Enquanto o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, equilibra-se na corda bamba, autoridades que ocupam o mesmo cargo em outros países também enfrentam pressão durante a pandemia do novo coronavírus, mas por outros motivos. Mandetta trava uma queda de braço com o presidente Jair Bolsonaro ao defender o isolamento social para conter o avanço da pandemia e ver com restrições o uso da cloroquina. Em outras nações, responsáveis pela área da Saúde deixaram o cargo ou foram criticados justamente por descumprir medidas de distanciamento ou por não reagirem à altura da crise.
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Na Escócia, por exemplo, a diretora médica do país, Catherine Calderwood, renunciou após ser flagrada viajando durante o período de isolamento social do Reino Unido, que impede esse tipo de deslocamento. Na semana passada, ela foi fotografada pelo jornal The Scottish Sun em Earlsferry, a cerca de 70 km de Edimburgo, onde mora. A diretora chegou a ser advertida pela polícia escocesa.
No domingo, 12, o número de mortes no Reino Unido passou de 10 mil. O primeiro-ministro da Grã-Bretanha, Boris Johnson, recebeu alta após contrair a doença e ficar internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Em situação semelhante, o ministro da Saúde da Nova Zelândia, David Clark, deixou o cargo à disposição por ter quebrado as medidas de isolamento e levado a família à praia durante a pandemia. A primeira-ministra, Jacinda Ardern, entretanto, rejeitou o pedido de demissão por considerar que o momento é atípico. Em nota, a premiê reforçou que o que ele fez foi errado e que a Nova Zelândia espera e merece mais de Clark.
Com as medidas restritivas, a Nova Zelândia tem conseguido controlar a propagação, com pouco mais de mil casos confirmados e apenas uma morte.
Na Romênia, o ministro da Saúde, Victor Costache, renunciou ao cargo no dia 26 de março, em meio a críticas por falta de equipamentos em hospitais. O ministro pediu demissão 10 dias após o país decretar estado de emergência. A Romênia registrou mais de 4 mil casos e cerca de 200 mortes decorrentes da doença
Alguns dias antes, o ministro da Saúde holandês, Bruno Bruins, pediu demissão após desmaiar durante uma discussão sobre a covid-19 com parlamentares. Ele disse que o mal-estar ocorreu por trabalho intenso nas últimas semanas e que não sabia quanto tempo levaria para se recuperar. A estratégia holandesa é de "isolamento seletivo", com foco em pessoas que fazem parte do grupo de risco. Até quinta-feira passada, o país registrava mais de 20 mil casos e quase 3 mil mortes.
Para o professor de Administração Pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Álvaro Guedes, os responsáveis pela área de saúde ganham notoriedade durante a crise simplesmente por cumprirem o seu papel e por fazerem aquilo que se espera.
"Em um ambiente de tanta turbulência, quem faz o que precisa ser feito ganha notoriedade. Por contraste, acaba aparecendo, porque está em um ambiente de pessoas que não fazem aquilo que se espera", comentou Guedes.
No Brasil, Mandetta tem sido alvo de fritura após contrariar o presidente em diversas ocasiões. Após Bolsonaro aumentar as críticas ao ministro e dizer que iria usar a "caneta" contra integrantes de sua equipe que "viraram estrela", o ministro disse que não deixaria o cargo por vontade própria. "Médico não abandona o paciente", afirmou ele em entrevista no dia 6.
Três dias depois, em uma "live" no Facebook, Bolsonaro rebateu. "Médico não abandona paciente, mas o paciente troca de médico", afirmou, sem citar o nome de Mandetta.
Nos Estados Unidos, as divergências entre o presidente Donald Trump e parte de sua equipe técnica também são escancaradas quase diariamente durante as coletivas de imprensa da Casa Branca sobre o tema.
O diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, Anthony Fauci, integrante da força-tarefa do governo americano para conter a pandemia, é tido por especialistas como a voz da sensatez nos pronunciamentos feitos pela equipe. Fauci já desmentiu Trump na frente do próprio presidente ao falar, por exemplo, sobre a cloroquina. Ele frisa que não há eficácia comprovada no uso do medicamento, que tem sido defendido por Trump, e pede cautela na utilização da droga no tratamento do covid-19.
Apesar das diferenças explícitas, Fauci já afirmou em entrevista que nunca viveu uma situação em que Trump se negou a adotar as políticas de enfrentamento ao vírus sugeridas pela equipe médica depois de convencido de que são as medidas mais seguras à população.
Desde o meio de março, Trump vem defendendo as políticas de distanciamento social extremo. O presidente dos EUA demorou a assumir a responsabilidade na crise, o que tem sido apontado por epidemiologistas como uma das razões para que os EUA tenham se tornado o epicentro mundial da pandemia. Mais de 22 mil pessoas morreram no país em decorrência da covid-19 e o pico do problema ainda nem chegou, segundo modelos estatísticos usados pelas autoridades americanas.