O crescimento do olhar do mercado imobiliário sobre o Centro do Recife foi calculado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em estudo inédito. O levantamento mostrou que, até agosto de 2022, novos 73 empreendimentos estavam em fase de tramitação para serem construídos na região.
Os números foram coletados pela universitária Alice Albuquerque sob coordenação da doutora em urbanismo Iana Ludermir Bernardino, especialista em novas produções imobiliárias da capital pernambucana - ambas do Grupo de Estudos sobre o Mercado Fundiário e Imobiliário (GEMFI), do departamento de Arquitetura e Urbanismo.
A pesquisa foi feita durante quase um ano - entre setembro de 2021 e agosto de 2022, com base em informações públicas disponíveis no Portal de Licenciamento da Prefeitura do Recife. É nele onde as incorporadoras abrem os processos para informar ao município o que pretendem construir, como e onde, e obter aprovação para isso.
Pela pesquisa ter sido finalizada há oito meses, significa que, de lá para cá, o status de alguns dos imóveis pode ter sido alterado, aprovado ou negado.
Mesmo assim, ela é relevante ao provar que, nos próximos anos, os bairros do Recife, Santo Antônio, São José, Boa Vista e Soledade - tidos como abandonados pelo mercado até pouco tempo - devem sofrer mudanças impactantes, que precisam ser discutidas pela população e pela gestão da cidade.
AUMENTO POPULACIONAL NO CENTRO DO RECIFE
Dos 73 empreendimentos pesquisados, 28 estão cadastrados como residenciais, 10 como mistos (residenciais e comerciais), oito como empresariais e seis hospitalares. Há também imóveis mistos entre comercial, educacional, religioso e para serviços, e outros voltados para a cultura, hotelaria e administração.
Juntos, eles somam um acréscimo de quase 900 mil m² de área construída nos bairros citados, 11,3 mil novas vagas de estacionamento e 6.057 unidades habitacionais - caso todos sejam, de fato, construídos da forma como foram apresentados.
A pesquisa estimou que eles devem trazer mais de 16 mil moradores para o Centro - considerando que cada domicílio tenha uma média de 2,67 moradores, seguindo a média do Censo de 2010 para a região (os dados estratificados do Censo 2022 ainda não foram divulgados, o que impede uma avaliação mais recente).
Tal aumento significaria o primeiro crescimento habitacional relevante na área em duas décadas de queda ou estagnação - já que a o Centro perdeu 6% da população entre 1991 e 2000 (de 83.100 mil para 78.098) e obteve um incremento de apenas 16 moradores em 2010, chegando a 78.114 habitantes.
A volta da habitabilidade ao Centro é um dos fatores mais defendidos por arquitetos e urbanistas que estudam a área; contudo, a pesquisa indica que esse estímulo precisa ser feito com cautela, a fim de preservar o patrimônio histórico e cultural, não estrangular a vida urbana que ali já existe e reverter o processo de esvaziamento dos prédios já existentes.
Isso, para Alice, não tem acontecido diante dos projetos analisados no estudo.
“São perfis de empreendimentos que não se adequam ao perfil da área central e que tendem a segregar mais do que dialogar com o entorno. A maioria são condomínios fechados, para classe média, que trazem serviços dentro deles próprios, então as pessoas não precisam sair para ir no comércio ao redor”, explicou Alice.
O ideal, segundo o estudo, era que a maioria deles apresentasse uso misto, térreo mais aberto e diálogo visual com as edificações já existentes no Centro Histórico do Recife. “Do jeito que estão, apagam a identidade visual da cidade em uma área tão característica da arquitetura do Recife.”
FALTA DE ESTUDOS DE IMPACTO E DE INFORMAÇÕES
Apesar disso, nenhum dos edifícios foi considerado como “empreendimento de impacto” pela Prefeitura, o que obrigaria à empresa responsável a contratar estudos sobre quais interferências eles trariam para o meio ambiente, para a infraestrutura urbana e para a mobilidade ao redor.
