O relógio batia às 2h30 da madrugada quando Arthur Fagner foi acordado pela esposa - que ouviu um barulho e o pediu para checar o que acontecia: eram os gritos de 15 crianças e dois funcionários do Lar Paulo de Tarso, abrigo do Ipsep, na Zona Sul do Recife, que foi alvo de um incêndio nesta sexta-feira (14).
Ali, estavam pequenos de 2 a 11 anos retirados da vivência com suas próprias famílias por serem vítimas de maus tratos, estupros ou por viverem em situação de vulnerabilidade. Hoje, foram revitimizados, passando por mais um episódio de desespero no local onde estavam provisoriamente para ter segurança.
Arthur foi o primeiro a chegar no número 479 da Rua Jerônimo Heráclito. Ele arrombou o portão de entrada e viu uma criança pedindo socorro por trás de uma janela gradeada. Então, começou a gritar “incêndio” para que outros vizinhos se mobilizassem. Não demorou para que uma corrente de heróis do cotidiano - que arriscaram as próprias vidas - se formasse.
“A gente cerrou as janelas, outro conseguiu arrombar a grade e fomos tentando fazer o que podíamos. Uns entraram e conseguiram resgatar uma boa quantidade de crianças. Colocamos aqui na frente e na minha casa até as equipes de socorro chegarem”, relatou Arthur.
Quando as 12 viaturas do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco (CBMPE) e nove viaturas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) chegaram ao local, parte das vítimas estavam estiradas na rua, lutando para respirar, após inalarem a fumaça dentro da casa.
A experiência de 16 anos não livrou o sargento Willams Lins de se emocionar e lembrar das próprias filhas enquanto salvava as crianças. "Tenho um preparo técnico e psicológico para isso, mas como ser humano é impossível não se abalar. São vidas, mas sobretudo são crianças. Então abala muito”.
Apesar dos esforços, um menino de 8 anos e a cuidadora Margareth José da Silva, de 62 anos, não resistiram e morreram no local. A família da profissional, que trabalhava há 10 anos no espaço, correu até o abrigo quando ouviu a notícia que, infelizmente, confirmou-se.
Ao saber do falecimento da tia, uma sobrinha passou mal. “Eu sou hipertensa, não tomei remédio e já estava nervosa, porque eram muitas notícias e nada de informação concreta, então quis ir lá saber se era ela ou não, e infelizmente era”, disse Claudiana Silva.
As equipes de socorro conseguiram resgatar as demais 15 vítimas - mas duas morreram a caminho do Hospital da Restauração (HR). Segundo o boletim divulgado pela Secretaria Estadual de Saúde, atualizado às 17h25, das oito crianças entubadas na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do HR, em estado grave, seis seguem internadas na unidade.
Duas crianças foram encaminhadas para o Hospital Brites de Albuquerque, em Olinda. Elas estão na UTI, com quadro estável para acompanhamento e vigilância clínica.
“As crianças chegaram graves por terem inalado uma quantidade muito grande de fumaça. Essa é uma forma grave de queimadura, que pode levar à asfixia e à morte. Todas estão sendo assistidas com equipe multidisciplinar - fisioterapeuta, cirurgião pediátrico”, afirmou a pediatra do HR, Alexsandra Costa.
Outras cinco vítimas - quatro crianças e um adulto - foram para o Hospital Geral de Areias, na Zona Oeste do Recife. O boletim da SES informou que duas dessas crianças foram transferidas para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para a vigilância clínica, do Hospital Maria Lucinda, no bairro da Jaqueira.
As outras duas crianças foram encaminhadas ao IMIP, no bairro dos Coelhos. E a paciente adulta está em observação na emergência clínica.
Familiares dos abrigados também correram para as unidades de saúde. Alguns, puderam entrar e conversar com os médicos, mas outros não foram autorizados. “Se não houver restrição de visita pelos familiares, ela será plenamente garantida”, apontou a coordenadora da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), a juíza Helia Viegas.
