O dia 28 de maio será sempre um dia de dor em Pernambuco, especialmente no Recife e em Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana. De muita dor. Aliás, de uma dor indescritível. Também será um dia de revolta, marcado pelo sentimento de impotência e injustiça social.
Nesta terça, quando a madrugada já anunciava um dia chuvoso e a proximidade com o inverno que tanto assusta parte do povo pernambucano, o coração amanheceu apertado. Especialmente daqueles que perderam pais, mães, primos, tios, tias e amigos para a chuva e a omissão do poder público.
Há dois anos, os moradores de Jardim Monte Verde, bairro localizado no limite do Recife com Jaboatão dos Guararapes, viveram uma das maiores tragédias climáticas da história de Pernambuco. Algo tão grave e assustador quanto o que o Brasil acompanha no Rio Grande do Sul e que tanto tem comovido o País.
Mas com uma diferença ainda mais brutal: no Grande Recife, a grande maioria das mortes foram por deslizamentos de barreiras, ou seja, mortes ainda mais violentas e injustas socialmente porque são efeito do racismo ambiental, que potencializa as tragédias climáticas e pune, principalmente, os mais pobres e vulneráveis.
Em todo o Estado, foram 134 mortes, das quais 123 somente por quedas de barreiras. E predominantemente em Jaboatão dos Guararapes, onde foram 62 vítimas, e no Recife, com 50. Os outros óbitos, também por deslizamento de barreiras, aconteceram em Camaragibe (7) e Olinda (3), na RMR, e em Limoeiro (1), no Agreste pernambucano.
Outras nove pessoas morreram afogadas em Olinda (3), Recife (2), Jaboatão (2), Paulista (1), Iati (1) - também no Agreste. E, ainda, uma foi eletrocutada em Jaqueira e outra morreu num desabamento de imóvel em Bom Conselho, na mesma região agrestina.
CANSADOS DE SEREM RESILIENTES E PERSEVERANTES
Não à toa, dois anos depois da tragédia, mais uma vez a população ganha as ruas para gritar, de novo e de novo, por socorro e por providências. O exercício da resiliência e da perseverança - que lhes foi imposto, a todos, sem opção - tem sido difícil de colocar em prática tanto tempo após aquele 28 de maio.
A área em Jardim Monte Verde onde 22 casas foram atingidas e destruídas, matando 48 pessoas - 17 delas de uma mesma família, para se ter ideia da dimensão da tragédia -, virou palco de um protesto pelo resgate da cidadania e da dignidade humana. Além da dor de contar os mortos, as famílias e amigos das vítimas apelaram ao poder público por ajuda. Ainda, acreditem.
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Com cartazes pretos e corações vermelhos simbolizando os mortos, denunciaram que nada ou muito pouco foi feito e entregue pelas Prefeituras de Jaboatão dos Guararapes e do Recife, tanto financeiramente quanto socialmente. O local, inclusive, ainda reflete esse abandono material e espiritual que todos seguem sentindo, mesmo dois anos após aquele tenebroso 28 de maio.
“Continuamos abandonados e com medo. Lutando pelo resgate da nossa dignidade, por um auxílio moradia digno, por uma nova casa. Infelizmente, o poder público nos esqueceu. Cadê você, prefeito, para dar uma resposta a esse povo que ainda pede socorro, dois anos depois?”, indagava uma das sobreviventes da tragédia, Mônica Silva, durante o protesto realizado nesta terça e em entrevista à TV Jornal.
Mônica perdeu a neta, Beatriz Santos da Silva, 1 ano, e a nora, Thays Lucia Oliveira da Silva, 22, que foram soterradas por uma das barreiras que deslizou no local. Foi o filho, esposo e pai da criança, quem retirou os corpos da família da lama. “Minha última lembrança é ver a minha netinha num saco preto”, recorda, com dor visível.
DOR, OMISSÃO E ABANDONO POR TODO LADO
Em Socorro, bairro de Jaboatão dos Guararapes, onde um vídeo viralizou naquele 28 de maio de 2022 ao mostrar a força do deslizamento de uma barreira destruindo diversas casas simples, enquanto os moradores gritavam, desesperados, pelos vizinhos, a situação é a mesma. Dor, desamparo e injustiça social prevalecem, assim como no Jardim Monte Verde.
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Que o diga Roberta da Silva, a mãe que viu os dois filhos serem engolidos pela lama e os destroços da barreira que arrastou a casinha onde viviam. Por pouco, ela não conseguiu estar ao lado de Alice Rebeca da Silva, de apenas 6 anos, e Robert Rodrigo da Silva, 13, quando a morte chegou.
Hoje, grávida de 8 meses, Roberta relembrou a dor daquele dia. “Tinha ido à casa da minha sogra e retornava, exatamente porque já estávamos assustados com a possibilidade de a barreira deslizar. Mas não deu tempo de estar com eles. Quando cheguei, a barreira já tinha descido e me jogou para fora de casa. Robert estava dormindo abraçado com a irmã. Ainda o chamei, mas ele não atendeu. Os perdi para sempre”, relembra.
VÍTIMAS SEM DIREITO À IDENTIFICAÇÃO
Como se não bastasse a morte sem dignidade e injusta socialmente, as vítimas do 28 de maio de 2022 em Pernambuco ainda sofreram com a negativa do poder público, na época, de dar-lhes uma face, um rosto. A negativa em fazer com que não fossem apenas números.
Nos primeiros dias após a tragédia e mesmo depois de algumas semanas, o governo de Pernambuco - acomodado em políticas convenientes da Secretaria de Defesa Social (SDS) - e as prefeituras das cidades que tiveram mortes se negaram a divulgar os nomes dos mortos oficialmente, o que dificultava o trabalho da imprensa e, principalmente, o dimensionamento do que estava acontecendo no Estado.
Foi preciso muita pressão da mídia e iniciativas isoladas dos jornalistas para dar o mínimo: um rosto, uma identidade a essas pessoas. Fazer com que não fossem apenas números, como já dito.
E o JC partiu na frente. Com o apoio das equipes de reportagem de todo o Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (SJCC), começou a realizar o que era dever do poder público. Até então, os Joãos, Josés e Marias seguiam sendo apenas números para o governo de Pernambuco e as prefeituras das cidades com vítimas, especialmente a do Recife e a de Jaboatão dos Guararapes.
Após muita pressão, a lista oficial de todas as vítimas foi liberada. Confira-a aqui.