Pessoas não são números. Elas têm nome, família, histórias. Quantas Helenas, Marias, Josés e Andersons partiram, inesperadamente, nesta tragédia das chuvas em Pernambuco? Não bastasse o desastre, o governo de Pernambuco e a Prefeitura do Recife se negam a divulgar informações sobre os mortos.
Nas últimas grandes enchentes no Brasil, como as que aconteceram na Bahia, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro (em Petrópolis), os governos estaduais publicaram as listas com os nomes das vítimas da enxurrada. Qual é o interesse de Pernambuco em fazer diferente?
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Como ter certeza se os "dados oficiais" repassados pelo Estado e pela PCR estão corretos, sem informações básicas que identifiquem as vítimas, como nome, cidade e idade? Como fazer um diagnóstico do que aconteceu nesta tragédia sem a apuração dos dados? Morreram mais homens, mulheres, idosos, jovens ou crianças? De que cidades? Ficaram muitos órfãos?
As gestões do Estado e da PCR gostam muito da palavra transparência. Costumam aplicar nos discursos e nas redes sociais, mas na vida real a história é outra. Tratam os veículos de imprensa particularizando, respondendo o repórter como se o interesse pela informação fosse individual. Com esse comportamento, fingem esquecer o papel da imprensa de esclarecer a população, de contribuir para formar opinião, de ajudar a fortalecer as campanhas de doações e mutirões, de cobrar os investimentos que não foram feitos nas áreas de risco. O profissional de imprensa é um interlocutor que, neste caso, transmite as informações repassadas pelos governos a milhões de pessoas.
O Estado e a Prefeitura apresentam várias alegações para justificar a recusa em divulgar os nomes das vítimas, mas nenhuma plausível. A princípio, os nomes estavam sendo informados pelas UPAs, mas o governo de Pernambuco decidiu suspender a liberação das listas e deixar a responsabilidade para a Secretaria de Defesa Social (SDS).
Para escapar da cobrança, a SDS argumentou impossibilidade legal de repassar os nomes, em razão da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Pelo visto, uma legislação que enquadra apenas Pernambuco a despeito do restante do País, uma vez que outros estados divulgaram suas listas e garantiram confiabilidade aos dados.
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O Instituto Brasileiro do Direito de Família (IBDFAM) afirma que "a LGPD não se aplicaria ao tratamento de dados pessoais de falecidos, pois, nos termos do art. 5º, I, da referida lei, dado pessoal é a informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável e nos termos do artigo 6º do Código Civil, como a existência da pessoa natural termina com a morte, há espaço para entender que a LGPD se aplicaria, portanto, apenas até o momento da morte".
No Instituto de Medicina Legal (IML), a informação é de que os documentos das vítimas não estão sendo exigidos porque muitos desapareceram com a lama. A família reconhece o corpo e enterra. Isso não quer dizer que os parentes não saibam o nome, a idade e o local onde a pessoa vivia, até porque essas informações precisam constar na Certidão de Óbito.
Quantas vidas se perderam naqueles segundos fatais, em que uma barreira ou uma casa parecem se desintegrar diante dos nossos olhos, sem nos dar chance de congelar o tempo e evitar o pior?
As fortes chuvas deixaram 106 mortos, o número de desaparecidos diminuiu de 16 para 10, sendo 8 pessoas já identificadas e outras duas em investigação. Outras 6 mil estão desabrigadas. É o que informa o governo do Estado, sem detalhar e dar credibilidade aos dados. Os pernambucanos têm o direito de saber quem são seus mortos.
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