de Setembro, atual Maurício de Nassau (Recife-Pe).

O Beberibe possui um vale bastante estreito, terrenos baixos, pantanosos, vegetação do tipo mata ciliar, que protege as suas margens e bloqueia o excesso de sujeira que são lançadas no curso fluvial. Com a ausência dessa vegetação o solo fica sem proteção e exposto a ações intensas da chuva, e tão logo causando alagamento e enchentes nos bairros de: Passarinho (Recife e Olinda), Dois Unidos (Recife), Caixa D’água (Olinda), Beberibe (Recife), Benedito (Olinda), Porto da Madeira (Recife), Cajueiro (Recife), Campina do Barreto (Recife) e Peixinhos (Olinda).

O Beberibe e suas questões sociais

Maria Goretti Cabral de Lima, Doutora em Geografia pela Universidade Federal de Pernambuco, destaca que no conceito mais estrito da Geografia, a bacia hidrográfica de um rio é de extrema importância, tanto do ponto de vista ambiental como social. Goretti salienta que: “O Beberibe, é um dos responsáveis por formar a planície flúvio-marinha do Recife, sendo um dos primeiros mananciais de abastecimento de água potável dos habitantes de Recife e Olinda e, apesar de estar se tornando praticamente um esgoto a céu aberto, o Beberibe ainda abastece parte da população recifense de água potável”.

Para a população da parte norte da Região Metropolitana do Recife, o rio Beberibe, e suas margens e planície passaram a constituir um local de preferência para construção de moradia desde a segunda metade do século XX, apesar dos recorrentes riscos de enchentes e inundações que acometem tais ambientes, pontua Osvaldo Girão da Silva, professor lotado no Departamento de Ciências Geográficas da UFPE.

Os moradores e seus relatos

Olinda
Andreza Cavalcante de Oliveira, 28, moradora da Comunidade Descida do Cabo Gato há 16 anos, relata que devido às fortes chuvas ocorridas no início do mês de abril de 2021, o rio Beberibe transbordou três vezes e sua casa foi invadida pela água: “Esses dias de chuvas é muito complicado (...) hoje tive que colocar colchões no sol”. As enchentes recorrentes são um dos motivos que fazem Andreza desejar morar em outro lugar, as outras razões são a perda de objetos por conta das cheias e a falta de saneamento básico.

Devido a essas adversidades, a moradora relata que sua única relação com o Beberibe é a mangueira conectada a uma torneira que vem do outro lado do rio, onde os moradores pegam água quando falta na comunidade. “O que o rio significa para mim são várias lembranças de família, lembranças ligadas ao fato de que várias foram as minhas gerações que viveram próximas a ele”, pontua. Andreza afirma que devido ao contexto social em que se encontra, sua maior vontade em relação ao rio é a realização de mudanças como o alargamento do rio, e construção de áreas de lazer nas proximidades do Beberibe, como creches, escolas e praças.

Recife
Emerson Junior, 23 , ex- morador das proximidades do rio Beberibe, foi indenizado pela Prefeitura do Recife em 2018 e atualmente mora com a família na cidade de Olinda. Durante dez anos o estudante morou na rua Compositor Vinícius de Morais e teve o rio como seu vizinho. Para Emerson o Beberibe tinha um significado de medo, pois em dias de chuvas ele sempre transbordava. “Em dias de chuvas, perdemos muita coisa, a gente não dormia, cochilávamos um pouco e tínhamos que ficar sempre atentos ao nível da água que iria subindo, 2 horas de chuva forte, já começavamos a levantar os móveis.”

Emerson, perdeu as contas de quantas vezes a água entrou na sua residência e causou transtorno aos seus familiares. Hoje fazem 2 anos e 10 meses da sua indenização e o estudante acredita que se não fosse removido do local, hoje talvez não tivesse alcançado uma melhor qualidade de vida. Atualmente Emerson sente-se seguro em sua nova moradia. Para ele, os municípios de Olinda e Recife deveriam trabalhar juntos em relação ao rio Beberibe, realizando limpeza, e capinação constante, pois o rio cruza as duas cidades.

Em defesa do Beberibe

Em meio ao sentimento de abandono e lentidão de medidas efetivas por parte do poder público, em 06 de janeiro de 2020, Jean de Souza Monteiro Batista, 31, empreendedor social, morador da comunidade Porto da Madeira (Recife), uma das tantas que fica nas proximidades do rio, criou a ONG Mobiliza Beberibe. O projeto surgiu para buscar intervenções em defesa do meio ambiente e da população em vulnerabilidade social no Rio Beberibe - zona norte do Recife/PE. A ONG acompanha o trabalho da prefeitura reivindicando e fiscalizando campanhas de melhorias. A comunicação com os moradores e poderes públicos é realizada em reuniões, assembleias, ofícios e redes sociais.

