Com Estadão Conteúdo e Agência Brasil
Atualizada às 20h30
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira (10) a legalidade do 'inquérito das fake news', aberto para apurar notícias falsas, denunciações caluniosas, ofensas e ameaças a ministros da Corte. Os ministros analisam uma ação da Rede Sustentabilidade, protocolada no ano passado para contestar a forma de abertura da investigação. Pelas regras processuais penais, o inquérito deveria ter sido iniciado pelo Ministério Público ou pela polícia. O partido pediu que a ação fosse extinta, mas o julgamento se manteve.
Apenas o relator da ação, ministro Edson Fachin, votou nesta sessão. Depois, a discussão foi interrompida para ser retomada na manhã da próxima quarta-feira (17). Fachin votou pela continuidade do inquérito das fake news.
"Diante do intento de dinamitar instituições, do incitamento do fechamento do Supremo Tribunal Federal, de ameaça de morte ou de prisão de seus membros, de apregoada desobediência à decisões judiciais, proponho o julgamento improcedente do pedido", disse o ministro.
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No entendimento de Fachin, houve omissão dos órgãos de controle, que não tomaram a iniciativa de investigar os ataques contra a independência do Poder Judiciário nas redes sociais. Dessa forma, segundo o ministro, o regimento interno pode ser aplicado como instrumento de defesa institucional.
"São inadmissíveis a defesa da ditadura, do fechamento do Congresso ou do Supremo. Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos. Quem os pratica precisa saber que enfrentará a Justiça constitucional do seu país", disse.
Edson Fachin também estabeleceu no voto limites que deverão ser seguidos para justificar o prosseguimento do inquérito.
Pelos parâmetros estabelecidos, a investigação deverá ser acompanhada pelo Ministério Público, os advogados dos investigados deverão ter acesso ao processo e o objeto do inquérito devem ser ameaças aos ministros, seus familiares, aos poderes constituídos, contra o estado de direito e contra a democracia.
O relator também definiu que não poderão ser alvo do inquérito matérias jornalísticas e manifestações pessoais nas redes sociais, desde que não façam parte de "esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais."
PGR
Durante o julgamento, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu o prosseguimento do inquérito, mas com balizas para garantir a participação do Ministério Público. Aras também repudiou ameaças contra os ministros da Corte e disse que notícias fraudulentas não são divulgadas somente por blogueiros.
"Sabemos que este fenômeno maligno das fake news não se resume a blogueiros nas redes sociais. É estimulado por todos os segmentos da comunicação moderna, sem teias, sem aquele respeito que a nossa geração aprendeu a ler o jornal acreditando que aquilo era verdade", afirmou.
AGU
O advogado-geral da União, José Levi do Amaral, defendeu o prosseguimento do inquérito, desde que seja garantida a não criminalização da liberdade de expressão.
Segundo Levi, as liberdades de expressão e de imprensa devem ser plenas nos meios tradicionais de comunicação e nas redes sociais, sejam os autores das mensagens jornalistas profissionais ou não.
"Censura, nunca. Aliás, as liberdades de expressão e de imprensa são necessariamente acompanhadas da garantia de não censura, ou seja, a proibição da censura", disse.
O inquérito das fake news
Com base nas investigações desse processo foram cumpridos, no mês passado, mandados de busca e apreensão contra empresários e acusados de financiar, difamar e ameaçar ministros do tribunal nas redes sociais.
Os mandados foram autorizados pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no STF. A ordens foram cumpridas no Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Paraná e Santa Catariana. Deputados, blogueiros, ativistas e outros bolsonaristas tiveram documentos, celulares e computadores apreendidos pela Polícia Federal, além dos sigilos bancário e fiscal quebrados, e o ministro da Educação, Abraham Weintraub, e a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) foram chamados a depor.
Na decisão em que autorizou as buscas, Moraes disse haver indícios de que um grupo de empresários tem financiado e coordenado uma estrutura para a produção e disseminação dessas informações falsas e ofensas nas redes sociais. As tratativas se dariam em grupos privados de WhatsApp, motivo pelo qual seria necessária a apreensão de diversos aparelhos eletrônicos para a produção de provas, decidiu o ministro.
