PATRIMÔNIO

Reforma milionária em mercado do Recife rende desgastes entre Prefeitura e comerciantes

As obras estavam sem perspectiva de início desde março de 2022, mas devem começar no primeiro semestre de 2023 com o projeto original

Katarina Moraes
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Katarina Moraes
Publicado em 08/01/2023 às 8:00 | Atualizado em 09/01/2023 às 15:45
GABRIEL FERREIRA/ JC IMAGEM
Comissão de permissionários não concordou com a instalação de um mezanino no mercado, aprovada pelo Iphan - FOTO: GABRIEL FERREIRA/ JC IMAGEM

Foi reanunciada pela Prefeitura do Recife, na última semana, a reforma completa no Mercado de São José, sob o investimento de R$ 21,4 milhões. As obras estavam sem perspectiva de início desde março de 2022, quando foram divulgadas pela primeira vez e provocaram protestos de permissionários, que discordaram do projeto - mantido pela gestão.

O equipamento construído em 1875 havia sido restaurado pela última vez em 1998, cerca de nove anos após um incêndio que destruiu parte do espaço, que é considerado um patrimônio nacional. Por isso, é um consenso a necessidade de cuidados. A estrutura está enferrujada, várias das vidraças quebradas, os estandes precisam ser restaurados e falta sinalização.

A requalificação proposta inclui a reorganização do espaço, a conservação de pisos e da alvenaria que contornam o imóvel, a restauração dos elementos de ferro, vidro e madeira, que receberão, ainda, proteção contra as patologias características de cada material e a construção de um mezanino.

É justamente o mezanino o maior alvo de questionamentos dos comerciantes do mercado, que denunciaram, no ano passado, terem sido pegos de surpresa com a proposta e pediram maior diálogo com o poder público - já que a previsão era que o espaço fosse desocupado ainda em outubro.

José Rubens de Araújo, 77, que diz se sentir tombado junto ao equipamento por trabalhar nele há 64 anos, é um dos que discorda da implantação do mezanino, alegando que “foge à naturalidade e tira a característica de um mercado público”. “Esse é um pedaço da história viva, é um mercado porque tem quem dê vida e sustentação a ele”, disse.

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José Rubens de Araújo, 77, considera que mezanino vai alterar a essência do mercado - GABRIEL FERREIRA/ JC IMAGEM

“Há uma extrema necessidade de restauração nos ferros, vidros, que o próprio poder público não faz há muito tempo; mas não precisa acrescentar nada. Está havendo uma imposição. Temos debatido, mas parece que a Prefeitura está irredutível. Vão manter [o mezanino]”.

Ele e outros representantes criaram uma comissão para discutir as preocupações com a Prefeitura do Recife, com quem manteve um diálogo desde então, e o assunto virou pauta da Comissão Especial sobre a gestão dos mercados públicos, instalada na Câmara do Recife. Com isso, a licitação e o início das obras foram adiadas.

A opinião de Rubens é comum à de Roberto Melo, 51. “Está evidente que precisamos de uma restauração e de uma grande reforma; mas não de um mezanino, que prejudicaria nosso comércio e a estrutura, deixaria o mercado quente”, alegou. Ele alegou que, nas últimas reuniões da comissão, sentiu um tom de ‘ameaça’, de “ou faz, ou fecha”.

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Roberto Melo, 51, é um dos participantes da comissão de permissionários - GABRIEL FERREIRA/ JC IMAGEM

Já outros permissionários, como Kleber Duarte, 50, afirmaram que as negociações foram positivas, “porque ambas as partes sabem que o mercado está precisando de uma reforma”. Ele havia sido um dos entrevistados que criticou ao JC a falta de diálogo do poder público no primeiro anúncio da revitalização, mas disse que, desde então, houve 17 reuniões.

“Fizeram algumas alterações. Diminuíram o mezanino de 900 m² para 700m² e agora será ocupado só com serviços que agreguem ao mercado, como um Museu da Cachaça ou do Mercado e bancos 24h. Antes, era esperado que fosse abrigar as lanchonetes que ficam na área externa, e que agora vão para uma travessa ao lado do equipamento.

A gestão, contudo, não confirmou que qualquer mudança tenha sido feita. Disse que, em 16 encontros com os representantes do mercado, alinhou um "cronograma e um plano de início de obra de maneira que se cumpra o contrato em etapas, tomando os devidos cuidados com os permissionários, e enseje o menor impacto possível ao funcionamento do comércio."

