O Plano Diretor do Ipojuca, lei que guia o desenvolvimento urbano da cidade onde está o balneário de Porto de Galinhas, será sancionado em breve. O processo de sua construção, entretanto, é criticado pela falta de transparência e pela participação insuficiente da população local - pontos indispensáveis, segundo o Estatuto das Cidades.
O plano foi construído pela Prefeitura do Ipojuca e depois votado pela Câmara Municipal, que o aprovou em duas votações no fechar das portas do ano legislativo, em 27 de dezembro de 2022.
Desde meados de novembro de 2022, a reportagem do JC solicita, às duas instâncias de poder, o documento completo. Só obteve o inicial na última semana, mas ainda não teve acesso às oito emendas propostas pelos vereadores.
O site da Câmara é deficitário; não dá acesso aos trâmites do processo, tampouco às atualizações feitas pela lei. A assessoria de imprensa, tampouco, envia as alterações feitas no projeto de lei. A Prefeitura, por sua vez, indica não poder, judicialmente, enviar as emendas, apenas quando aprová-las ou vetá-las.
Sem isso, a análise do que Ipojuca se tornará, em alguns anos, torna-se impossível - tanto para especialistas, quanto para discussões na imprensa.
Tal carência de estrutura informativa está presente na terceira cidade mais rica do Estado, com Produto Interno Bruto (PIB) medido em R$ 12.718.765,30 em 2019, atrás somente do Recife e de Jaboatão dos Guararapes.
Sobretudo, recai sobre uma lei que rege as estruturas urbanas de um dos principais destinos turísticos do Brasil, que recebeu em torno de 800 mil visitantes em 2021.
A participação popular nesse processo - atrasado, já que o plano deveria ter sido revisado em 2018 - foi resumida em quatro audiências públicas, que, para o arquiteto e urbanista Ramos Soares, quilombola de Ipojuca, foram insuficientes para a discussão.
“As audiências só foram comunicadas à população um ou dois dias antes. Fizeram no meio da semana, então para qualquer trabalhador médio é impossível participar. Poderiam ter colocado dispositivos digitais de interação, colocar esse plano de uma forma de mais fácil acesso, promover votações digitais; mas não houve interesse de promover isso”, opinou.
A bióloga Nivia Souza, que pesquisa sobre as mulheres pescadoras de Serrambi, distrito de Ipojuca, tampouco soube sobre as reuniões; apesar de estar, frequentemente, em espaços de debate.
“Fiquei sabendo em cima da hora. Foram encontros sem um conjunto de atividades com debates com bugueiros e pescadores; para mim é muito confuso um plano diretor que não leva em consideração esses grupos. Imagino que um plano tão importante que não há divulgação e escuta da população, acaba atendendo a um grupo”, disse.
Verticalização de Porto de Galinhas em debate
O novo Plano Diretor foi elaborado em meio à uma tensão urbana no Ipojuca - sobretudo em Porto de Galinhas. Isso porque, sobretudo última década, a localidade vem sofrendo um processo de verticalização - construção de grandes e inúmeros edifícios - alterando a paisagem natural que a tornou famosa.
A antiga versão do Plano Diretor, válida desde 2008, permitia construções com até quatro pavimentos (térreo e três andares) na beira-mar de Porto de Galinhas para hotéis, resorts e outros tipos de usos.
No entanto, o JC mostrou, em reportagem publicada em dezembro de 2021, que a fiscalização falhou, já que era fácil encontrar na praia construções posteriores à sua sanção que feriam tais parâmetros, com adição de coberturas ou estacionamentos subterrâneos.
Um levantamento feito por grupo de trabalho da Prefeitura do Ipojuca criado a pedido do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) no último ano mostrou que várias edificações foram erguidas com irregularidades em Porto de Galinhas. A quantidade, contudo, não foi informada.
