CHUVAS

Olinda: medo de deslizamento de barreira se estendia há décadas na comunidade onde casal foi soterrado

Moradores do Córrego do Abacaxi evacuaram as próprias casas na madrugada do dia 25 de maio, quando fortes chuvas soterraram a dona de casa Rosimere Silva de Oliveira, de 47 anos, e o marido, Sérgio Pimentel dos Santos, 53

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Katarina Moraes

Publicado em 26/05/2022 às 18:42 | Atualizado em 27/05/2022 às 18:23
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Era a primeira vez que Mirtes Carla Oliveira, de 34 anos, entrava em casa desde a madrugada do dia 25 de maio, quando, junto a outros moradores do Córrego do Abacaxi, em Olinda, deixou tudo o que tinha para trás. Abria o portão aflita - temia que a barreira, que deslizou e matou um casal soterrado a poucos metros acima, tivesse atingido também seu local de trabalho, uma confeitaria nos fundos da residência. Infelizmente, estava certa.

 

O espaço havia sido tomado pelo barro. Fogão, botijão de gás, forno, formas de doces e ingredientes para cozinhar os salgados dos kit festas que produzia estavam no chão. As vidas dela, da filha e do esposo tinham sido preservadas; mas aquilo que os mantinha vivos, estava destruído. "A gente trabalha tanto para conseguir as coisas", dizia, enquanto a mãe, Madrilene Carmem de Oliveira, tentava se consolar: "Jesus dá de volta".

BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Confeitaria de Mirtes Carla Oliveira foi destruída pelo barro - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Confeitaria de Mirtes Carla Oliveira foi destruída pelo barro - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Com a terra ainda molhada pelas chuvas dos últimos dias, Mirtes pedia para que todos saíssem de perto de onde a cozinha ficava. É que a perda da vizinha e amiga, a dona de casa Rosimere Silva de Oliveira, de 47 anos, morta soterrada junto ao marido, Sérgio Pimentel dos Santos, 53, tornou ainda mais palpável o perigo da queda da imponente barreira que cobre o seu quintal.

"A gente já tinha medo. Nos oito anos que vivo aqui, nunca vi o poder público vir. O pé de manga lá de cima foi cortado depois que a barreira caiu. Nós mesmos cortamos os matos, fazemos uns paliativos. A gente é jogado aqui, ninguém nos dá assistência na chuva. Se tivesse, podia ter evitado esse acontecimento", relatava.

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"A gente é jogado aqui, ninguém nos dá assistência na chuva", conta Mirtes Carla Oliveira - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Às 1h50 a vizinha alertou para que a família saísse da casa. Os filhos de Mirtes, de 17, 8 e 6 anos, ficaram aguardando na calçada, enquanto a comunidade, desesperada, gritava "socorro" por todos os lados após o deslizamento. O cachorro da casa, Paçoca, foi retirado de dentro do barro. "Só quero agradecer ao meu Deus que não atingiu os meus netos", dizia Madrilene.

Ali, não há sinal de redução de danos. Nem mesmo uma lona plástica na barreira, uma medida paliativa e de baixo custo para o poder público que pode, muitas vezes, impedir os deslizamentos.

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Medo de queda de barreira é constante no Córrego do Abacaxi, em Olinda - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

"Agora a história se repete", pontuou a dona de casa Alexandra Maria de Araújo, que há quase 30 anos viu uma adolescente ser arrastada pelo barro na casa da esquina. "Aqui é assim há muitos anos. Quando morávamos em cima da barreira, tivemos a promessa de um muro de arrimo, que nunca foi cumprida", afirmava.

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"O que a gente pede é uma providência, porque estamos aflitos", diz a dona de casa Alexandra Maria - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Ela vive em um imóvel que contém três casas, a dela, a da cunhada e a da sogra. Ali, moram 11 pessoas de frente para o perigo. "Todo inverno a gente vê a terra caindo", relatava a filha dela, a dona de casa Naiara Kallyne, 27, que vem abrigando os familiares enquanto a chuva desta semana não cessa.