A requalificação é custeada pelo programa de Preservação de Cidades Históricas, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que alegou ter aprovado a instalação do mezanino como "alternativa para incluir todos os permissionários, sem que nenhum perdesse seu posto de trabalho".

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A requalificação proposta inclui a reorganização do espaço, a conservação de pisos e da alvenaria que contornam o imóvel, a restauração dos elementos de ferro, vidro e madeira, entre outras - GABRIEL FERREIRA/ JC IMAGEM
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Comissão de permissionários não concordou com a instalação de um mezanino no mercado, aprovada pelo Iphan - GABRIEL FERREIRA/ JC IMAGEM
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A requalificação proposta inclui a reorganização do espaço, a conservação de pisos e da alvenaria que contornam o imóvel, a restauração dos elementos de ferro, vidro e madeira, entre outras - GABRIEL FERREIRA/ JC IMAGEM
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REFORMA DO MERCADO DE SÃO JOSÉ NO CENTRO DO RECIFE. - GABRIEL FERREIRA/ JC IMAGEM
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Comissão de permissionários não concordou com a instalação de um mezanino no mercado, aprovada pelo Iphan - GABRIEL FERREIRA/ JC IMAGEM

Em conversa anterior, o arquiteto e urbanista Ronaldo L’amour, responsável pelo projeto junto a Felipe Campelo, afirmou que a reforma foi pedida pelo próprio Iphan para que o espaço voltasse a se parecer com o projeto original, e que a quantidade de boxes atual, 403, será preservada.

Segundo a gestão municipal, haverá a "realocação fracionada dos comerciantes a cada etapa da obra", que está sendo tratada junto com a Secretaria de Governo, Planejamento e URB.

Mudanças em outros mercados e feiras

Outros R$ 8,6 milhões serão destinados para a requalificação do Mercado de Nova Descoberta, a reestruturação do Mercado de Beberibe, além de obras no Pátio de Feira de Cais de Santa Rita, nas feiras de Nova Descoberta e Feira Nova de Afogados, no pátio de Feira de Casa Amarela e de Roda de Fogo e intervenções no Mercado da Boa Vista.

Junto ao Mercado de São José, a Prefeitura prevê que as mudanças contemplem mil permissionários. O plano de requalificação dos mercados e feiras do Recife prevê entregas em 2023 e 2024.

“É um conjunto de valorização dos mercados onde a gente traz melhoria e infraestrutura, tanto para o permissionário, que tem o ganho de qualidade, mas sobretudo para o usuário. Esses são espaços de convivência que agora vão ter sua estrutura também melhoradas”, acrescentou o prefeito João Campos, no anúncio do programa.

No Mercado de Nova Descoberta, localizado na Zona Norte, está prevista a revisão de toda a coberta, a recuperação do piso interno, troca da iluminação interna, reforma do estacionamento, calçadas e construção de passarela elevada, além de reforma dos banheiros externos, construção de expositores, pintura geral do mercado e revisão dos acabamentos.

Também na Zona Norte, o Mercado de Beberibe passará por obras incluem a reestruturação da área interna, através da recuperação dos revestimentos, das instalações elétricas e hidrossanitárias e também a substituição da coberta; a reestruturação da área externa: estacionamento, boxes, pavimentação e drenagem, iluminação pública; além da construção de pátio coberto com bancas de feira livre para comercialização de produtos da agricultura familiar.

No Mercado da Boa Vista, será construída uma cobertura de estrutura metálica fixa feita em tramas. Nelas, serão apoiadas as coberturas de toldo “abre e fecha”, intercaladas com algumas chapas de policarbonato acopladas à estrutura. A partir desse modelo, a gestão afirmou que é garantida a ventilação natural e uma boa iluminação nas quadras no período de sol e nos períodos de chuva.

O que disse a Prefeitura do Recife

"No que diz respeito à obra do Mercado de São José, a Prefeitura do Recife realizou, ao longo do ano de 2022, uma série de tratativas com os permissionários e participou com representação da Companhia de Serviços Urbanos do Recife (CSURB), Secretaria de Infraestrutura e Autarquia de Urbanização do Recife (URB) junto à comissão da Câmara Municipal com vereadores e vereadoras, ainda com representantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), visando uma construção coletiva do projeto, ponderando e incluindo sugestões dos permissinários, de comerciantes e de órgãos que se relacionam com o entorno do mercado. Foram 16 encontros entre as partes nesse período. Após esses debates, alinhou-se um cronograma e um plano de início de obra de maneira que se cumpra o contrato em etapas, tomando os devidos cuidados com os permissionários, e enseje o menor impacto possível ao funcionamento do comércio."

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