Enfim, política habitacional para os mais pobres é sancionada no Recife. Entenda o que isso significa
Política Municipal Habitacional de Interesse Social (PLHIS) aponta os princípios, objetivos e diretrizes que futuras políticas públicas devem seguir para garantir o constitucional - mas tão distante - direito à moradia a todos
Atualizada às 18h40
Foram décadas de cobrança da sociedade civil e de entidades de luta por mecanismo que norteie medidas para pôr fim ao déficit habitacional na capital pernambucana. Sob a pressão do dado alarmante de mais de 70 mil famílias vivendo em condições precárias ou sem um lar no Recife, foi sancionada nessa terça-feira (30) pelo prefeito João Campos (PSB) a Política Municipal Habitacional de Interesse Social (PLHIS), que aponta os princípios, objetivos e diretrizes que futuras políticas públicas devem seguir para garantir o constitucional - mas tão distante - direito à moradia digna para todos.
A lei de nº 18.863, criada pelo próprio poder executivo e com íntegra presente no Diário Oficial do Município, é inédita na cidade, que nunca contou com um planejamento do tipo, ainda que a elaboração da Política fosse obrigatória desde 2005, quando o governo federal instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS). Só com ela pode ser acessado, por exemplo, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS).
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“É um momento histórico, que mostra a prioridade da nossa gestão para a questão da habitação. Agora contamos com uma legislação que vai orientar nosso trabalho, definindo as diretrizes e instrumentos para a habitação de interesse social”, disse o prefeito, por nota.
Entre os objetivos da PLHIS, estão a priorização da questão habitacional na cidade, a implementação de ações de regularização urbanística e fundiária, a democratização do acesso à terra urbanizada, a oferta de assistência técnica sobre habitação às famílias, o incentivo à economia local, a transformação de comunidades e demais áreas pobres em Zona Especial de Interesse Social (Zeis), instrumento que limita a especulação imobiliária no local, entre outros.
Para garantir esses pontos, até então apenas conceituais, foi implantado o Sistema Municipal de Informações de Habitação de Interesse de Interesse Social (SIMHIS), composto por sete agentes: Conselho da Cidade; Conferência Municipal de Habitação de Interesse Social; Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social; Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social; Sistema Municipal de Informações Habitacionais e, finalmente, o Plano Local de Habitação de Interesse Social.
No final das contas, este último é o que definirá se, de fato, a Política de Habitação será implementada. “[A lei] era uma demanda do movimento que chega atrasada. Ela é importante para que tenhamos um horizonte de demandas, mas tudo depende como ela vai incidir. Precisamos saber como o plano vai ser efetivado. Até porque já temos uma série de dispositivos no Estatuto da Cidade, por exemplo, que seriam funcionais se fossem executados, mas nunca são”, opinou o advogado Antônio Celestino, da Rede Nordeste de Monitoramento de Conflitos Fundiários do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico.
Segundo a PLHIS, o Plano Local deve dar um diagnóstico da situação da habitação de interesse social; objetivos e metas; programas, projetos e ações necessárias para atingi-los; mecanismos e procedimentos para a avaliação sistemática da eficiência e eficácia das ações; identificação dos possíveis entraves; orientação ao estímulo do uso de construções de habitação utilizando materiais sustentáveis e indicação de estimativas de custos e fontes de recursos.
Mas quem participa das discussões sobre o Plano Local de Habitação vê com preocupação os caminhos que ele segue. “O plano demorou muito tempo para ser elaborado, e traz um outro contexto, quando tinha o Minha Casa Minha Vida e com muitos recursos federais, e agora está meio obsoleto. Acaba que temos um avanço muito pequeno porque se a Política não tem um instrumento fica genérica e perde a força. Votamos pela aprovação dela, mas defendemos que o plano não tinha condições de ser aprovado, porque já era ruim em 2018, mas agora além disso é descolado da realidade”, pontuou o arquiteto e urbanista Vitor Araripe, do Instituto dos Arquitetos do Brasil em Pernambuco (IAB-PE).
Por nota, a Prefeitura do Recife esclareceu que o Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) revisado com base nos dados do Censo 2022 do IBGE, mas que "foi elaborado com ampla participação da sociedade, inclusive na 6ª Conferência Municipal do Recife, tendo sido amplamente debatido também na Câmara Técnica de Habitação e Regularização Fundiária do Conselho da Cidade, além de escutas populares e debates em diversos órgãos técnico."
O problema da habitação no Recife
O problema da falta de habitação nasceu junto ao Recife, que precisou dar conta de toda população de Olinda quando holandeses atearam fogo na cidade em 1631 - e parece seguir até hoje. Segundo último Plano Local de Habitação de Interesse Social da Prefeitura do Recife, o déficit por moradia da cidade era de 71.160 casas em 2017. Entre esse número, 4.725 casas eram consideradas precárias, rústicas ou improvisadas.