CHUVAS EM PERNAMBUCO: medo domina cidades da Mata Norte, mesmo sem registro de mortes
Na região, as ruas pareciam verdadeiros lixões de tantos destroços acumulados. Restos de móveis e lama cobriam o que antes do sábado (28) era rua
Romário, Ângelo, José Francisco e Ana Cleide, moradores de Goiana e de Aliança, municípios da Zona da Mata Norte de Pernambuco, ainda não estão contando seus mortos pelas chuvas que atingem o Estado desde a semana passada, principalmente desde a sexta-feira (27/5).
Felizmente, não sofrem a mesma dor e o drama vividos pelas famílias das 106 pessoas que morreram até esta terça (31), em sua maioria, em deslizamentos de barreiras na Região Metropolitana do Recife - a grande maioria na capital.
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Mas na região predomina o medo de, em breve, as mortes provocadas pelas chuvas serem contabilizadas. As cidades estão com áreas ribeirinhas submersas pelo avanço dos rios. No caso de Goiana, toda a preocupação está voltada para o Canal Goiana, que corta a cidade e recebe todo o volume das águas dos Rios Tracunhaém e Capibaribe-Mirim.
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Os dois rios drenam boa parte da bacia do Rio Goiana e têm impacto direto na cidade. E, em Aliança, o crescimento do Rio Siriji é a razão de tanto medo. As duas cidades viram o nível da água subir rapidamente e assustadoramente no sábado (28).
Em alguns pontos das comunidades, ultrapassou os dois metros de altura, encobriu até mesmo boa parte do telhado das residências. Para muita gente, não houve tempo de nada. Era salvar eletrodomésticos, móveis ou proteger a vida.
“A água subiu muito rápido. Muito. Começou na tarde do sábado (28). Chegou a mais de dois metros. A gente já viveu essa situação outras vezes e, por isso, ficamos sempre atentos. Mas dessa vez foi muito rápido e surpreendeu todo mundo”, relembra Romão de Lira, aposentado que há 55 anos reside na Rua da Impoeira, às margens do Canal Goiana e uma das áreas mais comprometidas de toda a cidade em época de chuvas.
CENAS DE GOIANA
Apesar da perda de bens materiais e do medo devido à continuidade das chuvas, a população agradecia por não estar computando óbitos. “Graças a Deus não tivemos mortes, como aconteceu em 2011, nem estamos enfrentando o mesmo que a população do Grande Recife, que ainda conta seus mortos e segue na busca de desaparecidos", conclui.
RUA VIROU RIO
Na região, as ruas pareciam verdadeiros lixões de tantos destroços acumulados. Restos de móveis e lama cobriam o que antes do sábado (28) era rua. Do outro lado, na Rua Baldo do Rio, um cenário ainda pior. A rua virou uma continuidade do Canal Goiana.
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Transformou-se em rio, literalmente, e para sair dela, conforme a localização das residências, só de barco. Gesto praticado por muitas famílias. Outras, iam ficando na porta dos imóveis, que mais pareciam um píer à margem do rio.
“Na minha casa, a água chegou quase no teto e o medo persiste porque as chuvas não param. Só nos resta proteger o que é possível e buscar abrigo na casa de parentes que residem em casas localizadas em áreas mais elevadas. Infelizmente”, conforma-se o serralheiro ngelo da Fonseca, enquanto lutava contra a água que invadia a residência às margens do Canal Goiana.
A cidade contabilizava até esta terça (31), 508 pessoas desabrigadas e sob atendimento da prefeitura. As escolas municipais Manoel Borba, Marie Armelle Falguieres e IV Centenário foram transformadas em abrigos.
ALIANÇA
Na vila residencial da Usina Aliança, precisamente na Rua da Várzea, que tem o Rio Siriji às margens, a água estava no joelho das pessoas em 20 minutos no início da tarde do sábado (28) - dia de maior destruição em todo o Estado. Subiu tão rápido e tinha tanta força que as famílias precisaram sair guiadas por cordas, presas em postes e na grade das 48 residências existentes no local.
CENAS DE ALIANÇA
“Meu marido ia sendo levado pela força das águas. Foi tudo muito, muito rápido. Não houve tempo de nada. Em 20 minutos, a água já tinha subido, sem nos dar chance sequer de tirar um móvel. Pegou todo mundo de surpresa. Perdemos tudo. O pouco que tínhamos”, reclama a dona de casa Ana Cleide, 32.
Na casa em frente, o trabalhador rural José Francisco da Silva era pura desolação e desesperança. No semblante, o cansaço de enfrentar situações semelhantes de tempos em tempos. E o que é pior: saber que enfrentará de novo, em breve, porque as chances de ter a oportunidade de sair da área são mínimas.
REVOLTA E APELO
“Queremos sair daqui. Imploramos ao prefeito de Aliança, às empresas, aos empresários da região, a quem puder, que nos ajudem. Não aguentamos mais perder tudo. De novo e de novo. É muito sofrimento. Vivemos com medo”, apela Francisco, em nome de tosos os moradores da vila.
A comunidade informou que a prefeitura tinha prometido pagar um auxílio moradia de R$ 300, mas todos têm medo de sair das casas e elas serem destruídas. Pela água ou por oportunistas. Assim, não teriam para onde voltar depois que o período de chuvas passar.
A região da Zona da Mata Norte, segundo a Apac, registrou chuvas em mais de 100% acima da média. Todos os municípios viveram a mesma situação e seguem com a previsão de chuvas moderadas (de 30 a 50 milímetros) até pelo menos a próxima sexta-feira (3/6).