Cobertos por baronesas, rios Capibaribe e Beberibe sufocam por poluição excessiva do Recife
Trazidas à superfície pelas chuvas dos últimos dias, baronesas indicam o alto nível de poluição que os rios da capital pernambucana se encontram, puxado, principalmente, pelo precário esgotamento sanitário da cidade
Atualizada às 19h50
Faz alguns dias que o pescador Edson Santos, de 57 anos, não consegue tirar do Capibaribe os mariscos que sustentam sua casa. É que as fortes chuvas do final de semana trouxeram mantas de baronesas à superfície, cobrindo as águas do rio. “Não temos como trabalhar. Fica cheio de cobra, insetos, jacarés… ficamos com medo”, conta ele. A problemática de proliferação destas plantas, que já fazem parte da paisagem do Recife, no entanto, vai além. Apesar de serem benéficas ao meio ambiente por integrarem o ecossistema fluvial, seu aparecimento em grande quantidade é, também, indicador do alto grau de poluição que os rios da capital pernambucana apresentam.
O professor de ecologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Felipe Melo explica que o acúmulo de baronesas é um fenômeno natural - causado pelo desprendimento das plantas que se acumulam nas partes mais paradas dos rios. Noutros lugares, até se proliferam a partir da produtividade de águas que recebem nutrientes ricos, como no Pantanal. Apesar dessa dinâmica também poder acontecer no Capibaribe e no Beberibe, o alerta é ligado pelos rios já conterem um alto grau de contaminação.
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“Nas últimas semanas, o rio mudou de cor e está mais barrento, e pode ser que isso se deva a um aumento de descarga da água por causa das chuvas, fazendo com que os rios aumentem de volume e liberem os bancos de baronesa. Não devíamos nos espantar com essa quantidade se os nossos rios fossem limpos. Como não é o caso, a grande quantidade de plantas se deve bastante à contaminação. Aqui, elas se favorecem pela poluição que o rio recebe. Para nós, o esgoto é indesejado, mas nele há muitos nutrientes que as beneficiam”, diz ele, acrescentando que a concentração da espécie é mais vista na capital por ela abrigar a foz do Capibaribe.
O último relatório de monitoramento das bacias, divulgado nesta quarta-feira (9) pela Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), mostrava que as águas do Capibaribe variavam de qualidade "poluída" e "muito poluída" do Agreste à Região Metropolitana do Recife. O Beberibe não fica de fora: é avaliado entre moderadamente comprometido, na Guabiraba, na Zona Norte do Recife, a muito poluído, na divisa entre a capital e Olinda. Relatório feito pelo Instituto Bioma Brasil também preocupa - desde 2015, quando iniciou a coleta no Capibaribe, mostra que análise do rio fica em graus regular e ruim.
Uma das principais causas para a poluição dos rios se dá pela falta de saneamento básico adequado, um grande desafio a ser superado no Recife. Dados de 2019 do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS) mostravam que apenas 43,96% da população da capital pernambucana tinha atendimento de coleta de esgoto, e que 74,69% do esgoto era tratado. Ainda, o Ranking do Saneamento Básico, formulado pelo Instituto Trata Brasil, colocava a cidade na 75ª posição entre as 100 maiores cidades do Brasil.
Há 25 anos, Socorro Cantanhede, de 61 anos, escolheu dedicar a vida a salvar o que restou do Rio Capibaribe, criando a organização não governamental (ONG) Recapibaribe. A ribeirinha entristece ao ver o nível de poluição que suas águas se encontram. “Ficamos impedidos de pescar pelo cheiro forte que as baronesas soltam. A gente fica preocupado; pedimos aos gestores que façam um projeto de resgate do rio. Tememos pela vida aquática, que hoje está esquecida”, contava ela, completando que via, durante a ligação, três tartarugas com as cabeças de fora da água, tentando respirar. “Cuidar do meio ambiente é cuidar da qualidade de vida de todos nós”, completou.
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Segundo o professor de biologia da Universidade de Pernambuco (UPE) Clemente Coelho, as baronesas podem atuar como aliadas no tratamento das águas, por serem capazes de acumular metais pesados nas suas raízes e flores, mas o excesso traz malefícios ao ecossistema. “Ela tem uma função ecológica interessante, mas em excesso não é muito boa, porque por cobrir o rio não permite a penetração da luz e causa uma baixa concentração de oxigênio”, expôs.
