Vida na Favela: "Não entendo por que só eu estou aqui", diz morador de palafita
Enquanto espera por uma solução, Sandro divide os poucos metros quadrados da sua palafita com seu companheiro, o cachorro Beethoven
Na favela Encanta Moça, no Recife, terceira maior de Pernambuco, um morador ainda vê o sonho da moradia como algo distante.
Aos 51 anos, o pescador artesanal Sandro Lourenço de Santana mora em uma palafita na comunidade.
Da construção de madeira, contempla os prédios modernos distantes e segue com uma rotina precária. O rio de onde tira o sustento passa sob os pés pelas tábuas da casa improvisada.
“No meu dia a dia, eu pego sururu, cozinho e entrego para a catadora para ganhar um trocado. O meu pai sempre sobreviveu pela pesca e eu sempre pesquei e tratei. Eu gosto do que eu faço”, conta.
Sempre pesquei e tratei e gosto do que eu façoSandro Lourenço de Santana, pescador artesanal da favela Encanta Moça
A palafita, construída por Sandro e outro vizinho, não tem banheiro ou acesso à água encanada. Além disso, não tem freezer ou geladeira para armazenar os pescados.
“Por enquanto estou sem freezer. Tenho que pescar e vender logo”, explica Sandro.
A palafita é um reflexo da inadequação habitacional na capital pernambucana e sofre da carência na infraestrutura urbana, como distribuição de água e energia e tratamento de esgoto e lixo.
Em agosto de 2023, uma lista com 600 nomes foi divulgada pela Prefeitura do Recife. Ali estavam as pessoas que seriam contempladas por um apartamento no habitacional Encanta Moça.
Na época, um grupo de moradores acreditava que ganharia um apartamento e se revoltou por não ter o direito à moradia atendido.
Sandro viu a esperança se transformar em solidão. Ele conta que viu sua irmã ser contemplada e todos receberam uma moradia, mas ficou.
“Vieram aqui, pegaram a minha identidade e CPF, mas não resolveram nada. Eles falaram que palafita era prioridade, mas eu não entendo por que só eu estou aqui”, relata o pescador.
Eu não entendo porque só eu estou aquiSandro Lourenço de Santana, pescador artesanal da favela Encanta Moça
Ele também reclama da falta de um píer na região para dar suporte aos trabalhadores, promessa da Prefeitura do Recife para o Rio Pina.
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A gerente de incidência em políticas públicas da Habitat para a Humanidade Brasil, Raquel Ludermir, destaca que “o problema da moradia em Pernambuco e na Região Metropolitana do Recife se trata de uma dívida histórica e que afeta principalmente as populações mais vulnerabilizadas”.
Enquanto espera por uma solução, Sandro divide os poucos metros quadrados da sua palafita com seu companheiro, o cachorro Beethoven, que também domina o hábito de andar pelas tábuas de madeira.
Em nota, a Prefeitura do Recife informou que o nome de Sandro não consta no sistema de cadastro municipal. Além disso, esclareceu que o projeto de urbanização das margens do rio está em andamento.
Confira a nota completa da Prefeitura do Recife:
“A Autarquia de Urbanização do Recife (URB) esclarece que o morador citado na matéria, cujo nome foi repassado pela repórter, não consta no sistema de cadastro municipal. A gestão lembra que, há exatamente um ano, em 18 de dezembro de 2023, foram entregues 600 apartamentos dos habitacionais Encanta Moça 1 e 2, no bairro do Pina. Esses imóveis foram destinados a famílias previamente cadastradas, que residiam nas palafitas do Rio Pina, em áreas não edificáveis, ou que foram impactadas pela construção da Via Mangue.
As famílias cadastradas que não foram incluídas entre os 600 beneficiários serão contempladas por um outro habitacional a ser construído nas proximidades. Enquanto aguardam, recebem auxílio-moradia no valor de R$ 300 por mês. Outras famílias, por sua vez, receberam indenização pelas benfeitorias feitas nas casas.
Sobre o píer, a Prefeitura do Recife esclarece que o projeto de urbanização das margens do Rio Pina está em andamento e beneficiará diretamente cerca de 12 mil moradores de seis comunidades. O investimento é de R$ 33 milhões e inclui a implantação do Cais do Rio Pina, uma nova orla fluvial com equipamentos públicos e a Via Parque, transformando áreas anteriormente ocupadas por palafitas.
O projeto, amplamente discutido com a comunidade, incorporou demandas específicas dos pescadores e marisqueiras. Entre os elementos já previstos, o Cais do Rio Pina abrange a requalificação de 3,5 hectares, com equipamentos como ciclovias (1,6 km), pista de cooper (2,1 km), parque linear (1,8 km), e uma Via Parque com 960 metros de extensão.
O Setor 1, conhecido como Jardim Beira Rio, contará com pista de cooper, praça, ciclovia, parque infantil, áreas para piquenique e contemplação, academia, quiosques e praça de leitura. Já os setores 2 e 3, no entorno do braço morto do Rio Pina, receberão uma via com 960 metros, acessibilidade, duas faixas de rolamento, travessias elevadas, além de área para esportes e convivência, como quadra de basquete, campo de areia, parque infantil e estacionamento.
O projeto abrange a Zona Especial de Interesse Social (ZEIS) Encanta Moça/Pina, beneficiando as comunidades de Areinha, Encanta Moça, Bode I e II, Beira Rio/Pina e Jardim Beira Rio.”
Parte do território da favela Encanta Moça deve ser regularizado pelo Governo do Estado de Pernambuco, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) e da Perpart. Esta é uma demanda antiga da população, que luta pelo direito da segurança jurídica e posse de suas moradias.
A respeito do tema, a gestão informou que está fazendo a regularização de áreas que estão ocupadas por habitações de interesse social.
Confira a nota completa do Governo de Pernambuco:
“A Seduh, através da Perpart, está fazendo a regularização de áreas, que pertencem ao Estado, e que estão ocupadas por habitações de interesse social em áreas onde a edificação é permitida pela legislação que regulamenta o processo de REURB-S. O objetivo dessa regularização é garantir que as famílias sejam devidamente indenizadas ao serem relocadas, recebendo o valor justo pelas suas moradias. A atuação do governo do Estado é voltada para assegurar que a urbanização ocorra com o devido processo de regularização e as compensações necessárias às famílias que ali residem há muitos anos e estavam em situação de vulnerabilidade pela insegurança fundiária.
O papel da Perpart, dentro do Programa Morar Bem PE, é realizar a regularização fundiária e entregar os títulos de propriedade das famílias que residem em áreas da estatal há mais de 30, 40 anos.
O documento garante a segurança jurídica dessas famílias, que passam a contar com o direito sucessório, ou seja, dos herdeiros.”
Terceira maior favela de Pernambuco
A Encanta Moça, no Recife, é considerada a terceira maior favela ou comunidade urbana de Pernambuco, e conta com 8.878 habitantes. Os dados são do do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mapeou favelas de todo o País.
Para o instituto, são consideradas favelas e comunidades urbanas os territórios onde há predominância de domicílios com alto grau de insegurança jurídica, ausência ou oferta incompleta de serviços públicos e áreas com restrições à ocupação devido ao risco ambiental.
O tema está sendo abordado ao longo da semana pelo JC, na série Vida na Favela, e por todos os veículos do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação.
Conheça Encanta Moça, a terceira maior comunidade de Pernambuco
Sempre pesquei e tratei e gosto do que eu faço
Sandro Lourenço de Santana, pescador artesanal da favela Encanta MoçaEu não entendo porque só eu estou aqui
Sandro Lourenço de Santana, pescador artesanal da favela Encanta Moça