Procurador do Ministério Público de Contas de Pernambuco, Cristiano Pimental não viu com bons olhos a decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que determinou às forças-tarefas da Lava-Jato no Paraná, no Rio de Janeiro e em São Paulo que repassem todos os dados colhidos durante a operação para a Procuradoria-Geral da República (PGR).
Toffoli acatou um pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, que alegou ter “dificuldades” de acesso às informações. Para Cristiano Pimentel, a situação é grave por se tratar de um "fogo amigo", que pode levar, segundo ele, a Lava Jato ao fracasso. "Não é ninguém de fora, é a própria PGR. E não é segredo interno, os próprios procuradores estão criticando certas atitudes da PGR. O receio é de que ocorra o que aconteceu com a Operação Mãos Limpas da Itália, que investigou a máfia e a corrupção política, mas foi enterrada e os políticos ficaram todos impunes, governando", afirmou o procurador em entrevista à Rádio Jornal, nesta sexta-feira 10).
A PGR ainda relatou ao STF que há suspeita de a Lava Jato estar burlando a lei para investigar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que têm foro privilegiado e deveriam ter eventuais suspeitas submetidas à análise do STF. Mas, Cristiano enxerga um equívoco nessa interpretação. "O Ministério Público Federal está dizendo, sem base, que a Lava Jato estaria utilizando de procedimentos indevidos e investigando pessoas de foro privilegiado, como Maia e Alcolumbre. Mas isso não é verdade, acontece que, em um processo, a força-tarefa fez uma tabela com os nomes de quem recebeu dinheiro da Odebrecht, e os nomes desses políticos estariam nela. Mas eles não são investigados, nem denunciados, a tabela estava no argumento contra outros réus. Então esse argumento não se sustenta e estão atacando a Lava Jato", afirmou.
Na peça assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, a Procuradoria-Geral alega que as informações serviriam para subsidiar a atuação de Augusto Aras para coordenar as atividades do MPF, decidindo eventualmente sobre qual esfera toca determinadas investigações.
Um trecho polêmico da decisão de Toffoli diz respeito a uma possível hierarquia do procurador-geral sobre promotores. Na visão de Cristiano Pimentel, é "basilar" no Ministério Público que não exista esta cadeia hierárquica. "Toffoli aponta que a Lava Jato estaria desobedecendo a hierarquia, mas é decisão de quem não leu a Constituição de 1988, uma coisa basilar no Ministério Público é que não existe hierarquia entre o procurador-geral com o promotor e o procurador", afirmou.
Toffoli teria argumentado que o Ministério Público "compõe um todo intrinsecamente indivisível, sendo sua repartição em órgãos e a subordinação administrativa a coordenadores diversos justificadas apenas pela necessidade de organização administrativa e funcional que assegure à instituição a defesa dos interesses difusos e coletivos em todo o território nacional".
O presidente do STF destaca que o PGR tem competência para requisitar as informações. "Não obstante, a sua direção única pertence ao procurador-geral, que, hierarquicamente, detém competência administrativa para requisitar o intercâmbio institucional de informações, para bem e fielmente cumprir suas atribuições finalísticas, como, por exemplo, zelar pela competência constitucional do Supremo Tribunal Federal, na qualidade de fiscal da correta aplicação da lei e da Constituição", diz.
Um dos receios dos procuradores da Lava Jato diz respeito a como os dados enviados a Brasília serão utilizados, além do medo do possível vazamento de informações sigilosas. "A operação existe há seis anos e esse 'caminhão' de dados e documentos, será mandado eletronicamente para Brasília. Como os integrantes da força-tarefa disseram, é preocupante, pois é um mundo de informações e quanto mais gente sabe, mais pode haver vazamento. Existem restrições e sigilos, mas a criatividade para burlar é infinita", explicou Pimentel.
Por fim, o procurador enfatizou que a Lava Jato está cumprindo seu papel enquanto a Procuradoria-Geral deixa a desejar. "Foi feita a lista do Rodrigo Janot, ainda em 2015, eram 200 deputados nela e pergunto: quantos foram punidos? Apenas um deputado federal de Santa Catarina, o único condenado no STF. Enquanto isso, as forças-tarefas nos estados tem casos como Eduardo Cunha, Sérgio Cabral e outros. A PGR está muito a dever e não é questão só da atual gestão, pois as anteriores não conseguiram punir pessoas em quantidade, e por sua vez, as forças-tarefas em primeira instância têm resultados extraordinários, como a devolução de R$ 8 bilhões para a Petrobras", concluiu.
Em nota, os procuradores da força-tarefa do Paraná informaram que cumprirão a decisão do STF, mas afirmaram que ela parte de "pressuposto falso", pois inexiste qualquer investigação sobre agentes públicos com foro privilegiado. Além disso, os procuradores ressaltaram que os atos de membros do MPF estão sujeitos à Corregedoria do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional do Ministério Público, “que têm amplo acesso a todos os processos e procedimentos para verificação de sua correção, o que é feito anualmente, constatando-se a regularidade dos trabalhos”. “Segundo o que a lei estabelece, essa função correicional não se insere no âmbito de atribuições do procurador-geral da República”, reforçaram.
Os procuradores ainda lamentaram que a decisão permita o acesso "a dados privados de cidadãos, em desconsideração às decisões judiciais do juiz natural do caso que determinaram, de forma pontual, fundamentada e com a exigência de indicação de fatos específicos em investigação, o afastamento de sigilo de dados bancários, fiscais e telemáticos”.