Em um País onde 13,5 milhões de pessoas sobrevivem com uma renda mensal per capita inferior a R$ 145, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), colocar em prática o isolamento social e ter acesso a água limpa e materiais de higiene pessoal, essenciais para conter o avanço do coronavírus, é um privilégio. Para esse e para outros grupos, como os trabalhadores informais, não sair de casa é mais do que se proteger da covid-19, significa não ter recursos básicos para o seu próprio sustento.
Desempregada e mãe de dez filhos, Kátia Cilene de Deus, de 45 anos, contou que deixa sua casa todos os dias para tentar conseguir dinheiro ou alimentos nas ruas no Centro do Recife. A mulher disse que ouviu falar sobre o coronavírus e que tem conhecimento da recomendação para não sair de casa. Ela afirma, contudo, que prefere “morrer do vírus do que de fome”.
“Há um ano solicitei o Bolsa Família e ainda espero uma resposta. Uma das minhas filhas tem um filho pequeno e está grávida de oito meses. Há cinco (meses) ela também solicitou o benefício e está aguardando. Eu tenho que sair para buscar comida. Vou ficar em casa morrendo de fome com os meus filhos? Deus vai dar o livramento (da doença). O que eu acho errado é que quem já recebe o Bolsa Família agora vai receber 13º, enquanto pessoas como eu não recebem nada”, lamentou.
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Até o momento, o governo federal não anunciou nenhuma medida para auxiliar famílias como a de Kátia durante o surto do novo coronavírus no País. Estados, municípios e o Congresso Nacional, porém, se anteciparam e lançaram uma série de ações que beneficiarão pessoas em situação de vulnerabilidade, seja com transferência de renda ou com o fornecimento de alimentos ou itens de higiene. A falta de iniciativa do governo federal salta aos olhos. “A discussão é liderada pelo parlamento. Em todos os países, isso parte do Executivo, que teria de propor um pacote mais amplo para o enfrentamento desses 90 dias de crise. O pacote americano, por exemplo (de US$ 2,2 trilhões), é robusto e completo. Prevê renda mínima para quem ganha até US$ 99 mil e até aquisição de percentual de empresas”, observou o economista João Rogério Alves, da PPK Consultoria.
Em Pernambuco, o governador Paulo Câmara (PSB) anunciou ontem que vai liberar R$ 1,4 milhão para os 184 municípios e o distrito de Fernando de Noronha adotarem medidas para auxiliar famílias em situação de pobreza e extrema pobreza. As ações miram na conscientização sobre a covid-19, no fornecimento de refeições e na disponibilização de espaços para banho e lavagem de roupas para pessoas em situação de rua.
Congresso
Ontem à noite, a Câmara dos Deputados aprovou, com o apoio da liderança do governo, o pagamento de um auxílio emergencial de R$ 600 para pessoas de baixa renda devido à crise gerada pelo novo coronavírus. O benefício, que ainda será analisado pelo Senado, deve durar três meses.
Inicialmente, o governo federal propôs que a transferência fosse de R$ 200, mas já na primeira versão do relatório do deputado Marcelo Aro (PP), o valor sugerido era de R$ 500. “Após negociações com o líder do governo, deputado Vitor Hugo (PSL), o Executivo aceitou aumentar para R$ 600,00”, diz comunicado divulgado pela Câmara.
“Renda mínima para os desassistidos é imprescindível, tanto do ponto de vista humanitário, quanto do ponto de vista econômico. A miséria pode descambar para uma ruptura do tecido social e fazer a situação sair do controle. É uma medida urgente e é para ontem”, salientou o economista João Rogério Alves.
Na avaliação do cientista político Ernani Carvalho, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), os movimentos do Congresso e dos gestores estaduais e municipais demonstram o isolamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O docente ressalta, porém, que isso não pode paralisar o Executivo nacional, que precisa apontar meios para socorrer a população, como aconteceu nos Estados Unidos, que concentra 25% de toda a riqueza do planeta. “É um país liberal, com um governante conservador, mas eles já perceberam que os efeitos dessa paralisação total vão impactá-los sobremaneira.”
Priscila Lapa, cientista política da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho), diz que enquanto os governadores estão conseguindo manter uma linha de raciocínio única e técnica, Bolsonaro buscou o isolamento. “Agora ficou muito claro para quem ele fala e governa. Em outros países os esforços são no sentido de congregar as lideranças. A primeira grande reunião dele foi com um grupo de empresários e depois disso se começou a falar em mudança nas medidas de contingenciamento.”
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