Ele conta que há duas possibilidades que podem diminuir sua incidência, segundo o especialista: o controle físico, removendo-a, ou o químico - que ainda é estudado no Brasil. Ainda assim, isso seria tratar apenas o reflexo de sua proliferação, que é o despejo do esgoto no rio, um crime ambiental. “Se conseguirmos sanear a cidade, vamos melhorar não só a vida do rio, mas da população como um todo", apela.
Análise das águas
Na última terça-feira (8), o Governo de Pernambuco inaugurou uma sede própria do Laboratório Professor Adaucto Silva Teixeira, no bairro de Dois Irmãos, na Zona Norte do Recife, pertencente à CPRH, uma obra que custou R$ 7 milhões e foi viabilizada com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Segundo a gestão estadual, o centro vai concentrar o monitoramento da qualidade das águas dos rios, praias (balneabilidade) e reservatórios do Estado.
Para Felipe Melo, o monitoramento da qualidade da água é o primeiro passo para que se tenha ideia da poluição nas águas, mas é preciso ir além da análise para reverter o estado dos rios urbanos de Pernambuco. “Existem exemplos de rios que já foram muito poluídos, mas que hoje são exemplos de limpeza, como o Tâmisa, que corta Londres. Esse processo passa por uma recompensação florestal das margens, evitando assoreamento, e pela regularização de saneamento básico, que talvez seja a principal fonte de resíduos nas águas continentais."
Ações para ampliar saneamento básico
A responsabilidade de regularizar o esgoto no Estado é da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), enquanto a fiscalização de ligações irregulares devem ser feitas pelo poder municipal, pela CPRH e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Por nota, a Prefeitura do Recife informa que vem atuando de forma complementar à Compesa com lançamento de licitação para iniciar obras de sanemanto em comunidades da cidade, além de implementar sistema de esgotamento sanitário no Cordeiro, entregar obras do tipo em 60 ruas dos bairros de Santo Amaro e Campo Grande. Concluiu que no final do ano assinou contrato com a Caixa para ampliar o sistema na Bacia do Beberibe, que já vem sendo beneficiadas pelas obras do PAC Beberibe.
Resposta da Compesa
A Compesa informa que a questão do saneamento, no que se refere ao esgotamento sanitário, tem sido prioridade do Governo do Estado, mesmo antes da aprovação em 2020, do Novo Marco Legal do Saneamento, que determina as metas de investimentos e obras a serem executadas com vistas à universalização dos serviços de esgotamento no país.
Pernambuco saiu na frente, quando a Compesa instituiu em 2013, o Programa Cidade Saneada, a maior parceria público-privada do saneamento em andamento no país, que estabeleceu uma meta ousada para atingir 90% de cobertura de esgoto em todas as áreas urbanizadas em 15 municípios, sendo 14 localizados na Região Metropolitana do Recife, e um na cidade de Goiana, na Mata Norte
Diante da magnitude do programa, os primeiros anos das ações foram voltados para a recuperação e modernização das 200 unidades de esgoto existentes, entre estações de tratamento e estações elevatórias (sistemas de bombeamento) e o desenvolvimento de estudos e projetos para novas obras. Com os projetos em mãos, a Compesa, e sua parceira, a BRK Ambiental, deu início a fase das obras físicas para a ampliação dos sistemas de esgoto existentes e para a implantação de novos sistemas. Diante do alto montante de investimento e também do volume de empreendimentos necessários, a Compesa estabeleceu um planejamento que vem sendo cumprido.
Desta forma, o Programa Cidade Saneada segue com um grande pacote de obras em execução, alcançando o montante de R$ 1,7 bilhão de investimentos e uma taxa de cobertura de 44% no Recife, e 40% RMR, com expectativa de chegar a 53% em 2025 e, ao final do projeto, em 2037, a 90%, beneficiando mais de seis milhões de pessoas com recursos da ordem de quase R$ 7 bilhões. Até o momento, já foram implantados nove novos sistemas de esgotamento sanitário nas cidades de São Lourenço da Mata, Recife, Olinda, Paulista, Cabo de Santo Agostinho, Ipojuca, Goiana e Jaboatão dos Guararapes. Outras 11 obras estão em andamento.