Moraes citou laudos periciais da PF que apontam a coordenação de postagens entre ao menos onze perfis no Twitter. O ministro menciona ainda os depoimentos de diversos parlamentares, entre eles os deputados Alexandre Frota (PSDB-SP) e Joice Hasselman (PSL-SP), que acusaram a existência do esquema em depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre fake news.
“As provas colhidas e os laudos periciais apresentados nestes autos apontam para a real possibilidade de existência de uma associação criminosa, denominada nos depoimentos dos parlamentares como Gabinete do Ódio, dedicada a disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às Instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática”, escreveu o ministro do Supremo.
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Ao pedir a suspensão, Aras disse cabe ao Ministério Público dirigir a investigação criminal e definir quais provas são relevantes. Além disso, o procurador destacou que se manifestou contra as medidas de busca e apreensão realizadas, que, segundo ele, foram sugeridas pelo juiz instrutor do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, após receber relatório de investigação da Policia Federal.
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A abertura do inquérito foi feita em março de 2019. Na época, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, defendeu a medida como forma de combater à veiculação de notícias que atingem a honorabilidade e a segurança do STF, de seus membros e parentes. Segundo o presidente, que nomeou Alexandre de Moraes como relator do caso, a decisão pela abertura está amparada no regimento interno da Corte.
Desde o início, as investigações sofreram forte oposição do MPF, então chefiado por Raquel Dodge, por terem sido iniciadas de ofício (sem provocação de outro órgão). O caso é atípico, porque a Justiça brasileira preserva o princípio acusatório, ou seja, um órgão apresenta a denúncia e outro julga. No inquérito das fake news, contudo, o próprio Supremo, que foi alvo dos ataques e notícias falsas, determinou a abertura das investigações e vai julgar os crimes.
Em março do ano passado, a Rede também se opôs ao inquérito por considerá-lo ofensivo ao preceito constitucional da separação dos Poderes e por entender que o STF estaria extrapolando suas competências ao conduzir uma investigação criminal. O partido argumentou que o inquérito foi aberto 'sem fatos específicos e contra pessoas indeterminadas' e à revelia do Ministério Público, que acabou escanteado das investigações - o que, na visão da sigla, violaria 'as garantias mais básicas do Estado Democrático de Direito'.
Na ação que está em julgamento nesta terça, 9, a Rede Sustentabilidade questiona a constitucionalidade da portaria que determinou a abertura da investigação, de autoria do ministro do Supremo, Dias Toffoli. O partido também pede explicações sobre a designação do ministro Alexandre de Moraes para conduzir as investigações. Normalmente, esta atribuição é distribuída por sorteio. Nesse caso, foi determinada pelo próprio líder da Corte, o ministro Dias Toffoli.
Foi no âmbito desse inquérito que Alexandre de Moraes censurou reportagens publicadas na revista digital Crusoé e no site O Antagonista. Moraes, no entanto, voltou atrás e acabou revogando a própria decisão.
Apesar do questionamento sobre a legalidade do inquérito ter partido da Rede Sustentabilidade, há pouco mais de um ano, recentemente o próprio partido desistiu da ação e solicitou o arquivamento do pedido enviado ao Supremo sob alegação de que o 'inquérito de converteu em um dos principais instrumentos de defesa da democracia'. O partido avalia que as investigações têm revelado 'uma verdadeira organização criminosa cujo alvo são as instituições democráticas e cujo instrumento são as fake news: distribuídas em massa, financiadas por esquemas ilícitos e coordenadas, aparentemente, por autoridades públicas'. O ministro Edson Fachin, no entanto, defendeu que a Constituição veda a desistência da parte autora do pedido, uma vez que a ação questiona diretamente a constitucicionalidade do inquérito, o que não poderia ser submetido à mudança de opinião.
A mudança de posição da sigla de oposição ao governo veio após o inquérito fechar o cerco contra apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e o chamado 'gabinete do ódio'.
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