URBANISMO

Labo B do paraíso: MPPE expõe violações de direitos em Fernando de Noronha

Déficit habitacional também atinge arquipélago, que tem dezenas de pessoas vivendo sem água ou energia regular

Cadastrado por

Katarina Moraes

Publicado em 13/10/2023 às 13:36 | Atualizado em 13/10/2023 às 14:50
Arquipélago de Fernando de Noronha é um dos destinos turísticos favoritos no Brasil, mas esconde problemas - Hans von Manteuffel / Setur-PE

Por trás das praias paradisíacas de Fernando de Noronha, há uma realidade pouco divulgada, onde uma população em vulnerabilidade serve como arrimo para o turismo local. As violações de direito aos mais pobres, que vão desde a falta de moradia, até o não acesso a água e a energia elétrica, têm sido investigada pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE).

Cerca de 40 famílias nessa situação já procuraram o órgão, que promoveu audiência pública na última semana para discutir a questão. A responsabilidade recai sobre o Governo do Estado, que comanda o arquipélago através de uma administração própria.

“Há necessidade do governo olhar para os invisíveis. Não pedimos para violar normas ambientais, instalar água e energia onde fere o ambiente, mas na zona urbana. [...] Os turistas não têm ideia do que é Fernando de Noronha para o pobre”, provocou o promotor de Justiça Ivo Pereira de Lima.

Noronha é considerada terra pública - por isso, os terrenos não são postos à venda. Para ter direito a morar ou estabelecer um comércio na ilha, é necessário obter um Termo de Permissão de Uso do Solo (TPU), fornecido gratuitamente desde que o solicitante siga uma série de critérios - como a quantidade de anos que mora no local.

Audiência pública promovida pelo MPPE na última semana - REPRODUÇÃO


É aí, segundo o promotor, onde está o nó da questão: “é super difícil de conseguir a TPU. É mais fácil ser cidadão americano que um morador permanente de Noronha”, explicou. “Tem trabalhador que está morando há 20 anos e não tem a carteira de morador permanente, que dá uma cidadania mais plena em Noronha para poder exercer todos esses direitos”, disse.

Um dos moradores presente na reunião afirmou que não consegue ligar o nebulizador para um filho doente, pois a energia chega fraca e que ele enfrenta problemas por ter que esperar os vizinhos abastecerem suas residências com água e, só depois, ter o seu serviço ofertado, pois é a última casa.

Outra, apresentou um exemplo envolvendo sete moradores da ilha, com TPUs regularizados e projetos aprovados pela administração, que tiveram seu acesso à água e luz cortados de forma abrupta, enquanto outros, que sequer estavam legalizados, tinham acesso a esses serviços.

Ela pontuou ainda que boa parte dos moradores não possui recursos para contratar advogados e garantir seus direitos. Também mencionou o grande número de pousadas na ilha, algumas com extensas áreas e direitos, enquanto os mais pobres são privados do acesso aos serviços básicos.

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VIABILIDADE

Sem a TPU, as pessoas de baixa renda acabam morando em lugares improvisados, como barracas, ou fazem construções irregulares, mesmo nas áreas urbanas. Assim, muitas acabam dependendo do fornecimento feito por vizinhos através de ligações clandestinas, tornando-se reféns de explorações financeiras e ameaças de corte de energia.

Lima explica que o documento costuma ser dado a apenas um dos moradores da residência, dificultando, posteriormente, a vida dos filhos, além de ser um trâmite demorado. Ao mesmo tempo, a Neoenergia e a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) só podem fazer ligações para fornecer água e luz para as casas com o documento.

Durante a audiência, o representante da Neoenergia, Rafael Rocha, explicou que a empresa recebe pedidos de ligações mensalmente e que, nos locais em que já existe rede elétrica, a viabilidade técnica é mais facilmente alcançada, diferentemente de locais não preparados.

Já o representante da Compesa, Artur dos Santos, disse que a ilha já enfrentou um período de racionamento de água, mas que, atualmente, não tem sido necessário, apesar do crescimento habitacional que necessita ser analisado. Segundo ele, algumas ligações de água são mais simples de serem executadas devido à viabilidade técnica no local. Em outros, a realização de obras é necessária, provocando impacto ambiental e exigindo licenças e estudos.

A Administradora Noronha, Thallyta Figuerôa, disse que, tendo assumido o cargo recentemente, ainda não teve tempo suficiente para entender todas as necessidades dos cidadãos. “A viabilidade das instalações depende da observância de questões técnicas por parte da Neoenergia e da Compesa, que precisam verificar se as solicitações podem ser efetuadas, mas a Administração está disposta a construir uma solução”, destacou ela.

ENCAMINHAMENTOS

Para o promotor, o "entrave está na administração [de Noronha] para fazer a liberação e reconhecer os direitos dessas pessoas". “É um problema antigo, mas ninguém nunca o enfrentou”, contou. Ao final da audiência, contou ele, a administradora da ilha pediu para três funcionários presentes cadastrarem os participantes que relataram o problema: 23 pessoas, ao total.

“Chegamos no auge [do problema] com essa audiência. Se a administração não acatar, vamos ajuizar uma ação, porque entendemos que está havendo uma violação aos direitos humanos em Noronha.”

Nessa quinta-feira (12), o governo de Pernambuco decretou a criação do Núcleo de Integridade e Compliance de Apoio ao Distrito Estadual de Fernando de Noronha (NICDEFN), que terá o objetivo de revisar e instituir normativos que disciplinem controles administrativos específicos no processo de execução de políticas públicas na administração do arquipélago.

Um dos pontos a ser avaliado é justamente o estabelecimento de mais transparência e critérios para a emissão da TPU.

A reportagem do JC pediu um esclarecimento ao governo estadual sobre os pontos tocados pelo MPPE, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.

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