CHUVAS EM PERNAMBUCO: Lamentável que as pessoas resistam em sair dos morros, diz secretário de Olinda após morte

As fortes chuvas desta segunda provocaram a queda de uma barreira na Rua Seis de Janeiro, no bairro de Águas Compridas, deixando uma vítima fatal
Katarina Moraes
Publicado em 06/02/2023 às 12:25
Secretário de Defesa Civil de Olinda, Irapoan Muniz Foto: REPRODUÇÃO/TV JORNAL


Após a confirmação de uma morte por deslizamento de terra, o posicionamento do secretário de Defesa Civil de Olinda, Irapoan Muniz, foi de que é "lamentável" que as pessoas estavam morando no local. "É lamentável. As pessoas resistem em sair dos morros", disse ele, durante entrevista na manhã desta segunda-feira (6).

As fortes chuvas provocaram a queda de uma barreira na Rua Seis de Janeiro, no bairro de Águas Compridas, por volta das 7h da manhã. Duas casas foram destruídas no incidente. Em uma, havia um casal - que foi soterrado e socorrido com vida.

Na outra, estavam sete pessoas. A mãe, o pai e uma filha de 9 anos não chegaram a ser soterrados. Os filhos de 13 e 20 anos, sim, e foram retirados com vida pelos bombeiros, assim como o neto de 4 anos. Um filho de 19 anos, chamado Israel Campelo, morreu.

"Eu estava dentro de casa quando a barreira caiu de repente, foi rápido. A grade caiu em mim. Estava eu e meus filhos. Eu o chamei, mas ele ficou dormindo", contou a mãe de Israel, Judite Santos, aos prantos, que teve a cabeça ferida pela queda da grade.

Segundo Irapoan, as casas havia sido interditadas no último inverno na cidade, que deixou seis mortos, e que os moradores retornaram ao local. Ainda, alegou que a Defesa Civil monitorava o local - mesmo a matriarca da família tendo afirmado que já morava ali há 2 anos.

"Mais lamentável ainda é que desde o quadro invernoso do ano passado, as casas estavam interditadas. As pessoas que habitavam na época entraram em todos os auxílios sociais e venderam, alugaram. De lá até hoje, a prefeitura não parou de trabalhar. estamos com várias obras em processo final de licitação. Essa área vai ser contemplada com aplicação de geomanta neste mês", disse o secretário.

Ele não explicou as medidas da prefeitura para retirar as pessoas do local, já que se tratava de uma área de risco e que tinha sido interditada para moradia no ano passado.

Ao ser informado por uma repórter que a mulher fazia economias para conseguir sair da área de risco, e que ela não queria morar ali, o secretário alegou que "ainda bem que não foi ela que morreu" - ainda que ela tenha perdido um filho.

MORADIAS EM ÁREAS DE RISCO

A moradia em área de risco é um grave problema em Pernambuco e não depende apenas da vontade da população em deixar o local. Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018, havia mais de 2 mil áreas de risco nos municípios monitorados do Estado.

Isso coloca o estado como o segundo com maiores quantidades e percentual de população vivendo nessas condições do Nordeste - atrás apenas da Bahia - com quase 830 mil moradores.

Somado ao alto déficit habitacional de Pernambuco, a população residente - em sua maioria, pobre - fica exposta a fenômenos meteorológicos, que têm sido cada vez mais extremos devido ao aumento da temperatura do planeta e à má urbanização desses locais.

A ONG Habitat pela Humanidade Brasil pede que ações sejam tomadas "com seriedade e urgência, respeitando os direitos à moradia e à cidade dos impactados", a fim de não ter "mais um período chuvoso contando mortes que poderiam ter sido evitadas".

"Em oito meses, muito pouco foi feito pelo poder público para mitigar os riscos da chuva. Famílias afetadas pelas chuvas do ano passado, diante da falta de resposta do poder público, retornaram para imóveis em risco e, mais uma vez, enfrentam o perigo causado pelos desastres naturais."

HISTÓRICO DE DESLIZAMENTOS

A reportagem do JC identificou que, na mesma Rua Seis de Janeiro, no Bairro de Águas Cumpridas, uma casa foi destruída pelo barro em 14 de maio de 2021.

Em 30 de maio de 2016, Alexandra de Moraes, 36 anos, e João Victor de Moraes, de 7 anos, mãe e filho, além da sobrinha Bárbara de Moraes, 23 anos, morreram após serem vítimas da mesma barreira, que fica na Rua do Amanhecer, ao lado da Seis de Janeiro. 

Outras duas filhas de Alexandra, Débora e Adrielly, foram resgatadas com vida pelos vizinhos.

Moradora da região desde que nasceu, a empresária Thalita Nascimento, de 34 anos, relata que esta é uma "tragédia anunciada", que se repete todos os anos.

"No inverno já é certo acontecer - anualmente, com morte. Desde que sou criança vejo isso. Quando acontecem essas chuvas, ainda fora de época, piora. Ano passado teve morte", contou.

Segundo ela, a única ação que vê sendo feita pelo poder público é a colocação de lonas plásticas para evitar as quedas de barreira. A medida emergencial, contudo, não evita os deslizamentos - a barreira que caiu nesta segunda, por exemplo, estava com o material.

"Tem lona, mas nesse local a lona não faz mais efeito. A resposta que dão é sempre essa, e já depois do acontecido", afirmou. Além dos deslizamentos, a comunidade também sofre com alagamentos - que já atingiram a família de Thalita. "Nunca tive vítimas fatais na família, mas já perderam tudo da casa."

CHUVAS DEIXARAM MORTOS EM 2022

Em 2022, Pernambuco computou 133 vítimas em decorrência das chuvas - a maioria por deslizamentos de barreira. Só no Grande Recife, foram 129 pessoas que morreram soterradas ou afogadas.

Do total, seis vítimas eram de Olinda. Uma morreu em Águas Compridas, duas no Córrego do Abacaxi, duas em Peixinhos e uma em Santa Tereza.

O QUE DIZ A PREFEITURA DE OLINDA

A Operação Inverno de Olinda seria divulgada em março de 2023, detalhando as ações que serão tomadas para evitar desastres.

Por nota, a Prefeitura de Olinda informou que cinco pontos da Rua 6 de janeiro terão aplicação de geomanta, cujo processo de licitação está seguindo o rito dos prazos legais e a previsão de término é no final deste mês. "Outras obras de contenção de encostas estão previstas para serem iniciadas ainda esta semana, com a construção de muros de arrimo", disse.

A gestão municipal alegou também que não foram registradas outras movimentações de barreira por conta das chuvas desta madrugada na cidade.

Por último, que a Defesa Civil de Olinda mantém 30 pessoas nas ruas fazendo monitoramento preventivo nos pontos mais críticos da cidade. Cerca de 50% da população de Olinda reside nos morros. Desde o ano passado, mais de 50 famílias foram removidas de áreas de risco na cidade.

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