A falta de transparência também foi um entrave. Em diversos casos, Alice se deparou com a falta de informações relevantes que deveriam estar disponíveis no Portal - como o nome do responsável técnico, do empreendimento e de plantas.
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Ainda, identificou que 24 dos 40 (60%) dos empreendimentos deferidos não tinham sido anunciados até então. Entre os 15 que já estavam em fase de construção, três (15,8%) não foram publicamente divulgados até a finalização da pesquisa.
“O centro tem uma malha urbana histórica e consolidada, onde várias inovações estão chegando nos últimos anos. A falta de anúncios e informações dificultam um controle social por parte da população em geral e de especialistas da área em relação a essas mudanças”, pontuou a pesquisadora.
CAUSAS E EFEITOS DAS EDIFICAÇÕES NO CENTRO
Orientadora da pesquisa, Iana relata que há indícios de que a exploração de novas fronteiras de produção imobiliária tenha relação à restrição da verticalização na Zona Norte da cidade - pela Lei dos 12 Bairros, de 2001 - e a elevação de preços dos terrenos em outras partes do Recife.
Ainda, que seja resultado da manutenção de altos índices de aproveitamento construtivo no Centro do Recife e à intensa dinamização do mercado pelo lançamento do Programa Minha Casa, Minha Vida, pelo governo Lula (PT), em 2009.
Para a especialista, essa é uma tendência que antecede ao Gabinete do Centro do Recife (Recentro), criado em dezembro de 2021 pela gestão João Campos (PSB) para estimular novas produções na região central por meio de incentivos fiscais e ações de zeladoria e atrativos culturais.
A crítica da urbanista é não haver uma política de priorização aos imóveis históricos para fins habitacionais - a fim de que o mercado se interessasse em reabilitá-los para, então, serem reocupados.
Uma forma de fazê-lo, de acordo com ela, seria restringir o potencial construtivo (como a altura) de novos edifícios na região. “Enquanto for possível construir inúmeros arranha-céus, com lucratividade máxima, acredito que será muito difícil o surgimento espontâneo do interesse pela reabilitação”, expôs.
A necessidade de reabilitar está exposta no Plano Diretor do Recife de 2020, lei municipal criada para reger o desenvolvimento das cidades no Brasil.
Ela estabeleceu que a promoção de moradia no Centro fosse priorizada para “trabalhadoras e trabalhadores das áreas centrais, famílias que moram em condições precárias em tais regiões e população em situação de rua”.
Contudo, enquanto o mercado impulsiona novas construções, a construção de habitações sociais nos bairros centrais não caminha. Três anos após a aprovação da lei, nenhum dos 44 edifícios listados na lei como prioritários a serem transformados em imóveis foram reabilitados.
O QUE DIZ O MERCADO IMOBILIÁRIO
O consultor urbanístico da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco (Ademi-PE), Sandro Guedes, explicou que "o mercado ainda aguarda sinais de como a economia vai se comportar nos próximos anos, uma vez que o financiamento imobiliário é diretamente influenciado pela taxa de juros e disponibilidade de renda e crédito do adquirente".
Ainda, informou que a existência de um estoque de projetos aprovados não implica necessariamente em certeza de lançamentos imobiliários, já que as condições econômicas e de demanda é que são preponderantes para esses projetos se tornarem realidade.
"Contudo, pontua que o Centro "voltou a ser interessante pela localização estratégica" e por ser "razoavelmente bem servido de infraestrutura", mas que precisa de requalificação para que moradores queiram retornar à região."
"Um esforço conjunto de todos os órgãos envolvidos no processo de planejamento e licenciamento urbanístico, histórico e ambiental é extremamente necessário, uma vez que a complexidade nos processos aliada a prazos dilatados na obtenção dos alvarás e licenças são empecilhos que dificultam a oferta de produtos adequados ao momento específico da demanda", pontuou.
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