Há uma série de perguntas a serem respondidas sobre o incêndio; uma delas é o que pode ter provocado o fogo. Por isso, Polícia Civil de Pernambuco (PCPE) deu início às investigações, por meio da Delegacia do Ipsep, e vistoriou o imóvel atingido nesta manhã.
O perito Fernando Luiz da Silva coletou “DVRs”, que guarda imagens de câmeras de segurança, para análise. À TV Jornal, ele afirmou que, até o momento, nenhuma hipótese pode ser confirmada ou descartada, e que o trabalho deve continuar na próxima semana.
"[O trabalho se concentrou] na sala, que foi onde teve mais avarias. Vamos examinar as imagens e, a depender do conteúdo delas, vamos retornar”, disse o profissional.
O sargento Willams Lins, do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco (CBMPE), afirmou que uma perícia técnica ainda é necessária para determinar se a estrutura da unidade estava condizente com as normas e que essa investigação já foi iniciada. Mas, "à primeira vista", disse ter achado "um local pequeno, muito fechado e com apenas uma saída".
Técnicos da Defesa Civil do Recife interditaram a casa, mas não puderam verificar a estrutura do local para não atrapalhar as investigações.
Existem em Pernambuco 13 instituições de acolhimento de crianças e adolescentes. Quatro delas são ONG's, incluindo a Paulo de Tarso, fundada em 1991 para colher crianças encaminhadas pelo Conselho Tutelar ou Juizado da Infância e Juventude.
Apesar da administração da instituição ser de responsabilidade direta dela mesma, compete ao TJPE e ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) fazerem fiscalizações periódicas. Ambos, contudo, garantem que os laudos sanitários, dos Bombeiros e o alvará de funcionamento do espaço estavam em dia.
“O limite de uma casa de acolhida é de 20 crianças, então estava abaixo [do limite]. Não tenho até agora nenhum indicativo das razões e de uma causa preocupante que pudesse provocar algo desse porte”, explicou a promotora de Justiça da Infância e Juventude do MPPE, Jeckeline Elihimas.
Durante a manhã, funcionários choravam em frente ao abrigo e faziam rodas de oração. Um dos diretores da instituição, Jezsler Carlos, estava profundamente abalado. “Nossa fé em Deus é inabalável, mas a dor é profunda”, relatou à reportagem.
Mas não só eles. A rua foi tomada por uma comoção de vizinhos que guardavam carinho pelos pequenos, que muitas vezes brincavam com seus filhos, segundo os depoimentos.
As contribuições para a Instituição de Caridade Lar Paulo de Tarso podem ser feitas através de doação de valores por meio do PIX 35618933/0001-21 (CNPJ da entidade) ou transferência bancária para a conta no banco do Brasil (001), agência 1245-9, conta corrente 119346-5. Já os móveis podem ser entregues na rua Martins Ribeiro, 288, no bairro do Hipódromo.
Os prédios do TJPE também receberão donativos. Nos locais podem ser entregues alimentos, materiais de limpeza e de higiene pessoal, roupas, utensílios domésticos e brinquedos. Confira abaixo os pontos de arrecadação.
Pontos de arrecadação:
O prefeito do Recife, João Campos (PSB), afirmou que a gestão trabalha para dar suporte às vítimas e que segue mobilizada para "prestar todo apoio nesta hora tão difícil".
"O momento é de dor e de solidariedade. Desde cedo, nossas equipes, num trabalho integrado de várias secretarias, coordenam o suporte às vítimas do incêndio ocorrido no Lar Paulo de Tarso, no bairro do Ipsep. A ONG atua há mais de 30 anos no acolhimento de crianças e adolescentes em situação de risco social. Seguimos mobilizados para prestar todo apoio nesta hora tão difícil", disse, por nota.
A governadora Raquel Lyra (PSDB) também se pronunciou sobre o caso. "Pernambuco está de luto com o que aconteceu nesta madrugada no Recife, no Instituto de Caridade Lar Paulo de Tarso. Desde a notificação do incêndio, Corpo de Bombeiros e Polícia Civil estão atuando, bem como nossas equipes de saúde", disse.