De braços abertos no Morro: Nossa Senhora da Conceição acolhe adeptos de todas as religiões
Do ponto mais alto, o monumento de Nossa Senhora da Conceição vê, todos os anos, milhões de fiéis em busca de fortalecer momentos de espiritualidade
Os olhos no Morro da Conceição, na Zona Norte do Recife, se voltam para o mesmo lugar. Do ponto mais alto do bairro, o monumento de Nossa Senhora da Conceição vê, todos os anos, milhões de fiéis em busca de fortalecer momentos de espiritualidade, com oração e reflexão diante da imagem.
Dez dias de celebração à padroeira afetiva do Recife marcam a cidade e arrastam peregrinos de todo o estado. No dia oito de dezembro, a Festa do Morro reverencia a imagem da santa com caminhadas de renovação espiritual.
Além de fé e devoção, é também no Santuário de Nossa Senhora da Conceição que as pessoas vão em busca de esperança. No dia 30 de agosto deste ano, quando o teto desabou, deixando dois mortos e dezenas de feridos, estava acontecendo a distribuição de cestas básicas no espaço.
Nos dias seguintes, o templo abrigou, ainda, os corações que lamentavam o luto de toda a comunidade.
Em 2024, a Festa do Morro chega a 120 anos de história, sendo um dos maiores símbolos de devoção e espiritualidade em Pernambuco.
Aos pés do monumento, fiéis sobem as ladeiras todos os anos para agradecer às graças alcançadas, reverenciar a santa e pagar promessas, com sacrifícios como subir o morro de joelhos.
Ali, sob os olhos de Nossa Senhora da Conceição, completam ritos de fé e conexão - com o espiritual, mas também com outros devotos.
Acolhida
No Morro da Conceição, o acolhimento da crença vai além do catolicismo. A reverência à Nossa Senhora da Conceição faz parte da cultura da comunidade, que se mobiliza ao longo do mês de dezembro para homenagear a padroeira.
É o caso de Conceição Maria, de 52 anos. Seu nome é uma homenagem à santa e foi escolhido no dia do seu nascimento.
“Eu nasci no dia 8 de dezembro, às 4h20, que era a hora da primeira missa. Meu nome seria Lucidalva, mas mudou por causa disso. Desde então, tive a minha devoção por Nossa Senhora da Conceição”, conta.
Há 21 anos, Conceição ingressou no candomblé, mas também faz parte da liturgia do Santuário de Nossa Senhora da Conceição. “Ao longo do tempo, o sincretismo esteve presente nas festas e eu sempre participei da procissão junto à minha mãe, que era devota. Essa junção me levou também a fazer parte da igreja, da liturgia, aos pés do Morro”, relata.
Sacerdotisa e uma das responsáveis pelo terreiro Ilê Axé Casa Azul, localizado no Morro, Conceição tem a religiosidade e a fé como dois caminhos importantes na sua vida.
A religião e a fé caminham lado a ladoConceição Maria, 52 anos
No mês de dezembro, celebra, além do aniversário, o dia de Nossa Senhora da Conceição e cultua Iemanjá.
“Associar essas duas coisas para mim é bastante gratificante porque a fé é o motivo de toda essa dádiva que Deus me deu, tanto no candomblé, como ao lado de Nossa Senhora da Conceição”, explica Conceição.
Ela também atua no Morro como agente comunitária de saúde e diz que, seja no trabalho ou nos rituais religiosos, “está sempre pedindo para Nossa Senhora e para os orixás proteção, saúde, paz e livramento”.
Em 2018, Conceição acompanhou a procissão que levava ao hasteamento da bandeira na Festa do Morro, no primeiro dia da celebração. O ritual foi resultado de uma promessa feita naquele ano e agradecimento pela saúde do filho, após um acidente de moto.
"Foi um livramento. O sentimento foi de nascer novamente para estar diante de Maria Santíssima", lembra.
Fé e solidariedade
“Se a igreja não olhar para o lado social e se dedicar só a rezar, para mim fica uma coisa faltando”. Para Marcos Ferreira, de 63 anos, a fé e a solidariedade andam lado a lado.
Morador do Morro da Conceição desde que nasceu, ele viu a comunidade crescer em volta do Santuário de Nossa Senhora da Conceição e do monumento da padroeira. “Eu nasci no Morro, então a gente passa a vida toda ao lado da santa”, relata.
Com a chegada da imagem da padroeira, a região expandiu e precisou de mudanças. O barro das ladeiras precisou dar lugar a acessos que garantiam que os fiéis e devotos peregrinassem até a padroeira para renovar seus votos.
A relação dos moradores com Nossa Senhora da Conceição e com o sentimento de pertencimento foi, então, consolidada.
“A colocação da imagem veio fortalecer nas pessoas o sentimento de proteção por morarem próximas à Nossa Senhora da Conceição, fortalecendo a luta de classe, de ficar na terra”, explicou a arquiteta Adriana Figueira, que estudou o morro em sua pesquisa de mestrado intitulada “A Grande Mãe”.
Temos que ligar o social com a fé porque a gente não pode perder a féMarcos Ferreira, 63 anos
Em 1988, Marcos Ferreira fez parte do grupo que fundou o Centro de Reabilitação e Valorização da Criança (CERVAC), no Morro da Conceição. Os fundadores contaram com o apoio do padre Reginaldo Veloso, responsável pelo Santuário à época.
O projeto, que atende atualmente cerca de 300 famílias, de forma gratuita, teve início com um levantamento feito pelos moradores do Morro da Conceição sobre a quantidade de pessoas com deficiência vivendo na região. Eram cem, de acordo com o apurado.
“Chamamos as pessoas para uma conversa e o padre cedeu a casa paroquial”, relata Marcos. O centro que nasceu aos olhos do monumento de Nossa Senhora da Conceição cresceu e atualmente funciona em um espaço próprio, todos os dias, das 8h às 17h.
Envolvendo a comunidade nos trabalhos, o projeto atende famílias em diferentes áreas de atuação: da saúde, com fisioterapia e psicologia, à educação, com atendimento especializado no contraturno, artes e cultura, com música e dança.
Todos os anos, os integrantes da banda do CERVAC participam da Festa do Morro. O Centro também tem participação ativa na programação religiosa de maio, dedicada à Virgem Maria.
Além do Centro de Reabilitação e Valorização da Criança, Marcos Ferreira faz parte da Pastoral Social do Santuário de Nossa Senhora da Conceição. “Eu gosto de participar e ajudar as pessoas. Gosto de desenvolver um trabalho com as pessoas do Morro que precisam”, pontua.
No dia do desabamento do santuário, ele estava fazendo a entrega das cestas básicas, junto a outros integrantes do grupo. “Naquela sexta-feira, a gente estava entregando para o último grupo e, quando saímos do corredor, perto do altar, escutamos o barulho”, lembra. Marcos não conseguiu sair do santuário antes da queda do teto, mas teve ferimentos mais leves.
A religião e a fé caminham lado a lado
Conceição Maria, 52 anosTemos que ligar o social com a fé porque a gente não pode perder a fé
Marcos Ferreira, 63 anos