Famílias vulneráveis ocupam margens de canal e bloqueiam passagem da água no Recife

Ocupação no Canal da Vovozinha, localizado no bairro de Santo de Amaro, começou com um barraco. Hoje, tem 47
Katarina Moraes
Publicado em 18/04/2023 às 8:00
Ocupações irregulares têm se espalhado pelo Canal da Vovozinha, em Santo Amaro, na área central do Recife Foto: GUGA MATOS/JC IMAGEM


As paredes do barraco de Edna Maria de Santana, 60 anos, foram erguidas sobre uma cocheira. Os cavalos foram retirados, mas os novos dez moradores ainda convivem com animais que sobem pelas paredes dia e noite das margens do Canal da Vovozinha, localizado no bairro de Santo de Amaro, na área central do Recife.

Contando apenas com a renda do Bolsa Família, a idosa foi a primeira a ocupar o espaço, de cerca de 10m², em 2012, junto aos seus sete filhos. Com o tempo, foi dando dignidade ao lar do jeito que pôde. Instalou um vaso sanitário - que, sem saneamento básico, deságua no canal -, chuveiros, torneiras e ligações elétricas irregulares.

Ainda, fez um primeiro andar no barraco, que é o “quarto” de uma de suas filhas, cujo piso range quando alguém sobe. “Não cai, não. Venha”, tranquilizou dona Edna, quando a reportagem ouviu o barulho. 

Mas a rotina no espaço não é fácil. A madeira envelhece, mofa e precisa ser trocada com frequência. Quando chove, a água sobe e estraga os móveis e eletrodomésticos.

“Nas chuvas, perdi roupas, armário. Já aconteceu também da madeira afundar. Tem muito rato, barata, muriçoca e escorpião. Dia desses bati em um timbu com a vassoura, que avançou em mim”. E emendou: “eu não aguento mais estar aqui”.

O desabafo é o mesmo das outras 47 famílias que agora ocupam o canal e que integram o déficit habitacional do Recife - que ultrapassa as 80 mil unidades, segundo estimativa da Secretaria Municipal de Habitação, incluindo áreas de risco, como palafitas e partes de morros sob ameaça de deslizamento.

Luzinaldo Paulo, coordenador da região pelo Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (Prezeis), afirma que, só em Santo Amaro, eram 1,4 mil famílias sem uma casa digna em 2001. “Cresceu muito, hoje deve estar em torno de mais de 3 mil famílias.”

Raquel Maria da Silva, 53, vizinha de Edna, é mais uma delas. Com elefantíase na perna esquerda, ela se desloca com dificuldade pelo barraco, onde já se machucou ao cair em um buraco dentro da própria casa. No dia da visita do JC, ela nem mesmo havia almoçado.

Sem um real de renda e morando sozinha, resta, a ela, esperar do poder público a chegada de uma nova vida. “Queria mesmo era uma casa boa e um armário cheio de comida”, desabafou.

No Canal da Vovozinha, além das palafitas, há um prédio de dois andares que bloqueia a passagem de água pela vala, hoje repleta de lixo, piorando o escoamento das chuvas.

AUDIÊNCIA PÚBLICA DISCUTIU OCUPAÇÃO

A situação foi tema de uma audiência pública realizada na última quinta-feira (13) na Câmara Municipal do Recife, em debate puxado pelos vereadores Luiz Eustáquio (PSB) e Osmar Ricardo (PT).

Na ocasião, os parlamentares enalteceram que a audiência servirá como norte para resolver os problemas da comunidade, devendo levar em conta a situação de vulnerabilidade em que os moradores se encontram para por fim às ocupações irregulares.

Além de Edna, estiveram presentes Eduardo Mota, da Empresa Municipal de Limpeza Urbana (Emlurb), Felipe Cury, secretário executivo de Política Social; Giovani Aguiar, gerente de Projetos e Saneamento da Secretaria de Saneamento do Recife; Oscar Barreto, secretário de Meio Ambiente; Fernanda Henrique da Nóbrega e a Promotora de Justiça do Ministério Público de Pernambuco.

Cury garantiu que será feito o cadastramento dos ocupantes do Canal da Vovozinha e que a gestão tem tentado “implantar um programa para tentar reduzir o déficit habitacional”.

“A pasta fará tratativas no sentido de incluir projetos e contamos também com o apoio da Câmara do Recife para aumentar o valor de melhorias em imóveis subutilizados e nas casas já consolidada”, disse Felipe.

A questão tem recebido uma atenção aquém do esperado pelo prefeito João Campos (PSB), que não construiu nenhum habitacional em mais de dois anos de governo, nem implementou uma ampla política de aluguel social, por exemplo, para oportunizar moradia para quem não pode pagar por ela.

Já Oscar Barreto apontou que este é um problema conjunto com “demais órgãos porque o problema da habitação, em Santo Amaro, precisa ser resolvido”, alegando que “o saneamento no Brasil foi enterrado pelo governo Bolsonaro e agora com Lula voltará”.

“O prefeito João Campos orientou que nós estivéssemos sempre à disposição da sociedade e lembremos também que a gente teve quatro anos de obscurantismo do Governo Federal”, disse.

A promotora do MPPE, Fernanda Nóbrega, Promotora de Justiça do Ministério Público de Pernambuco, citou as ações do órgão e que iria instaurar um procedimento investigatório envolvendo todos os órgãos responsáveis.

“O Ministério Público se coloca à disposição dos moradores, vereadores e órgãos para que, em conjunto, encontre uma solução e evite sofrimento. Com a ata dessa audiência pública, instaurarei um procedimento investigatório porque, sozinhos, a gente não segue em frente”, afirmou.

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