URBANISMO

Olinda perde R$ 49 milhões para reforma de monumentos históricos por não finalizar projetos

Verba estava garantida pelo Programa de Preservação de Cidades Históricas (PAC CH), mas foi perdida pelo não cumprimento de prazos

Katarina Moraes
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Katarina Moraes
Publicado em 20/11/2022 às 8:00 | Atualizado em 05/01/2023 às 10:33
BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Sítio Histórico de Olinda - FOTO: BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Olinda perdeu mais de R$ 49 milhões do governo federal em 2022 para reformar dez monumentos históricos da Cidade Alta. A verba fazia parte do Programa de Preservação de Cidades Históricas (PAC CH), mas, segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), não será mais destinada à cidade porque a Prefeitura de Olinda não finalizou os projetos das obras a tempo. Por outro lado, a gestão critica entraves do órgão.

Desde 2013, o Programa de Preservação de Cidades Históricas (PAC CH), disponibiliza uma linha de crédito aos municípios que possuem bens tombados para ajudá-los a preservá-los. O programa, coordenado pelo Iphan, cobre os gastos com os projetos executivos - o primeiro passo de uma restauração - e com as obras em si.

Em Pernambuco, somente três localidades foram incluídas no PAC CH. Fernando de Noronha obteve R$ 30 milhões e Recife R$ 78 milhões, e ambas entregaram os projetos sem prejuízos, de acordo com o Iphan. Já Olinda teria R$ 61 milhões a serem distribuídos para o restauro de 14 monumentos - hoje, entretanto, somente quatro foram concluídos ou estão com restauro em curso, sob o investimento de R$ 12 milhões.

Desses quatro, dois ficaram sob a responsabilidade do Iphan - o Mosteiro de São Bento e o Adro de São Francisco de Olinda. O primeiro está com o projeto pronto e aguarda, agora, a liberação do recurso para execução da obra. Já o Adro foi requalificado em dezembro de 2018.

A Prefeitura de Olinda, portanto, tinha a responsabilidade de elaborar os projetos executivos e executar as obras dos outros 12 monumentos. Confira lista:

Contudo, entregou apenas dois: a reforma da Igreja do Bonfim e das três bicas públicas do Sítio Histórico foram entregues pelo município.

Três dos demais dez monumentos sequer tiveram os contratos para desenvolvimento de projetos assinados. São estes: a implantação da Escola de Cine Animação, no Cine Teatro Duarte Coelho; do Mercado de Peixes, Moluscos e Crustáceos, na área do Fortim, e do Centro da Memória de Olinda, no Casarão Hermann Lundgren.

“O Casarão seria o centro de memória de Olinda. O Cine Teatro está basicamente em ruínas, uma edificação art deco belíssima. Olinda tem uma vocação artística grande, e seria importante que esse equipamento existisse. Já o Mercado de Peixes é uma reivindicação antiga dos moradores”, explicou a chefe do Escritório Técnico do Iphan na cidade, Vânia Cavalcanti.

Chegou a ser assinado o termo de compromisso para a requalificação do Largo do Amparo e São João e a ser feita a licitação para iniciar o projeto executivo dela, mas o prazo de renovação do termo foi perdido, e a prefeitura não pediu a formalização de um novo contrato - informou o Iphan.

Ainda chegaram a ser repassados pelo Iphan em torno de R$ 686 mil para a realização de projetos executivos de cinco obras - as requalificações do largo e adro da Igreja Nossa Senhora do Monte e da Praça do Museu de Arte Contemporânea (MAC), e as restaurações do Palácio dos Governadores, do Fortim de São Francisco e do sobrado do Arquivo Público Municipal.

No entanto, os estudos não foram concluídos a tempo, e os termos de compromisso foram encerrados.

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SEM MANUTENÇÃO Parque infantil, que fica próximo à Igreja de Nossa Senhora do Monte, está sem iluminação e com brinquedos quebrados - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Fortim do Queijo, em Olinda - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Situação atual do Largo da Igreja do Monte, em Olinda, que seria alvo de requalificação - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Situação atual do Largo da Igreja do Monte, em Olinda, que seria alvo de requalificação - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Sobrado do Arquivo Público de Olinda, que seria restaurado - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Praça do MAC, em Olinda, que seria requalificada - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Área de lazer depredada no Largo da Igreja do Monte, em Olinda - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Em entrevista ao JC, o secretário de Patrimônio de Olinda, Odin Neves, afirmou que os cinco projetos citados estão concluídos ou em fase de conclusão e que prestará contas dos recursos não utilizados. Ainda, criticou a falta de renovação de prazos pelo Iphan e que a superintendência nacional informou à Prefeitura que não havia mais recursos para execução das obras. 

“Temos projetos prontos na Prefeitura e outros estão 80% prontos, em vias de conclusão; também é uma conveniência do Iphan renovar ou não o termo de compromisso", afirmou.

"Mas houve alguns pactos que não geraram consequência porque, desde 2018, o Iphan passou a ser um órgão do Ministério do Turismo, e a informação que tivemos no início da gestão do presidente Bolsonaro era de que os recursos estariam suspensos”, disse, e concluiu: “não adiantava continuar o projeto para não executar a obra por falta de recursos."