Com forte atuação em suas redes sociais, no Facebook e Instagram, o Mobiliza Beberibe realiza ações de redução da fome, capacitando as comunidades para o desenvolvimento sustentável com geração de emprego e renda através da reciclagem e construção de barreiras ecológicas. Segundo Jean, as maiores dificuldades que os moradores do entorno do Beberibe relatam são: falta de segurança, proteção ambiental, postos de saúde, habitação, saneamento, aparelhos culturais e esportivos. O idealizador do projeto também relata que durante a pandemia da Covid-19 cresceu o acúmulo de lixo e maior obstrução do rio.

Poder público 

Recife

Quando questionada sobre obras voltadas para a melhoria do rio Beberibe, a Prefeitura do Recife destaca o programa PAC Beberibe, em execução por meio da Secretaria de Saneamento. Projeto que foca na requalificação das margens, construção de vias e de equipamentos urbanos, melhorias na drenagem e no esgotamento sanitário, além do reassentamento de famílias residentes de forma inadequada na área de intervenção da obra.

Ainda segundo informações da assessoria da Prefeitura do Recife, o lote 1 da obra foi entregue em agosto de 2020, com a implantação de avenida às margens do Beberibe, entre a Avenida José dos Anjos e a Rua dos Craveiros. O trecho concluído mede 1,2 km e recebeu investimentos de R$ 23,9 milhões.

Já o lote 2 foi entregue em junho deste ano pelo prefeito João Campos e totaliza 2,2 km de avenidas marginais, com investimentos em torno de R$ 29 milhões. O trecho começa na avenida Cidade do Monteiro e se conecta com importantes vias da região, como as avenidas Hildebrando de Vasconcelos, Uriel de Holanda e Beberibe. O lote inclui também uma nova avenida de 700 metros nas margens do Rio Morno, afluente do Beberibe, até a Rua Guarajá.

O lote 3, se encontra em andamento, implantando a via marginal entre o antigo CT do Santa Cruz e a 2ª. Travessa Santo Antônio, em Dois Unidos, totalizando 1,3 km, ao custo de R$ 24,4 milhões. As tubulações de esgoto implantadas nas avenidas levarão os dejetos para a ETE Minerva, em Dois Unidos.

Ainda sobre obras que visam desenvolver a bacia do Beberibe, a Prefeitura alega que dentro do PAC Beberibe, mais de 2,2 mil famílias que moravam na beira do rio, das quais cerca de 1,5 mil foram relocadas para 16 conjuntos habitacionais e o restante recebeu indenização ou auxílio moradia.

Sobre à poluição hídrica, foi informado que está em fase de licitação a construção de duas estações elevatórias de esgoto nas margens do rio Beberibe, localizadas nos bairros de Dois Unidos e Porto da Madeira; e a construção de uma ponte que cruzará o Rio Morno na altura da confluência com o Beberibe, permitindo a continuidade da via marginal. Obras essas que são essenciais para reduzir o número de enfermidades relacionadas ao saneamento, além de melhorar a qualidade de vida da população local, e conservação ambiental da bacia do Rio Beberibe.

A Prefeitura do Recife esclarece também que a limpeza dos rio é uma atribuição estadual, mas mesmo assim uma ação foi realizada pela Emlurb no ano passado, no trecho entre a Rua Dalva de Oliveira e a Rua Portão do Gelo. E que as famílias atingidas pelas chuvas podem ser incluídas no Auxílio Moradia.

Olinda

Em nota, a Prefeitura de Olinda esclarece que as ações de saneamento básico no município são de responsabilidade do Governo do Estado, por meio da concessionária Compesa.

No entanto, em relação ao questionamento sobre enchentes, a gestão da cidade reitera que realiza a limpeza sistemática dos equipamentos de drenagem (galerias, canais e canaletas) em todos os bairros da cidade.

O trabalho é desenvolvido durante todo o ano, sendo intensificado a partir do mês de janeiro, por meio da Operação Inverno. Para além destas ações, forças-tarefas são realizadas nas comunidades, incluindo o trecho apontado nas imediações do Rio Beberibe, viabilizando a limpeza e fluidez.

CARINA BARROS/ESP. PARA O JC
COBRANÇA Moradores pedem que a limpeza do Beberibe seja feita de forma mais rotineira para minimizar transtornos - FOTO:CARINA BARROS/ESP. PARA O JC

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