Pelo menos 29 edifícios localizados na Avenida Conde da Boa Vista, no bairro da Boa Vista, e na Avenida Guararapes, no Bairro de Santo Antônio, apresentam algum risco estrutural. O levantamento feito pelo JC levou em conta as notificações feitas pela Defesa Civil do Recife de 2012 até hoje - ou seja, podem haver ainda mais imóveis deteriorados em um recorte de tempo maior.
As avenidas são os dois principais corredores de transporte público do Centro do Recife e se conectam uma à outra, através da Ponte Duarte Coelho. Ambas começaram a ser verticalizadas por volta da década de 1940, com prédios considerados modernos para a época - muitos com uso misto, habitação e lojas, o que favoreceu a permanência do caráter comercial das duas.
No entanto, um levantamento feito pela ONG Habitat pela Humanidade Brasil mostrou que só no bairro de Santo Antônio, das 112 edificações identificadas, 42 estão completamente desocupadas ou com menos da metade ocupada - e uma das consequências do desuso é justamente a deterioração no decorrer dos anos.
Na Boa Vista, por exemplo, é comum ver, atualmente, imóveis com telas na área construída que avança para a calçada - como marquises -, visando proteger os pedestres de possíveis quedas. Soluções temporárias diante de processos de fiscalização e execução de obras necessárias que se arrastam sem resolução.
As 29 edificações observadas são classificadas entre risco baixo (R1) e risco muito alto (R4), indo de patologias sem riscos imediatos ao imóvel e as pessoas, e a patologias com riscos extremos à edificação e as pessoas, havendo necessidade de interdição. Segundo a gestão municipal, a maior parte delas, todavia, não apresenta ainda um risco para os transeuntes.
Outras, estão com serviços em execução e são acompanhadas: como é o caso do Edifício Duarte Coelho, onde está localizado o histórico Cinema São Luiz. A reforma faz parte do Plano de Retomada nos Equipamentos, da Secretaria Estadual de Cultura (Secult-PE) e da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), anunciado em abril deste ano.
Em toda a cidade, há 188 imóveis com risco alto ou muito alto de desabamento total ou parcial - de acordo com relatório da Defesa Civil.
Pela lei estadual de nº 13.032, a manutenção predial é dever dos proprietários e dos possuidores das unidades autônomas de imóvel (como apartamentos e lojas), assim como o custo para eventuais reformas. No caso de imóveis públicos, do órgão ou entidade que o representa.
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A lei também impõe prazos para as vistorias, que devem ser feitas a cada 5 anos para edificações residenciais, educacionais, culturais, de saúde, estádios de futebol e complexos poliesportivos com até 20 anos de construção, e a cada 3 anos para estas mesmas edificações que tenham mais de 20 anos de construção.
Mesmo assim, não exime o poder público: afirma que o fato da recuperação ser de responsabilidade dos proprietários “não exclui a competência e responsabilidade legal dos órgãos municipais” que são incumbidos de fiscalizá-los, no caso, a Defesa Civil de cada cidade. Todo proprietário pode acionar o órgão gratuitamente, que dará orientações sobre a necessidade ou não de reformas.
“A Defesa Civil faz esse relatório e, em cima dele, começamos um processo administrativo. Notificamos e pedimos para o proprietário vir até a gente e que faça os reparos que precisam ser feitos. Não fazendo, abrimos um processo e entramos em uma ação judicial”, explicou a secretária-executiva de Controle Urbano do Recife, Marta Lima.
Ao final de cada perícia, o profissional ou empresa responsável pelo serviço deve elaborar um laudo pericial circunstanciado sobre o estado de conservação da edificação, que será registrado no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (CREA-PE).
O órgão, então, encaminha o documento ao município e ao Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco (CBMPE), que devem proceder às fiscalizações e aplicar penalidades.
Todavia, desde a fiscalização da edificação até, de fato, a requalificação dele, podem se passar anos a fio - e acarretar em tragédias. Em março deste ano, por exemplo, uma marquise que abrigava a sede do bloco Saberé Tradição, na área central do Recife, caiu, matando o diretor da agremiação. O edifício já apresentava risco estrutural desde 2014, e estava com processo caminhando na Justiça.
Marta Lima pontua que o principal desafio do município é, hoje, conscientizar a população contra a deterioração dos imóveis. “Pedimos que as pessoas não subam nas marquises, o que é frequente principalmente no Carnaval, e que não façam reformas sem autorizações, porque a retirada de uma parede, que seja, pode comprometer a estrutura”.
Desde a instituição do Recentro, gabinete criado pela Prefeitura para revitalizar o Centro da cidade, foram instituídas isenções fiscais para os interessados em recuperar imóveis nos bairros do Recife, Santo Antônio e São José. O bairro da Boa Vista, no entanto, onde está a Conde da Boa Vista, não foi inclusa.
Crea-PE critica falta de efetividade na lei
Diante desse e de outros casos, o Crea-PE criou a campanha "Manutenção é Legal", que chama atenção para a necessidade de se atentar para o estado das edificações - sobretudo das mais antigas. O gerente de integração e excelência do órgão, Ivan Carlos Cunha, pontua que a lei precisa ser adequada, de forma que aplique sanções em caso de descumprimento.
“Prevemos uma revisitação à lei para corrigir o que tiver necessidade para fazer uma lei estadual mais adequada. Hoje ainda é muito pouco conhecida pelos próprios proprietários e síndicos. A partir do conhecimento dela, as pessoas podem se atentar mais para a manutenção e desenvolver essa cultura”, afirmou.
Ainda, Cunha critica a falta de efetividade dos fundamentos legais. Não adianta uma prefeitura ficar notificando. precisamos chamar, talvez, o Ministério Público para entrar nessa discussão, nos casos que a prefeitura diz que há risco. Se constatado o problema, é preciso que se tenha até o caso de interdição. Nos casos em que não foi feita a manutenção, se identificada a necessidade de evacuação do prédio, que se tenha celeridade nisso”, disse.
No próximo dia 5 de dezembro, às 16h, na sede do órgão, será promovido um fórum sobre Manutenção Predial, aberto para toda a população. “Temos que tomar uma decisão de forma conjunta, não adianta colocar a culpa em A ou B. Pedimos a participação de todos nesse movimento”, concluiu Ivan.
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