Urbanização

Imóvel Especial de Preservação é colocado à venda, no Recife, e gera debate sobre futuro de propriedades com relevância histórica

Venda da residência, localizada no bairro da Boa Vista, na área central do Recife, chamou a atenção das pessoas que passavam pela rua.

Carol Guerra
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Carol Guerra
Publicado em 14/06/2023 às 12:18
Rafael Mont’Elberto
Imóvel Especial de preservação é colocado à venda, na Boa Vista, e gera debate sobre futuro de propriedades com relevância histórica. Foto: Rafael Mont’Elberto/Cortesia - FOTO: Rafael Mont’Elberto

Foi a placa estampando o anúncio “vende-se ou troca-se em área” que reacendeu o debate sobre o futuro das propriedades de relevância histórica e arquitetônica do Recife. A casa em questão está localizada na Rua José de Alencar, número 367, no bairro da Boa Vista, na área central do Recife.

Construído no século XX e tombado desde 1997, o imóvel teve inspiração na técnica enxaimel, que foi trazida para o Brasil pelos imigrantes alemães. O imóvel deixou de ser utilizado como residência há 25 anos e abrigou, pela última vez, uma empresa de eventos.

“Essa é uma casa familiar, construída no começo do século XX, e que foi feita pelo meu avô. O estilo dela foi uma escolha pessoal dele, que reproduz uma arquitetura europeia. Há mais de 20 anos que esse imóvel deixou de servir como residência”, informou o arquiteto e empresário José Paulo Oliveira, responsável, atualmente, pela propriedade.

Foto: Rafael Mont’Elberto/Cortesia

Imóvel Especial de preservação é colocado à venda, na Boa Vista, e gera debate sobre futuro de propriedades com relevância histórica. Foto: Rafael Mont’Elberto/Cortesia - Foto: Rafael Mont’Elberto/Cortesia

Com o tombamento, a casa entrou para a lista dos Imóveis Especiais de Preservação (IEP). De acordo com a Lei 16.284/97, são considerados IEPs aqueles imóveis (exemplares isolados) que apresentam arquitetura significativa para o patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade do Recife. Atualmente, no Recife, 260 locais fazem parte da categoria. 

A placa de venda foi colocada na segunda semana de junho e chamou a atenção das pessoas que passavam pela rua, que questionaram a possibilidade de modificações estruturais do local ou demolições. Surpreso com a repercussão, José Paulo reforçou a impossibilidade da demolição da residência e explicou a decisão. 

“A casa permanece, mas parte do terreno está sendo oferecido para o mercado imobiliário. Manter essa casa é de uma responsabilidade privada e a condição que buscamos é de compartilhar essa responsabilidade. Em um entendimento mais amplo, seria [a transformação] em um condomínio, um coletivo de pessoas que dividissem essa responsabilidade”, afirmou.

De acordo com a Lei Municipal Nº 16.284/97, não é permitida a demolição, descaracterização dos elementos originais ou alteração da volumetria e de características da edificação original dos IEPs.

Contudo, fica autorizado por lei o direito de construir uma nova edificação (como prédios), na área remanescente do terreno, desde que não haja danos ao patrimônio. 

Para o empresário, a decisão da venda passa pelos custos de preservação dos elementos que determinam a importância do imóvel para o patrimônio histórico e artístico da cidade, que ficam sob responsabilidade do proprietário.

“A necessidade faz você tomar essas decisões, que buscam fazer com que esses espaços permaneçam. A responsabilidade privada de uma casa tombada é muito onerosa. Já essa responsabilidade, dividida para um conjunto de pessoas, possibilita que esse imóvel seja melhor cuidado. Temos que trazer soluções para que esses imóveis permaneçam”, afirma.

De acordo com o decreto municipal, proprietários dos IEPs poderão receber isenção total ou parcial do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU). O benefício não é concedido em caso de transformação a edificações condominiais de uso residencial, não residencial ou misto, com área construída igual ou superior a 2.000 m².

Rafael Mont’Elberto

Imóvel Especial de preservação é colocado à venda, na Boa Vista, e gera debate sobre futuro de propriedades com relevância histórica. Foto: Rafael Mont’Elberto/Cortesia - Rafael Mont’Elberto

José Paulo informou que o imóvel ainda não recebeu proposta de compra ou troca do terreno, mas houve sondagem por parte dos interessados na aquisição do espaço. 

"Todo o processo de aprovação para venda está dentro da lei, das instâncias legais. É um processo longo, burocrático, onde várias questões foram analisadas, pra se fazer o melhor dentro do que a lei de preservação exige. O que a gente quer é entregar o imóvel da melhor forma possível. A família teve um cuidado na decisão dessa venda, não foi simplesmente jogar para o mercado imobiliário", revelou o proprietário. 

A professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Iana Bernardino, especialista em mercado imobiliário de edificações antigas e novas nas áreas centrais, explica a mudança na característica dos imóveis históricos.

“Nos sítios históricos, onde se concentram as edificações antigas, pode haver a evasão habitacional e a mudança de uso das edificações. Com o tempo isso acarreta em mudanças também na estrutura física das edificações. O processo de abandono do centro histórico das cidades brasileiras pelos residentes e usuários de mais alta renda vem acontecendo desde a década de 1970. Isso contribui para a degradação das edificações e para a descaracterização dessa área histórica, tanto das suas edificações, como das vivências e costumes. Muitas pessoas atribuem valor histórico às edificações antigas mas só têm interesse em morar em imóveis novos”, esclarece.

A arquiteta destaca também que a importância da participação do poder público na valorização dos imóveis passa pelo cuidado com a própria cidade, especialmente os bairros que abrigam as construções de valor histórico.

“Em várias cidades, edificações históricas são convertidas e requalificadas para abrigar novos usos contemporâneos, geralmente voltados para um público consumidor e de turistas, como centros culturais. No entanto, essas edificações requalificadas isoladamente não dão conta de reverter o estado geral de degradação de uma área urbana mais ampliada. É preciso dar atenção à população residente, requalificar as moradias e os edifícios e pensar no espaço público não apenas para o turista, mas principalmente para os moradores. O poder público tem o papel de dar atenção àqueles que mais necessitam e de orquestrar os diversos interesses que coexistem na área histórica”, finaliza.

 

 

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