O Recife está no mapa da trajetória eclesiástica e literária do cardeal português Dom Tolentino de Mendonça. Desde a primeira vez que esteva na Capital pernambucana, em 2009, até agora, são 15 anos de parceria.
A primeira vez que esteve na cidade foi para ministrar cursos e palestras na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Nas duas passagens seguintes, em 2015 e 2017, veio lançar seus livros “A Leitura Infinita – A Bíblia e a sua interpretação” e “Libertar o Tempo”, sempre em parceria com a Unicap.
Nesta quinta-feira (25), o cardeal e professor visitante da Católica voltou ao Estado para receber o primeiro Título de Doutor Honoris Causa concedido a ele no Brasil pela Unicap. A cerimônia aconteceu no auditório do bloco G2, que estava lotado. O reitor da Católica, Padre Pedro Rubens, discursou sobre a importância do título e sobre o homenageado.
Nascido na cidade de Machico, na ilha da Madeira, em 1965, em Portugal, José Tolentino Mendonça viveu a sua primeira infância em Angola, até seus nove anos. Aos 11 anos entrou no seminário, iniciando os estudos de Teologia em 1982 e sendo ordenado padre em 1990, na diocese do Funchal.
Vivendo no Vaticano desde 2018, o cardeal é responsável por uma missão gigantesca. Ele é uma espécie de ministro da cultura e da educação da Cúria Romana, no Vaticano, responsável pela coordenação da rede escolar e das universidades católicas de todo o mundo, o equivalente a 11 milhões de estudantes. Dom Tolentino também é responsável pelas relações entre a Igreja e a cultura, a literatura, as artes e o patrimônio.
Colaborador próximo do Papa Francisco, em 2018, Dom Tolentino foi escolhido para arquivista do Arquivo Secreto do Vaticano e bibliotecário da Biblioteca Vaticana, na Santa Sé. No ano seguinte foi nomeado cardeal. Quando a saúde do Papa Francisco ficou debilitada, chegou-se cogital que dom Tolentino de Mendonça possa se tornar o próximo Papa.
Poeta, ensaísta, filósofo e teólogo, o cardeal é bastante comprometido com a educação. No seu discurso na entrega do Título de Doutor Honoris Causa na Unicap, ele lembrou a origem humilde de sua família e homenageou a avó. "Minha avó era analfabeta. Escrevia apenas uma palavra com muita dificuldade: o seu nome, mas foi a minha primeira biblioteca, com todo o seu repertório de história oral".
Antes de participar da solenidade, Dom Tolentino conversou rapidamente com a impresa e falou sobre posições do Papa Francisco, guerras pelo mundo, humanidade, inclusão e exclusão e sobre poesia.
PAPA FRANCISCO
O Papa Francisco diz, muitas vezes, que nós não vivemos apenas um tempo com mudanças, mas vivemos uma mudança de tempo. Nesta época nova da história, a igreja precisa de um novo estilo e que esse estilo tem de ser muito marcado pela consciência da missão, do acolhimento e da participação de todos. O Papa Francisco diz muitas vezes, e o disse em Lisboa, nas Jornadas Mundiais da Juventude, que a igreja tem de abraçar todos, todos, todos. Então há um sentido de inclusão que nós precisamos experimentar, praticar mais e fazer melhor.
ALA TRADICIONAL DA IGREJA
Eu penso que nesta sua visão profética da igreja, o Papa Francisco não está só. A igreja está com ele. É verdade que há um debate sobre algumas temáticas, mas claramente os cristãos e o povo de Deus está com o Santo Padre. E não só isso. A gente olha pro capital de confiança que o mundo hoje coloca na pessoa do Papa Francisco. É impressionante. É uma voz que tem uma autoridade moral, ética, que fala para todos, que congrega a todos. Eu penso que o Papa Francisco é uma figura de união. Neste momento é um traço de união, quer seja dentro da igreja quer seja na relação da igreja na mensagem com o mundo.
PANDEMIA E NOVO OLHAR PARA O MUNDO E NÓS MESMOS
Eu não serei tão pessimista no sentido de dizer que saímos pior da pandemia, que não há uma consciência. Eu penso que pode não se ver logo, mas algumas coisas daquelas que vivemos, o sofrimento coletivo que todos experimentamos, a incerteza e a responsabilidade pelo mundo é algo que sobretudo as novas gerações estão agarrando muito bem. Nós podemos criticar as gerações mais velhas, mas os jovens neste momento têm uma consciência sobre o futuro e parece necessário escutarmos mais os jovens. Depois da pandemia e durante a pandemia, o Papa Francisco escreveu uma cíclica fraternitude, que é uma chamada muito forte. Precisamos organizar o mundo não a partir da hostilidade, mas a partir da hospitalidade e do conceito de amizade social.
GUERRAS CONTINUAM
Infelizmente é a terceira guerra aos bocados, como diz o Papa Francisco e nós não podemos pensar que a guerra é apenas um problema daqueles países diretamente envolvidos. É uma questão de todos é uma questão de todos. Então, as guerras são um chamamento a perceber como a paz é um bem muito frágil, que precisa ser muito cuidado. E aí todos precisamos estar unidos em torno a uma cultura que possa ser de aproximação, de diálogo cultural, de negociação política para permitir que a paz não seja uma utopia distante, mas seja uma realidade.
EDUCAÇÃO E HUMANIDADE
Por quase um quarto de século eu tive experiência na Universidade. Recebi tanto e agora no cargo que ocupo sinto a responsabilidade e a necessidade de restituir. Quem trabalhou numa universidade sabe que a educação faz a diferença. A educação potencia não apenas carreiras, mas a humanidade integral. É, sem dúvida, uma ferramenta para construção do mundo. E, por isso, é tão importante valorizar a educação, defender a educação, alargá-la a todos, especialmente os mais pobres.
GARANTIR O FUTURO AGORA
O Papa Francisco chama a atenção sobre o cuidado com o planeta, dizendo que nós não temos muito mais tempo e precisamos agir sobre o presente para garantir o futuro. Quer dizer, é um momento de encruzilhada para o mundo, para a cultura, para tantos temas da humanidade mas, ao mesmo tempo, é um momento para afirmar a esperança. Aquela imagem tão forte que o Papa Francisco utilizou de que estamos todos juntos no mesmo barco é muito real. Ninguém se salva sozinho. A nossa salvação e a qualificação ética da nossa existência depende uns dos outros, desta reinvenção da relação entre os homens e entre os países entre o ser humano e entre as culturas. Aí eu penso que precisamos de um discurso de esperança.