Os parques urbanos do Recife são, hoje, uns dos poucos ambientes onde pessoas de diferentes classes socioeconômicas convivem em seus momentos de lazer, em uma cidade que carece de espaços públicos de qualidade. Por isso, a intenção do poder público de conceder quatro deles à iniciativa privada provoca discussões sobre no que, efetivamente, eles poderiam se tornar.
Os estudos, iniciados em dezembro de 2021 pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), analisaram a possibilidade de concessão de seis parques do Recife - Dona Lindu, Jaqueira, Macaxeira, Santana, Caiara e Capibaribe. Contudo, apenas os quatro primeiros foram considerados viáveis.
O relatório apontou que a Jaqueira tem potencial de oferecer programação para a família recifense e turistas na área de 71 mil m², e o Parque de Santana, com área de 60 mil m², possui vocação esportiva. Já que o da Macaxeira, com área de 103 mil m², tem vocação para recreação, dialogando com a tecnologia, enquanto o Dona Lindu tem potencial para oferecer programação cultural e abrir espaço para debates sobre sustentabilidade.
Os contratos provisórios foram divulgados nesta semana, divididos em dois blocos: Jaqueira e Santana, e Dona Lindu e Macaxeira - dessa forma, a mesma empresa será a responsável por pelo menos dois ou pelos quatro parques. Eles ficarão em consulta pública até 9 de dezembro, e, então, serão encaminhados ao Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Por fim, devem ser assinados no início de 2023, e a empresa que vencer a licitação terá que ressarcir os R$ 2,4 milhões pagos pelo BNDES para o estudo.
Para ter direito à administração dos espaços, as concessionárias terão de investir pelo menos R$ 550 milhões ao longo dos 30 anos previstos, além de pagar cerca de R$ 820 mil ao município, como um “aluguel”.
Mesmo assim, o parque continua público: não é uma venda, como é o caso da privatização. A concessão é uma transferência temporária que impõe direitos e deveres para o ente privado e possibilidade de rompimento do contrato, caso estes não sejam cumpridos.
Nesse caso, a Prefeitura determinou que sejam feitas reformas, manutenções e novas construções nos parques. A intenção é melhorar a gestão desses equipamentos, que, apesar de serem bastante frequentados, sofrem, hoje, com depredações constantes e a má qualidade de manutenção dos banheiros, por exemplo.
”Quando o modelo é bem escrito, tem regras bem definidas do que a empresa precisa fazer. Já a Prefeitura deve fiscalizar se as obras foram feitas como se pediu e, caso não, pode multá-la, aplicar sanções, e, inclusive, romper a concessão”, explicou o economista Edgard Leonardo.
Para ter interesse na concessão, a empresa precisará lucrar de alguma forma. De antemão, a gestão municipal proibiu que, para isso, sejam cobrados ingressos na entrada ou o aluguel de quadras poliesportivas - com exceção do uso para eventos e campeonatos - e permitiu a possibilidade de trazer novos atrativos para os espaços: um Oceanário para o Lindu, estufa digital na Macaxeira e espaço gastronômico na Jaqueira.
No entanto, o projeto de lei sobre o regime de concessões, votado no ano passado, não englobou a ementa proposta pelo vereador Ivan Moraes (PSOL) na Câmara Municipal que proibia a cobrança para uso de “quaisquer de suas instalações, equipamentos e mobiliários públicos”. Assim, se executadas, tais atrativos podem ser pagos.
Possíveis mudanças e receios
A concessão de parques é novidade no Recife, mas já está em vigor em diferentes cidades do Brasil. Em São Paulo, 14 estão sob gestão privada atualmente. A saída das empresas para mantê-los têm sido a cobrança de estacionamento, por exemplo, e a instalação de restaurantes, quiosques e pontos comerciais cujos aluguéis se convertem em faturamento.
Urbanistas consultados pelo JC não se contrapõem ao modelo, já que a tendência é mundial e, segundo eles, “inevitável”. Entretanto, apontam a necessidade de garantir a presença de todos os públicos, como pontuou Zeca Brandão, autor do da Macaxeira. “Quando fizemos o projeto, imaginamos um ambiente de mistura. Os parques têm que cumprir a função social em uma sociedade desigual como a nossa”.
“Não tem que pensar só na viabilidade econômica, mas na política pública: além de fechar a conta para a empresa não ter prejuízo, deveria também pensar na função social do espaço público. Quem ganhar (a concessão) deve ter um projeto que diga o que vai ser feito para integrar essas populações de diferentes rendas, ou o próprio poder público deve definir isso”, completou.
Já o consultor urbanístico Geraldo Marinho defendeu que haja uma regulação de preços, para que não se crie o que chamou de “exclusão invisível”. “Se o parque tiver apenas atrações com preços exorbitantes, fará com que as pessoas pobres que os frequentam fiquem numa exclusão velada por não conseguirem comprar uma pipoca.”
Ainda, chamou toda a sociedade e grupos de interesse a participar das discussões, como o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (CREA-PE) e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU).
Participe da discussão sobre a concessão dos parques
A Prefeitura do Recife abriu uma consulta pública para toda a população, que pode enviar sugestões para as licitações até 9/12, através do formulário disponível no site: https://desenvolvimentoeconomico.recife.pe.gov.br/consulta-publica-parques-urbanos. Em 29/11, ocorrerá uma audiência pública virtual, das 10h às 12h, que pode ser acessada pelo link: meet.google.com/qfn-hxhg-bcg.
Empresas interessadas podem tirar dúvidas em relação ao edital em um “road show”, que será realizado entre os dias 28/11 e 2/12, mediante agendamento a ser solicitado e confirmado até o dia 25/11/2022, também por meio do endereço eletrônico consulta.parques@recife.pe.gov.br. Os encontros, exclusivamente voltados a potenciais licitantes, serão virtuais e terão 1h de duração.
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