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Inverno após inverno, família de Alexandra Maria teme desastre - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
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Inverno após inverno, família de Alexandra Maria teme desastre - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Por nota, a Prefeitura de Olinda disse que continuará "com a força-tarefa concentrada nas áreas de maior demanda, como a região de morros e encostas", que realiza ações para minimizar os tanstornos causados pelas chuvas e que oferece apoio às famílias atingidas. (Confira a íntegra da nota no final da matéria).

Desastres causados pela chuva

Ao todo, foram contabilizadas três mortes por queda de barreira em Olinda. Além do casal que morava no Córrego do Abacaxi, foi encontrado soterrado o corpo de José Cláudio da Silva, 62, no Córrego do Abacate. Ainda, Aureogildo Vasconcelos, 36, foi vitimado por uma correnteza na Avenida Presidente Kennedy, também na cidade.

Em Jaboatão dos Guararapes, também no Grande Recife, segue desaparecido o jardineiro Alex Rodrigo da Luz, que teria sido coberto pelas águas na última quarta (25), no bairro da Muribeca. Ainda, o Governo de Pernambuco informou que há 695 desabrigados e 285 desalojados em todo o Estado, segundo dados repassados pelos municípios.

  • Olinda: 196 pessoas estão desabrigadas e 30 estão desalojadas
  • Recife: 499 pessoas estão desabrigadas e 82 estão desalojadas
  • São José da Coroa Grande: 70 pessoas estão desabrigadas
  • Igarassu: há 68 pessoas desalojadas
  • Cabo de Santo Agostinho: 18 pessoas desalojadas
  • Xexéu: 12 pessoas desalojadas
  • Palmares: 3 pessoas desalojadas
  • Camaragibe: 2 pessoas desalojadas.

O que diz a Prefeitura de Olinda

"A Prefeitura de Olinda continuou os trabalhos, nesta quinta-feira (26.05), com equipes nas ruas, realizando ações para minimizar os transtornos causados pelas chuvas que caem, desde a noite da última segunda-feira, na Região Metropolitana. Nas últimas 24h, o índice pluviométrico assinalou com 12,23mm.

A Secretaria Executiva de Defesa Civil continuará com a força-tarefa concentrada nas áreas de maior demanda, como a região de morros e encostas. Já a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, reforça que dará continuidade ao trabalho de triagem e identificação das famílias atingidas em diversas localidades, sendo ofertado o devido abrigamento, assim como orientação e cadastramento em programas sociais. A gestão municipal ressalta, ainda, o mutirão de distribuição de cestas básicas, colchões, cobertores e outros insumos.

Até o momento, a Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos de Olinda (SDSDH) está atendendo, em três pontos, 72 famílias, que equivalem ao mesmo levantamento feito ontem à noite, totalizando 190 pessoas. Foram distribuídas 250 refeições: café da manhã e almoço

Além dos pontos de acolhimento, existem ainda, outros três pontos de apoio aos desabrigados. Eles estão localizados na Escola Pró Menor, em Rio Doce e na Escola CAIC, em Peixinhos; Escola Duarte Coelho, no Bonfim. Ainda na noite da quarta-feira (25), a SDSDH atendeu algumas demandas de colchões e cobertores para 20 pessoas que estavam alojadas na Associação dos Moradores da V Etapa de Rio Doce.

Hoje de manhã, nos três pontos de acolhimento, agentes de saúde realizaram atendimentos médicos, como exames, teste rápido de HGT, aferição de pressão, teste rápido de Covid, sífilis e HIV. Além disso, foram ofertadas vacinas de sarampo, gripe e hepatite. Houve também distribuição de medicamentos como analgésicos e xaropes.

Os trabalhos de sensibilização para o retorno dessas famílias, que podem voltar para suas as casas, já começaram. Kits de limpeza contendo água sanitária, sabão em barra, em pó e papel higiênico foram distribuídos. A ação inclui também cestas básicas, para contribuir com este retorno."

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