Já as obras de restauração da Igreja de São Pedro Martir de Verona chegaram a ser iniciadas em junho de 2020, mas foram paralisadas após R$ 1,2 milhão ser gasto. Em outubro deste ano, o prazo do contrato foi expirado.

Segundo o Iphan, a empresa contratada para o serviço pediu um reajuste de orçamento - devido ao aumento de preços provocado pela inflação no Brasil - que foi aprovado pelo governo federal, mas a Prefeitura não retomou as obras. O órgão afirmou ter pedido informações à gestão municipal, mas não ter recebido resposta; e que soube pela empresa que o contrato está em fase de distrato.

Em contraponto, o secretário de Olinda informou que 86% da obra foi executada, mas a empresa entrou em falência, e, agora, está em negociação para que a Arquidiocese de Olinda e Recife execute os 14% restantes.

“A rescisão não teve iniciativa da Prefeitura, mas da empresa; até porque a Prefeitura quer concluir as obras. Aconteceu um processo semelhante ao do Seminário, que estava sob a responsabilidade do Iphan e via ser finalizada pela Arquidiocese”, disse.

Vânia lamentou “profundamente” a perda dos recursos. “Lutamos para que essas ações fossem feitas, e não tê-las são perdas para a Prefeitura, para a cidade, para os moradores, para todo mundo. Muitos dos espaços que seriam atendidos estão sem uso e em degradação, o que facilita para o sentimento de insegurança crescer - o que é um grande problema em Olinda hoje”, disse.

Situação dos monumentos é preocupante

Um dos principais desafios para a manutenção das cidades históricas é a captação de recursos, já que muitas delas não possuem uma alta arrecadação municipal. A arquiteta e urbanista Natalia Vieira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), faz parte do Conselho de Preservação da cidade e demonstra preocupação com a situação de Olinda.

“O programa acabou pela falta de desenvolvimento de projetos, que, no caso de Olinda, era responsabilidade da prefeitura. Em uma cidade como Olinda, com toda sua deficiência e com a magnitude de seus problemas, é um absurdo se dar ao luxo de perder um recurso garantido”, pontuou.

O JC visitou os espaços que deveriam ter sido reformados e constatou o tanto que é crítica a situação desses - como o entorno da Igreja de Nossa Senhora do Monte, localizada em uma área mais pobre do Sítio Histórico. Há um parque infantil abandonado, sem luzes e com brinquedos quebrados.

Ainda, uma quadra esportiva que, segundo os moradores, dá choque em quem encostar em suas grades. “Os fios estão enrolados nela, então quando ligam os postes a corrente começa a vazar. Direto as crianças ficam grudadas e levam choque. Estamos no centro de Olinda, mas somos esquecidos”, contou um deles, que não quis se identificar.

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Situação atual Sítio Histórico de Olinda, área preservada da cidade - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Situação atual Sítio Histórico de Olinda, área preservada da cidade - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Situação atual Sítio Histórico de Olinda, área preservada da cidade - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Situação atual Sítio Histórico de Olinda, área preservada da cidade - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Na Praça do MAC, no coração da Cidade Alta, os bancos também estão quebrados e os postes depredados, sem lâmpadas. No Fortim de São Francisco, conhecido como Fortim do Queijo, a grama alta dava o tom do abandono, juntamente ao lixo e à urina e fezes humanas que havia no seu topo.

“O Monte tem um grande problema social, então uma boa praça seria muito importante, ainda mais junto a um monumento tombado, que é a Igreja do Monte. A do MAC é em frente a uma casa e uma igrejinha tombadas, e está em uma área que já foi muito usada pela população e que hoje, infelizmente, está bastante danificada. Isso reverbera no medo das pessoas de passarem por ela, porque se transforma em um ponto de encontro para tráfico de drogas”, opinou Vânia.

Já o sobrado do Arquivo Público Municipal Antonino Guimarães e o Palácio dos Governadores, por se tratarem de imóveis antigos, necessitam de restaurações periódicas. A intenção de requalificar o sobrado, por exemplo, era de preservar não só a edificação em si, mas a memória da cidade. Já o Palácio seria adaptado com as normas de acessibilidade.

Para quem vivencia o Sítio Histórico, o “abandono” é uma queixa constante. À reportagem, o comerciante Jorge de Paula, que trabalha no Alto da Sé e foi nascido e criado na cidade, demonstra preocupação com a região. “Piorou nos últimos tempos e muito. O esgoto fica à céu aberto, as calçadas quebradas. Tem poucas pessoas para limpar aqui em cima”, contou.

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Comerciante Jorge de Paula, morador da Cidade Alta, pede maior cuidado com a região - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Odin Neves disse esperar que, com a nova gestão presidencial, de Lula (PT), o PAC CH volte a ser uma prioridade. "Temos esperança que seja retomado no governo Lula, já que o PAC é do governo Dilma. Temos esperança que esses recursos sejam revistos nesse governo."

 

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