Em visita a Ipojuca, a população local criticou a verticalização ao JC, sob o discurso de que, além de não atender aos moradores locais - mas veranistas - estava causando danos à paisagem da região - que ficou famosa justamente pela sua beleza natural.
Em novembro, o vereador Deoclécio Lira (PSD), de Ipojuca, enviou um projeto de lei que propunha limitar a altura de imóveis residenciais, não residenciais ou mistos em até três pavimentos em toda cidade, e em dois na faixa da orla - o que foi vetado pela Prefeitura.
Então, o MPPE recomendou que a prefeita Célia Sales (PTB) suspendesse novas construções na cidade - decisão acatada pelo município até a aprovação do novo plano.
"A minha percepção é que o plano está sendo feito a partir dessa urgência. Não é um planejamento, mas uma resposta emergencial à situação do município hoje e às várias provocações da sociedade civil, tanto das comunidades tradicionais quanto das pessoas que moram em porto e veem o estado da vila como insustentável", pontuou Ramos.
Diretrizes do novo Plano Diretor de Ipojuca
A revisão do Plano enviado pela Prefeitura - que pode ter sido alterado, em partes, pela Câmara - tem como diretrizes promover a expansão e adensamento urbano no distrito sede de Ipojuca, em Nossa Senhora do Ó e em Camela.
Ainda, incentivar a moradia em vias de transporte público, ordenar o comércio, implantar espaços adequados para feiras e mercados públicos, instituir um programa de arborização, criar plano para reduzir riscos nos núcleos urbanos, definir estratégias para gerir o Complexo de Suape, entre outras.
Ele estabelece uma proteção de pelo menos 15 metros às áreas de manguezais do município e às Unidades de Conservação e considerou como "não edificante" uma faixa de 33 metros medidos a partir do mar.
Segundo o engenheiro ambiental Fábio Pedrosa, tais 33 metros são consideráveis "razoáveis", já que a costa de Pernambuco tem uma "vulnerabilidade natural", e que, para determinar a área não edificante, é preciso levar em consideração se a linha da costa da praia em questão está com tendência de erosão ou não - porque, caso esteja, esta deve ser mais larga.
“Essa faixa é razoável, mas se existem estudos complementares que mostram que a praia tem tendência erosiva, ela ainda é insuficiente e pode causar problemas no futuro", disse. "Estamos falando de ecossistemas costeiros e litorâneos, sobretudo praias, que tem uma dinâmica natural muito intensa. Todas as precauções são importantes."
Nívia ressaltou a necessidade do novo Plano garantir o direito a frequentar a praia - principalmente em Serrambi - e de fiscalização. Já que, segundo ela, esse direito tem sido negado a comunidades mais carentes.
“Temos três loteamentos, se criou a ideia que são condomínios e nisso ficam nessa ideia de fechar a praia. Existe uma tentativa de afastar as pessoas de lá. A última coisa que aconteceu foi que colocaram manilhas em várias entradas nas ruas para impedir o acesso”, disse.
O que diz a Câmara de Ipojuca
"A Câmara Municipal do Ipojuca esclarece que debateu exaustivamente durante o ano de 2022 o projeto de lei de número 017/2022, que atualiza e revisa o Plano Diretor Participativo do município. Ao todo, foram realizadas quatro audiências públicas itinerantes, indo o poder legislativo aos distritos sede, Camela, Nossa Senhora do Ó e Porto de Galinhas com toda equipe técnica do parlamento ipojucano para debater a matéria e acolher sugestões junto à população.
Além das sessões itinerantes, o poder legislativo se colocou à disposição de todo cidadão que quisesse sugerir, discutir e receber informações sobre o projeto, votado e aprovado em duas sessões e enviado para sanção ou veto do poder executivo neste mês de janeiro. Ressaltamos ainda que todas as audiências itinerantes foram divulgadas previamente nos respectivos locais de sua realização e transmitidas ao vivo para as pessoas que não puderam participar acompanhar as discussões."
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