falta de transparência

Tragédia na chuva: os pernambucanos têm o direito de saber quem são seus mortos

Tanto as gestões do Estado quanto da PCR gostam muito da palavra transparência para aplicar nos discursos e nas redes sociais, mas na vida real a história é outra

Adriana Guarda
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Adriana Guarda
Publicado em 31/05/2022 às 10:44 | Atualizado em 31/05/2022 às 18:22
Severino Soares/JC Imagem
Busca de corpos após deslizamento de barreira no Curado - FOTO: Severino Soares/JC Imagem

Pessoas não são números. Elas têm nome, família, histórias. Quantas Helenas, Marias, Josés e Andersons partiram, inesperadamente, nesta tragédia das chuvas em Pernambuco? Não bastasse o desastre, o governo de Pernambuco e a Prefeitura do Recife se negam a divulgar informações sobre os mortos.

Nas últimas grandes enchentes no Brasil, como as que aconteceram na Bahia, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro (em Petrópolis), os governos estaduais publicaram as listas com os nomes das vítimas da enxurrada. Qual é o interesse de Pernambuco em fazer diferente?

Como ter certeza se os "dados oficiais" repassados pelo Estado e pela PCR estão corretos, sem informações básicas que identifiquem as vítimas, como nome, cidade e idade? Como fazer um diagnóstico do que aconteceu nesta tragédia sem a apuração dos dados? Morreram mais homens, mulheres, idosos, jovens ou crianças? De que cidades? Ficaram muitos órfãos?

As gestões do Estado e da PCR gostam muito da palavra transparência. Costumam aplicar nos discursos e nas redes sociais, mas na vida real a história é outra. Tratam os veículos de imprensa particularizando, respondendo o repórter como se o interesse pela informação fosse individual. Com esse comportamento, fingem esquecer o papel da imprensa de esclarecer a população, de contribuir para formar opinião, de ajudar a fortalecer as campanhas de doações e mutirões, de cobrar os investimentos que não foram feitos nas áreas de risco. O profissional de imprensa é um interlocutor  que, neste caso, transmite as informações repassadas pelos governos a milhões de pessoas.

O Estado e a Prefeitura apresentam várias alegações para justificar a recusa em divulgar os nomes das vítimas, mas nenhuma plausível. A princípio, os nomes estavam sendo informados pelas UPAs, mas o governo de Pernambuco decidiu suspender a liberação das listas e deixar a responsabilidade para a Secretaria de Defesa Social (SDS).

Para escapar da cobrança, a SDS argumentou impossibilidade legal de repassar os nomes, em razão da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Pelo visto, uma legislação que enquadra apenas Pernambuco a despeito do restante do País, uma vez que outros estados divulgaram suas listas e garantiram confiabilidade aos dados.

O Instituto Brasileiro do Direito de Família (IBDFAM) afirma que "a LGPD não se aplicaria ao tratamento de dados pessoais de falecidos, pois, nos termos do art. 5º, I, da referida lei, dado pessoal é a informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável e nos termos do artigo 6º do Código Civil, como a existência da pessoa natural termina com a morte, há espaço para entender que a LGPD se aplicaria, portanto, apenas até o momento da morte".

No Instituto de Medicina Legal (IML), a informação é de que os documentos das vítimas não estão sendo exigidos porque muitos desapareceram com a lama. A família reconhece o corpo e enterra. Isso não quer dizer que os parentes não saibam o nome, a idade e o local onde a pessoa vivia, até porque essas informações precisam constar na Certidão de Óbito.

Quantas vidas se perderam naqueles segundos fatais, em que uma barreira ou uma casa parecem se desintegrar diante dos nossos olhos, sem nos dar chance de congelar o tempo e evitar o pior?

As fortes chuvas deixaram 106 mortos, o número de desaparecidos diminuiu de 16 para 10, sendo 8 pessoas já identificadas e outras duas em investigação. Outras 6 mil estão desabrigadas. É o que informa o governo do Estado, sem detalhar e dar credibilidade aos dados. Os pernambucanos têm o direito de saber quem são seus mortos.

Welington Lima/TV Jornal
Jardim Monte Verde, limite entre Recife e Jaboatão dos Guararapes - Welington Lima/TV Jornal
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Jardim Monte Verde, limite entre Recife e Jaboatão dos Guararapes - Welington Lima/TV Jornal
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Jardim Monte Verde, limite entre Recife e Jaboatão dos Guararapes - Welington Lima/TV Jornal
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Jardim Monte Verde, limite entre Recife e Jaboatão dos Guararapes - Welington Lima/TV Jornal
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Jardim Monte Verde, limite entre Recife e Jaboatão dos Guararapes - Welington Lima/TV Jornal
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Chuvas, deslizamento, barreiras, Jardim Monte Verde - BRENDA ALCANTARA / AFP
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Jardim Monte Verde, no limite entre os municípios do Recife e de Jaboatão dos Guararapes, foi cenário da maior tragédia provocada pela chuva em Pernambuco - DIEGO NIGRO / AFP
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DESESPERO E DOR Em Jardim Monte Verde, área limítrofe entre o Recife e Jaboatão dos Guararapes, apenas no deslizamento de uma barreira, 19 pessoas morream neste sábado - GLEYDSON XAVIER/JC IMAGEM
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Busca por desaparecidos após deslizamento de barreira em Jardim Monte Verde, entre o Recife e Jaboatão dos Guararapes - Gleydson Xavier/JC Imagem
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Busca por desaparecidos após deslizamento de barreira em Jardim Monte Verde, entre o Recife e Jaboatão dos Guararapes - Gleydson Xavier/JC Imagem
CHUVA
Tragedia do Jardim Monte Verde teve participação da comunidade no resgate das vitimas - CHUVA
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ACASO Nenhuma cidade pode suportar o volume de chuvas que caiu na RMR, mas não se pode ficar só no socorro - GLEYDSON XAVIER/JC IMAGEM
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REALIDADE Fazer casa ou construir proteção virou despesa feito a coleta de lixo. Verbas precisam ser direcionadas - GLEYDSON XAVIER/JC IMAGEM
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ANGÚSTIA Moradores do Córrego do Abacaxi retornaram para suas casas, ontem, muito apreensivos e cobrando por atenção do poder público - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Retirada dos corpos no Córrego do Abacaxi, bairro de Caixa D'Água, Olinda - Bruno Campos/JC Imagem
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FORÇA-TAREFA Após intensas horas de trabalho, corpos da dona de casa Rosimere Silva de Oliveira e do companheiro, Sérgio Pimentel dos Santos, foram encontrados juntos - WELINGTON LIMA/JC IMAGEM
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Voluntários auxiliam trabalho do Corpo de Bombeiros no Córrego do Abacaxi, em Olinda - Welington Lima/JC Imagem

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