Incêndio nas palafitas do Pina: tragédia é retrato de um Recife que tem déficit de milhares de moradias

Quem depende de uma política habitacional efetiva na cidade parece estar fadado a uma vida de miséria e de espera sem fim
Lucas Moraes
Publicado em 06/05/2022 às 21:49
SEM PERSPECTIVA O que sobrou do incêndio da última sexta-feira. Casa digna no lugar da palafita, só promessa Foto: Welington Lima/JC Imagem


As palafitas da comunidade Pontes (Beco do Sururu) são o cartão de visita para quem chega a um dos bairros com o metro quadrado mais caro da cidade. Quem as vê sabe que casa não é para todos, e a ação do poder público é fundamental para garantir um teto a quem precisa. Por décadas, o Recife não tem sido eficaz nesse quesito, mas a falta de solução do passado, tornou-se mais latente agora. 

Na capital pernambucana, em suma, moradia popular só existe com recursos do governo federal - que entrega a conta gotas. O dinheiro chega aos poucos, é sabido. Mas a responsabilidade do executivo local em criar alternativas dificilmente é assumida. O que deixa a população no meio de um cabo de guerra que resulta nas moradias improvisadas enquanto o tempo de espera só aumenta. 

GUGA MATOS/JC IMAGEM - Incêndio destrói palafitas no Pina

Atualmente estão em construção quatro conjuntos habitacionais na cidade, com um total de 1.528 unidades habitacionais (UHs): Habitacional Encanta Moça I e II (Bode) - 600 UHs; Habitacional Vila Brasil I (Joana Bezerra) - 128 UHs, Habitacional Vila Brasil II - 320 UHs (Joana Bezerra), Pilar (Bairro do Recife) - 256 UHs - e Sérgio Loreto (São José) - 224 UHs. 

Os projetos não são de agora. Arrastam-se a, no mínimo, mais de oito anos e são a resposta para quem não entende o porquê de se morar numa palafita, especificamente as da comunidade Pontes. Quem mora à beira do rio, entre as pontes Paulo Guerra e Engenheiro Antônio de Goes, em sua maioria está lá porque ainda espera a entrega dos habitacionais do Encanta Moça, ou, pior que isso, são o "resto" da fila de espera dos habitacionais construídos em Brasília Teimosa, comunidade vizinha, que, por tamanha demora de serem entregues, já precisavam dar conta dos números do déficit habitacional que cresciam numa velocidade bem maior do que as entregas. 

"Eu digo que isso aqui é culpa do governo. Os apartamentos já estão prontos, fica aquela ladainha, vai a comunidade tal, vai a comunidade tal, e ninguém sai do lugar. Agora a pessoa perdeu o pouco que tem", lamentou aos prantos a moradora Joanita Maria da Costa, 58 anos, que, desempregada, na hora do incêndio, panfletava em ruas próximas. 

"Eu estava na Brasília (Teimosa) entregando panfleto. Soube pela fumaça (do incêndio), corri e chamei minha menina. Disse: 'Corre, tá indo embora a comunidade todinha". Aqui tem criança e muito idoso, mas fica a ladainha da prefeitura de 'não entrega hoje, entrega amanhã, enquanto os apartamentos estão prontos", continuou a moradora em maio a uma pausa na tentativa de salvar o que sobrava.

GUGA MATOS/JC IMAGEM - Incêndio destrói palafitas no Pina
 

Joanita esperava morar num apartamento às margens da Via Mangue. Diz que os prédios estão prontos porque, ao horizonte, vê a edificação de pé. Mas, por lá, ainda falta muito para a entrega da obra. 

Das construções de habitacionais já citadas não há nenhuma obra que esteja em andamento atualmente. Todas estão paradas. No Encanta Moça, o avanço da inflação fez faltar dinheiro para o que se planejava. A entrega das unidades, anunciadas como compromisso da atual gestão no início do mandato, dependem de um aditivo contratual que, ao todo, soma R$ 700 milhões em uma emendas no Congresso para a conclusão de 50 empreendimentos em varias cidades. Mais R$ 2 milhões ainda são precisos para finalizar questões adicionais do empreendimento. 

A Caixa já informou que a data de entrega dos empreendimentos é definida somente após conclusão das obras, legalização do empreendimento e aceite das concessionárias, "de forma a garantir a habitabilidade".

Com relação aos residenciais Encanta Moça I e II, localizados a poucos metros da comunidade Pontes, incendiada nesta sexta-feira, a última previsão de conclusão das obras é para dezembro de 2022.

GUGA MATOS/JC IMAGEM - Incêndio destrói palafitas no Pina

Enquanto isso, quem segue na espera, adiciona à conta do tempo, perdas e desolações como as vistas hoje.

Até 2020, com base em número do IBGE, a cidade tinha o resultado de 177.896 moradias aquém no déficit ampliado, sendo 80.072 contabilizadas pelo ônus excessivo com o aluguel. A demanda total de unidades na cidade é de 233.162 até 2030, estando concentrado 116.113 na faixa de renda entre um e três salários mínimos. Esse era o retrato naquele ano do déficit habitacional do Recife. Com a pandemia, os números tendem a aumentar.

Chamas nas palafitas

Sobre o incêndio, o Corpo de Bombeiros controlou as chamas no início da noite, sem o registro de vítimas. A origem do fogo ainda não foi esclarecida, e a Defesa Civil contabiliza os afetados e seus danos materiais, levando os que precisam de um teto provisório para o abrigo Irmã Dulce, no Centro do Recife. 

Em nota, a prefeitura da cidade informou que as famílias afetadas pelo incêndio no Pina receberão indenização por pecúnia, no valor de R$ 1.500, além de todo o apoio necessário, como oferta de abrigo, cestas básicas e transporte para casa de familiares. Sem citar alguma previsão dos habitacionais. 

Equipes da Secretaria Executiva de Defesa Civil; Secretaria Executiva de Controle Urbano; Secretaria de Desenvolvimento Social, Juventude, Políticas Sobre Drogas e Direitos Humano; CTTU; SAMU; Guarda Municipal; e Secretaria de Governo foram ao local para prestar o primeiro atendimento. 

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